sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

SERÁ O FIM DO EGITO?

Depois da revolução, estaria o Egito se descosturando?
Khairi Abaza - NYT
No Cairo ComenteNa última semana, o Egito viu um aumento alarmante da violência entre manifestantes e forças de segurança – em uma ilustração clara de que o exército arruinou a transição política. Desde que o presidente Hosni Mubarak deixou o poder, em fevereiro, o governo do Conselho Supremo das Forças Armadas recusou-se a abrir o sistema político do Egito, criando incentivos perigosos para os grupos resolverem suas diferenças nas ruas em vez de nos corredores do poder.
O mais recente confronto deixou pelo menos 14 mortos e muitos feridos; os soldados foram acusados de arrancar as roupas de algumas manifestantes. A violência começou no dia 16 de dezembro, quando os manifestantes bloquearam a entrada do escritório do primeiro-ministro, após o Conselho Supremo nomear um profissional da era de Mubarak, Kamal el-Ganzouri como novo chefe de governo. Ganzouri foi ministro do planejamento e primeiro-ministro da era Mubarak. Ele representa o mesmo regime que os revolucionários esperavam derrubar.
O Conselho Supremo culpa uma “mão invisível” de incitar a violência, citando a infiltração estrangeira e membros do regime de Mubarak - excluindo eles mesmos, é claro. Independentemente de quem foi o responsável, o exército perdeu uma chance de estabelecer um caminho para a transição política do Egito e tentou, nada sabiamente, monopolizar todo o processo em vez de compartilhar o poder com os civis.
Antes de deixar o cargo, Mubarak conferiu ao Conselho Supremo os poderes Executivo e Legislativo. A princípio, os manifestantes e membros da oposição achavam que o conselho colaboraria com eles, mas como viram, esse não é o desejo militar.
Após seis décadas de ditadura militar, o exército deveria procurar, acima de tudo, supervisionar a transferência pacífica de poder e a volta ordenada aos quartéis. O primeiro passo seria um governo de união que incluísse todas as facções políticas, seguidas pelo trabalho de criação de uma nova constituição democrática. Assim, o exército poderia ter capacitado grupos políticos a competirem abertamente, nivelando a competição.
Finalmente, depois que o exército tivesse fiscalizado a redação e aprovação de uma nova Constituição – com amplo apoio público - ele organizaria as eleições. Isso teria permitido que os recém-formados partidos seculares e liberais a alcançassem os bem estabelecidos islâmicos que, apesar da opressão do regime de Mubarak, conseguiram garantir fundos por anos e estabeleceram redes de doadores de base por meio das mesquitas e obras de caridade.
Em vez disso, o Conselho Supremo promoveu eleições legislativas o mais cedo possível. Além dos islâmicos, que compreensivelmente viram na pressa uma chance de maximizar seus ganhos, todas as facções políticas do Egito se opuseram a esse plano. Em março, o conselho prontamente apresentou ao país um referendo, enquanto os toques de recolher ainda vigoravam e a insegurança pós-revolução estava bem vívida para as pessoas.
O referendo foi livre, mas não foi justo. O exército compeliu os egípcios a escolherem entre a incerteza do status quo ou aprovar um mapa do caminho político imperfeito, que eles esperavam que poderia estabilizar o país. Setenta e sete por cento dos eleitores votaram a favor de primeiro convocar eleições legislativas e depois e permitir que o vencedor redigisse a nova constituição.
Da noite para o dia, as forças seculares do Egito rejeitaram o processo político do país, criando um clima disseminado de incerteza, no qual nem os islâmicos podem estar confiantes de seu futuro. Os modernistas seculares, os cristãos coptas e outros começaram a acreditar que os protestos, e não o diálogo, eram a única forma de exercer pressão sobre o exército.
Dias antes de começarem as eleições legislativas, no dia 28 de novembro, os modernistas começaram uma onda nacional de protestos, à qual o exército novamente respondeu com mão pesada. Ainda assim, as eleições prosseguiram, e os islâmicos pareciam estar vencendo.
Novamente, a votação foi relativamente livre, mas longe de justa. Os islâmicos não fraudaram as eleições, mas eram os únicos preparados para elas. O Conselho Supremo não tomou medidas sérias para controlar o financiamento das campanhas ou o uso de lemas religiosos, que são proibidos por lei. Forças seculares tiveram pouco tempo para se organizarem e seu patrocínio não se comparava ao dos islâmicos.
Até agora, o Partido de Liberdade e Justiça, da Irmandade Muçulmana, venceu cerca de 40% dos votos, concorrendo com uma plataforma bastante liberal que aceita um Estado democrático civil e igualdade entre cidadãos, independentemente de sexo e religião. Como muitos partidos liberais, a irmandade favorece uma economia de mercado livre, preservando alguns elementos do Estado de bem-estar social existente. Contudo, o partido salafista Al Nour, que propõe uma visão religiosa fundamentalista, conseguiu garantir aproximadamente 25% dos votos por meio da politicagem à moda antiga e distribuindo alimentos em aldeias e áreas mais pobres.
Apesar da injustiça das eleições, os islamistas ganharam legitimidade política. Ainda assim, a violência atual os preocupa sobre o que poderão herdar se chegarem ao poder.
Dez meses após a revolução, os egípcios estão mergulhados em frustração. O Conselho Supremo é cada vez menos popular e todos – tanto os que venceram e os que perderam as eleições – temem o futuro.
A redação da nova Constituição vai dar ao exército outra oportunidade de fazer o bem, assegurar que as minorias sejam ouvidas e que a maioria não se torne tirânica. Se as elites militares forem sábias, vão apitar o processo político do Egito, em vez de dominar o jogo todo.
*Khairi Abazais é professor da Fundação para Defesa de Democracias em Washington e ex-membro do partido liberal do Egito Wafd
Tradução: Deborah Weinberg

Nenhum comentário: