domingo, 30 de junho de 2013

Além do branco e preto, novas forças transformam o sul dos EUA
Jonathan Martin - NYT
O sul dos Estados Unidos era, literalmente, um mundo em branco e preto em 1965, quando o Congresso aprovou a Lei do Direito ao Voto, derrubando as barreiras que afastavam os negros das urnas.
E a decisão do Supremo Tribunal nesta terça-feira, que derrubou uma parte essencial da lei, certamente desencadeará uma série de conflitos sobre as regras eleitorais entre os republicanos brancos que controlam os legislativos estaduais do Sul e os grupos de direitos civis que procuram aumentar a influência dos eleitores negros.
Mas aqueles que estudaram a região de perto dizem que uma força mais incontrolável está se aproximando, que vai alterar a estrutura de poder em todo o Sul e derrubar a compreensão da política por lá: a mudança demográfica.
Os Estados com maior crescimento da população latina ao longo da última década estão na região Sul, que também está absorvendo um fluxo de pessoas de todas as raças vindas de outras partes do país.
Enquanto a maioria dos especialistas esperam batalhas em torno das restrições de voto, nos próximos anos, eles dizem por fim que esses esforços não serão capazes de deter a onda de mudança que produzirá um Sul multiétnico.
"Todas as medidas de supressão de eleitores do mundo não serão suficientes para eventualmente conter esta onda", disse o deputado David E. Price, democrata veterano da Carolina do Norte e cientista político por formação.
Como a região continua mudando, os republicanos que controlam os legislativos no Sul terão de se confrontar com uma questão básica: como manter o poder político quando os dados demográficos não estão mais do seu lado.
A tentação a curto prazo, agora que o Supremo Tribunal Federal relaxou significativamente a fiscalização federal, pode ser a de aprovar leis e dividir os distritos para proteger o poder político republicano e limitar a influência da nova população mais diversa.
Mas isso poderia ser devastador para as perspectivas de longo prazo do partido, especialmente se for visto como discriminação contra os grupos que irão compor uma parcela cada vez maior do futuro eleitorado.
A lei que garante igualdade política para os negros foi aprovada há quase meio século, logo após as imagens chocantes de violência em Selma, Alabama. A cobertura televisiva nacional sacudiu a consciência dos EUA e marcou a fala do presidente Lyndon B. Johnson num discurso ao Congresso, quando ele afirmou que "a história e o destino se encontram num momento e num lugar únicos para criar um ponto de virada na incessante busca do homem pela liberdade."
A lei mais tarde impôs uma supervisão federal em nove Estados e outras jurisdições --entre eles Alabama, Arizona, Geórgia, Louisiana, Mississippi, Carolina do Sul, Texas e Virgínia--, obrigando-os a buscar aprovação federal prévia de requisitos para as leis eleitorais, como medidas de identificação dos eleitores, revisão dos mapas de distritos e regras relacionadas à mecânica das eleições, como as horas de votação.
Na terça-feira, o Supremo Tribunal essencialmente derrubou os requisitos pré-aprovados, que impediam que Estados e municípios aprovassem leis que eles sabiam que encontrariam resistência por parte de defensores dos direitos civis e resultariam em batalhas prolongadas.
O Alabama, por exemplo, aprovou uma lei em 2011 exigindo que os eleitores mostrem um documento com foto nas urnas. O Estado adiou a apresentação da lei ao Departamento de Justiça, um atraso que alguns democratas atribuem ao fato de os republicanos do Estado estarem esperando a decisão do Supremo Tribunal.
Mas o impacto mais significativo da decisão poderá ser visto na próxima década, quando estados do Sul, liberados das exigências de pré-aprovação federal, empreenderem uma reformulação dos assentos parlamentares e legislativos em meio à uma política racial muito mais complexa do que na época de Jim Crow.
À medida que a parte branca da população encolhe, os líderes republicanos vão ter de lidar com o mesmo problema que seus colegas democratas enfrentaram quando os brancos deixaram seu partido nos anos 80 e 90.
"O Sul vai começar a se parecer mais como a Califórnia no futuro", disse Arturo Vargas, diretor-executivo da Associação Nacional dos Funcionários Latinos Eleitos e Nomeados.
Durante anos, os legisladores negros e brancos do Sul concordaram com fronteiras distritais que, graças a um agrupamento racial, asseguravam vagas tanto para democratas negros quanto para republicanos brancos. O Departamento de Justiça do governo Obama aprovou quase todos os mapas de reformulação de distritos do Sul, definidos por republicanos, após o censo de 2010.
A única exceção, o Texas, oferece uma visão de como poderá ser o futuro num Sul multirracial. Com quase 90% por cento do seu crescimento devido a uma mistura de novos eleitores hispânicos, asiáticos e negros, os legisladores republicanos no Texas desenharam novos distritos em 2011 que foram rejeitados por um tribunal federal por serem considerados discriminatórios, por não reconhecerem de forma satisfatória o poder político da nova população.
Assim como o Texas é agora, a Geórgia, graças à poliglota Atlanta, eventualmente se tornará um Estado em que será difícil para os republicanos redesenharem o mapa de distritos para proteger sua maioria perpetuamente sem atrair contestações legais.
A população hispânica da Geórgia quase dobrou entre 2000 e 2010, segundo dados do censo federal. No condado de Gwinnett, nos subúrbios de Atlanta, a localidade mais fortemente latino-americano do Estado, a população latina cresceu de 64.137 para 162.035.
"A parcela crescente de não-brancos no eleitorado na Geórgia e em outros Estados do Sul representa uma ameaça para a continuação do domínio do atual partido majoritário, o que significa que é do interesse político deste partido majoritário fazer o que for possível, seja controlando o remapeamento de distritos ou promulgando leis restritivas para identificação do eleitor, para limitar o impacto destas tendências", disse Alan I. Abramowitz, cientista político da Universidade Emory.
A deputada estadual Stacey Abrams da Geórgia, líder democrata, disse que esses esforços provocarão uma reação contrária.
"Eles ficarão tentados a tentar tirar proveito disso, mas correm o risco de alienar permanentemente uma população que eventualmente vai se vingar disso", disse Abrams. "Dada a rapidez com que nossas populações asiáticas e latinas estão crescendo, e a parcela do eleitorado que elas vão representar, restringir seu poder de voto seria uma receita para o desastre."
Contrapartida republicano de Abrams, o presidente da Câmara, David Ralston, disse que a decisão do Voting Rights Act foi uma afirmação de que sua região natal "mudou, amadureceu", e que o seu partido iria demonstrar isso apelando para o novo rosto da Geórgia.
"Se quisermos governar com responsabilidade e liderar", disse Ralston, "então temos de reconhecer que a Geórgia é um Estado grande, um Estado diverso e um Estado que está mudando."
Tradutor: Eloise De Vylder

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