Islamistas querem turismo sem pecados no Egito
Turistas estrangeiros trazem uma espécie de dilema ideológico para políticos muçulmanos
O Globo
CAIRO - Os islamistas estão dominando as eleições egípcias e alguns deles tem uma mensagem para os turistas: sejam bem-vindos, mas não bebam álcool, não usem biquínis nem misturem homens e mulheres nas praias, por favor. Essa meta de tornar o Egito um destino de férias sem pecados pode significar a ruína de um dos principais pilares da economia que já tinha sido muito atingido pela agitação política deste ano.
- Turistas não precisam de bebidas alcoólicas quando vêm ao Egito, eles têm muito disso em suas casas - decretou Azza al-Jarf, uma candidata da Irmandade Muçulmana, durante um comício apelidado de “Vamos encorajar o turismo”, neste domingo, em Giza, perto das famosas pirâmides.
A multidão gritava “o turismo será melhor com o Liberdade e Justiça”, braço político da Irmandade.
- Eles vêm para ver uma civilização antiga, não para beber - disse Azza.
Desde o seu sucesso na primeira rodada das eleições parlamentares no fim de novembro, a Irmandade Muçulmana e os ainda mais fundamentalistas salafistas do Al-Nour estão sob pressão da mídia e do público para definir suas posições sobre várias questões, especialmente aquelas ligadas às leis islâmicas, liberdades pessoais, direitos de mulheres e minorias, à enfraquecida economia e ao turismo. O Al-Nour diz que vai procurar impor a lei islâmica no Egito.
A Irmandade Muçulmana afirma publicamente que não vai forçar sua visão sobre um modo de vida islâmico apropriado aos egípcios. Críticos dizem que os comentários dos dois partidos tentando tranquilizar os cidadãos de que eles não vão provocar danos ao turismo estão tendo o efeito inverso.
Partidos ficam entre o bem-estar da economia e ideais religiosos
O ano marcado pelas revoltas populares no Egito teve consequências na economia e balançou a confiança dos investidores. No domingo, o novo primeiro-ministro interino, Kamal el-Ganzouri, chegou a chorar na frente de jornalistas enquanto falava da situação econômica do país, dizendo que ela está “pior do que qualquer um imagina”.
Retomar o turismo é uma das chaves para reanimar a economia egípcia. Mas o turismo traz uma espécie de dilema ideológico para a Irmandade Muçulmana e o Al-Nour. Os dois partidos alcançaram o primeiro e o segundo maior número de votos, respectivamente, na primeira rodada das eleições que continuam em janeiro. Juntos, eles têm a grande maioria dos votos.
Os salafistas, que seguem a escola do wahhabismo, deixam claro que se opõem ao álcool e a roupas de banho de tamanho diminuto. E eles ainda estão decidindo sobre casais que não contraíram matrimônio, mas dividem quartos de hotel e a exibição de antigas estátuas egípcias, como de deusas da fertilidade, que eles acreditam ir contra as crenças islâmicas conservadoras. Em um recente encontro de salafistas em Alexandria, partidários cobriram estátuas de sereias em uma fonte.
A Irmandade Muçulmana tem sido mais contraditória, talvez refletindo a influência de alguns membros do partido que podem deixar o turismo em paz - pelo bem da economia do país. No evento em Giza, outro candidato, Ahmed el-Khouli, prometeu que a Irmandade vai trazer muito mais turistas e criticou os partidos rivais que, segundo ele, “promovem a nudez e a prostituição no Egito” para atrair os dólares dos turistas.
Líderes dos dois partidos fizeram visitas a monumentos históricos nos últimos dias, em uma tentativa de mostrar que estão apoiando o turismo. Depois, divulgaram fotos suas sorrindo e apertando a mão de visitantes. Um porta-voz do Al-Nour afirmou na cidade de Aswan que não vai “fechar templos e ordenar que os turistas se cubram ou colocar restrições à sua liberdade”.
O líder da Irmandade, Saad el-Katatni, também parece lavar as mãos:
- Turismo não é só comida, bebida e roupas... Nós não temos nada a ver com as praias - disse ao jornal Al-Ahram. Porém, em agosto, ele disse a funcionários do setor de turismo que o “Egito é um país devoto e o turismo nas praias e os biquínis não deveriam ser feitos em praias públicas”.
Turismo é vital em algumas cidades do país
O turismo representa cerca de 10% do PIB do Egito, emprega pelo menos três milhões de egípcios e é um dos três principais pilares da economia do país, junto com o Canal de Suez e com remessas de valores. Lugares como as áreas em torno do Mar Vermelho e a cidade de Luxor dependem quase inteiramente do turismo.
Esse ano, o número de turistas diminuiu mais de 35% no segundo quadrimestre, de acordo com números oficiais. Mesmo assim, os habitantes dessas áreas votaram largamente nos islamistas, levando os oponentes a dizer que isso foi um resultado do incentivo de um “sentimento de culpa” por ações como servir álcool aos turistas.
Alguns salafistas têm consciência de que sua conduta pode significar perdas para a indústria e propõem formas de recompensa, como a promoção do turismo médico, turismo religioso e turismo educacional. Declarações desse tipo provocam protestos de guias de turismo e do ministro da pasta. Eles afirmam que cada nova declaração se traduz em cancelamentos de reservas. Para o ministro do Turismo, Moneir Fakhri Abdel-Nour, o impacto dos pronunciamentos religiosos no turismo é tão grave quanto o impacto dos problemas de segurança do país.
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