sábado, 3 de dezembro de 2011

PRIMAVERA ÁRABE OU INVERNO PARA AS MULHERES? O EGITO E DEMAIS PAÍSES VÃO EM DIREÇÃO AO ANIMALESCO COSTUME DO AFEGANISTÃO.

Controverso perdão a vítima de estupro expõe drama das afegãs
Em país de lei islâmica, mulheres são inferiores e são incriminadas mesmo quando abusadas
ALISSA J. RUBIN - New York Times
O Globo
CABUL - Quando o governo afegão anunciou que iria perdoar a jovem Gulnaz, condenada por adultério depois de denunciar que fora estuprada, a decisão pareceu uma vitória para as várias mulheres que tiveram suas vidas ceifadas pela controversa Justiça do Afeganistão.
Mas a partir do momento em que foi tornada pública também a condição para que ela fosse solta, ficou claro que, apesar dos esforços por mudanças, as práticas culturais na sociedade afegão são tão poderosas que poucos - nem mesmo o presidente - podem resistir a elas. Em troca da liberdade, Gulnaz concordou em se casar com o homem que a violentara.
O desfecho do caso pode representar um grave risco para Gulnaz. Seu agressor pode se sentir tão humilhado que poderia, por questão de honra, violá-la novamente ou até matá-la.
A decisão do governo Hamid Karzai é ainda mais pungente porque acontece enquanto as tropas ocidentais se preparam para se retirar do Afeganistão, deixando claro que não conseguiram avançar muito nos direitos das mulheres e aumentando as questões sobre o que acontecerá no futuro com outras jovens como Gulnaz.
Filme proibido ajudou a dar visibilidade à violência
O que levou o governo a agir foi um movimento iniciado depois de Gulnaz ter participado de um documentário encomendado pela União Europeia, que mais tarde bloqueou o lançamento do filme. Pessoas ligadas aos cineastas responsáveis acusaram funcionários da UE de, por medo de desagradar ao governo afegão, evitar expor os abusos às mulheres.
O filme proibido se chama “In-Justice: The Story of Afghan Women in Jail”, e mostra três afegãs que estão presas. Uma delas é Gulnaz, então com 19 anos e condenada a 12 anos de prisão. Outra mulher do filme sofreu abusos do marido e fugiu com um homem por quem se apaixonou. Agora, os dois estão presos por adultério. A terceira personagem era uma menina de 14 anos que parecia ter sido sequestrada, mas que foi considerada fugitiva e desde então voltou para sua família.
Depois que o filme foi concluído, a União Europeia proibiu seu lançamento, silenciando as mulheres que estavam dispostas a contar suas histórias. A razão dada foi que a visibilidade poderia ameaçar as mulheres, já que uma afegã que tenha feito sexo fora do casamento pode ser vítima do chamado crime de honra. Segundo o embaixador da UE no Afeganistão, Vygaudas Usackas, as mulheres não tinham autorizado por escrito a participação no filme.
Mas um e-mail obtido pelo “New York Times” mostra que razões políticas podem ter motivado o impedimento de exibição do documentário. A mensagem é endereçada aos cineastas e assinada pelo adido para justiça, cumprimento da lei e direitos humanos da União Europeia, Zoe Leffler, que diz que a UE “também tem que considerar suas relações com as instituições de justiça ligadas ao outro trabalho que está a UE está fazendo no setor”.
Mesmo que as protagonistas “dessem seu total consentimento”, a União Europeia não iria “se responsabilizar pelos eventos que poderiam acontecer e que poderiam ameaçar as vidas das personagens do documentário”, afirma o e-mail. Mas o embaixador da UE para o Afeganistão, Vygaudas Usackas, disse que a preocupação pelas mulheres foi central na decisão.
- A União Europeia não apenas se preocupa com as mulheres, como também já gastamos quase 45 milhões de euros no apoio a diferentes programas para elas - afirmou, acrescentando que a UE também financia abrigos para mulheres.
Discussões sobre a proibição do filme permearam grupos de direitos humanos, que se questionavam o que seria melhor para as mulheres, dadas as restrições da sociedade afegã. Mais de seis mil assinaturas foram recolhidas em uma petição que pediu a libertação de Gulnaz.
Em 2010, houve ampla repercussão do caso de Bibi Aisha, uma noiva criança pachtun que teve seu nariz cortado pelo marido talibã, o que acabou tendo saldo negativo. Líderes conservadores iniciaram uma campanha contra abrigos sem fins lucrativos para mulheres, onde Aisha havia encontrado ajuda. Quase fecharam os abrigos, o que teria sido uma grande perda para as mulheres que sofrem violência e abusos e não têm outra opção de refúgio.
- Quando nós escrevemos ou produzimos artigos ou filmes sobre mulheres afegãs, não importa o quão horrível é a vida de uma delas, nós queremos ser muito cuidadosos para não fazer a situação piorar - disse Samira Hamidi, diretora nacional da Rede de Mulheres Afegãs - Nós não queremos bloquear o caminho para outras mulheres que têm problemas parecidos e que não têm ninguém para ajudá-las.
Mas não mostrar a situação preocupante das mulheres do Afeganistão significa reduzir a possibilidade de o governo e a sociedade mudarem.
- É a nossa posição na comunidade dos direitos humanos que uma das melhores maneiras de sublinhar um problema é deixar que as vítimas falem e dar visibilidade ao que aconteceu com elas diante de um grande público - defendeu Georgette Gagnon, que trabalha na missão da ONU no país.
O problema para Gulnaz e para as outras mulheres mostradas no filme é a crença que elas mancham a honra da família. Por isso, qualquer exposição do abuso é tão humilhante para a família que uma mulher que assume essa posição se torna um pária entre os parentes, acabando isolada ou sofrendo novas violências.
Estratégia de proteção inclui casamento entre famílias
O caso de Gulnaz mostra o poder das regras culturais. Por um lado, a campanha pública ajudou o seu perdão, que a possibilitará criar sua filha fora da prisão. Por outro, o fato de a única solução imaginável para uma mulher com um filho ilegítimo ser o casamento com o pai - mesmo que ele seja um estuprador - é uma prova da crença rígida de que uma mulher só é respeitável se estiver inserida em uma família.
Gulnaz expressou sua opinião sobre a situação para a diretora Clementine Malpas:
- O estuprador destruiu meu futuro. Ninguém vai casar comigo depois do que ele fez comigo. Então eu tenho que casar com meu estuprador pelo bem da minha filha. Eu não quero que as pessoas a chamem de bastarda e violentem meus irmãos. Meus irmãos não vão ter honra em nossa sociedade até que ele (o estuprador) case comigo - disse Gulnaz, segundo contou a cineasta.
Mas, consciente de sua segurança, Gulnaz também disse que pedirá a seu estuprador - futuro marido - que autorize o casamento de uma de suas irmãs com um dos irmãos dela. A prática, conhecida como “baad”, é um jeito tribal de resolver disputas. Mas, nesse caso, também será uma medida de segurança para Gulnaz, pois seu estuprador hesitaria em machucá-la porque sua irmã estaria à mercê do irmão de Gulnaz.
A cineasta e a advogada de Gulnaz contaram que um abrigo para a jovem afegã foi encontrado e que esperam que ela aceite ir para lá. Mas ainda está obscuro se uma opção tão ocidental vai prevalecer sobre os costumes afegãos - e se Gulnaz vai escolhê-la.







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