domingo, 30 de junho de 2013

Ataques de drones no Iêmen insuflam revolta contra EUA
Aviões não tripulados fazem dezenas de vítimas civis no país; entrevistados negam terrorismo e descrevem pavor
Casa Branca vê ataques como necessários para combater a Al Qaeda; analistas veem risco de radicalizar população
DIOGO BERCITO - FSP
Ahmad Muhammad Hassan entrega um punhado de fotografias à reportagem. Nas imagens, um veículo destruído, corpos destroçados e a terra coberta de sangue. "Este é o presente dos Estados Unidos para o Iêmen", diz.
Em janeiro, quatro pessoas de sua vila, a 40 km de Sanaa, capital do Iêmen, foram mortas por drones, os aviões não tripulados usados pelos EUA em ações contra terroristas.
São algumas das vítimas recentes da política americana que tem travado, neste país árabe montanhoso e empobrecido, uma versão à distância da guerra ao terror.
Os drones se tornaram, para os iemenitas, símbolo de intervenção externa com dano colateral intolerável. Entrevistados narraram dias de pavor, aterrorizados pelo zumbido --"como o de um gerador"-- e pelos sobrevoos.
Hoje, moradores de vilarejos sabem que, quando esses aviões rondam suas casas, o que pode vir depois são disparos de mísseis letais.
Além de centenas de membros de grupos terroristas mortos pelos drones, há dezenas de civis desvinculados do extremismo --como, afirma Hassan, seus vizinhos.
"Temos costumes na nossa tribo. Se alguém rouba, cortamos a mão. Se uma pessoa mata alguém da vila, deve ser morta. O que você acha que vamos fazer depois de ser atacados por aviões? Não vamos nos esquecer dos EUA."
A história de Hassan é recorrente na sede da organização Hud, que desde 1998 reúne queixas de violações a direitos humanos nesse país.
"As pessoas estão raivosas", diz o porta-voz Musa al-Namrani. "Elas acreditam que foram atingidas sem razão, e o sentimento antiamericano cresce na sociedade."
O governo dos EUA insiste no programa como antídoto à Al Qaeda, cuja franquia mais violenta hoje é baseada no Iêmen. Mas, para pessoas próximas às vítimas, os bombardeios têm efeito oposto e podem radicalizar a população.
"As crianças são nosso maior problema", diz Ahmad Ali al-Qadi, de um vilarejo a 140 km da capital. Seu primo foi morto em ataque há um ano, deixando mulher grávida e filho pequeno. "O que podemos contar a elas quando aviões matam a família?"
Como várias pessoas ligadas às vítimas, Qadi nega a presença da Al Qaeda no vilarejo. "Impossível. Se um membro da família expressasse simpatia ao terrorismo, o próprio irmão o mataria."
Para Faraa al-Muslimi, líder da organização Resonate, as ações militares resultam da falta de entendimento americano da situação no Iêmen.
"De Washington, a tecnologia de drones parece fascinante. Se você observar o que ocorre no solo, verá que é um dos maiores pecados para a própria segurança dos EUA."
Em abril, Muslimi disse ao Senado americano que "as pessoas estão aterrorizadas e repensando a concepção que têm a respeito da Al Qaeda".
"Vi a Al Qaeda pagar compensação a vítimas, reconstruir casas e recrutar membros com base na ação de drones", diz. Já as famílias das vítimas reclamam da ausência do Estado, mesmo para ajudar a recolher os corpos.
DESINFORMAÇÃO
A ineficiência do governo iemenita está também na ausência de dados precisos sobre as vítimas. ONGs coletam relatos de mortes e, às vezes, enviam relatórios à ONU. Mas é difícil precisar quais dos mortos eram alvos e quais foram atingidos por acidente.
Em contato com famílias de vítimas, essas ONGs têm tentado trazer a questão dos drones para a esfera pública. Em Sanaa, ainda pouco afetada por ataques, alguns moradores apoiam a prática.
"Dizem que o país sofre com a Al Qaeda e que é necessário pará-los", afirma Baraa Shaban, da entidade britânica Reprieve. "Nós temos de advogar para que essa não seja só a causa de ativistas."
"Pensávamos que os drones afetassem especificamente as famílias. Hoje, nós vemos que toda a comunidade vive sob medo, sem saber quando e onde vão atacar."


Obama decidiu redefinir política só após mortes de americanos
PETER BAKERDO - NEW YORK TIMES
Barack Obama se converteu de candidato que criticava o que via como excessos de George W. Bush em presidente que ampliou o programa de drones do antecessor.
O assassinato de Anwar al-Awlaki --americano ligado a ataques terroristas--, que Obama autorizou em 2011, deixou muito clara a disparidade entre como via sua Presidência e aquilo que ela veio a se tornar.
O ataque matou outro americano, Samir Khan, não intencionalmente; mais tarde, o filho de 16 anos de Awlaki, igualmente americano, também foi morto por acidente.
O furor com as mortes de americanos convenceu Obama a definir critérios mais claros para os drones. A mudança na política de contraterrorismo que ele anunciou em maio levou quase dois anos para ser formulada.
Em vez de ter uso autorizado contra "ameaça significativa a interesses americanos", os ataques com drones só seriam lançados ante "ameaça contínua e iminente a pessoas dos EUA" e com "quase certeza" de evitar baixas civis.
No discurso que redefiniu os critérios, Obama falou sobre transparência sem citar a palavra "CIA" nem o fato de um drone ter matado por engano um adolescente americano. E prometeu novamente fechar Guantánamo, mas deu poucas razões que façam supor que ele terá êxito.

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