Reinaldo Azevedo - VEJA
Sei que a questão mexe com o fígado de muitos dos nossos ditos “progressistas”, que suportam, claro!, a diferença desde que os diferentes se calem e não digam o que pensam. Neste sábado, em São Paulo, a Marcha para Jesus, organizada por igrejas evangélicas, reuniu, segundo os organizadores, 2 milhões de pessoas. Digamos que estejam exagerando. A Polícia Militar fala em 800 mil. É gente que não acaba mais. O tratamento dado por nossa imprensa, quando se ocupa do assunto, é discreto — e, se possível, sempre por um viés que tenta caracterizar aquela massa como expressão do atraso. Atenção! Até as 18h — depois disso, não sei, mas é provável que tenha se mantido —, não havia sido registrada uma só ocorrência policial. Nada! “Esse Reinaldo é um reaça! Elogia povo pacífico na rua!” É isto mesmo! ELOGIO OS QUE DE FATO SÃO PACÍFICOS, NÃO AQUELES QUE INSTRUMENTALIZAM A VIOLÊNCIA DOS LOBOS PARA POSAR DE CORDEIROS.
Atenção! Dilma não estava presente, mas foi sonoramente vaiada. Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência, que janeiro de 20112 que o PT tinha de disputar influência com os evangélicos, compareceu ao evento e resolveu discursar. Ao citar o nome de Dilma, ouviu-se uma vaia de fazer inveja àquela que o Maracanã estava reservando para a soberana. Carvalho mudou de assunto e passou a falar de temas mais pios, religiosos. Aí, até foi aplaudido. Entre os presentes, havia faixas como “Procura-se Lula”. Outra anunciava, informa o Globo Online: “Manifestação pacífica tem limite. Fora baderna e vandalismo”. A imprensa teve de noticiar, claro! Mas uma marcha da maconha com 200 gatos-pingados teria recebido, como já recebeu, mais destaque. É fato, não conjectura.
É evidente que aquela massa que estava na rua — maior do que em qualquer manifestação de protesto desses dias — tem convicções morais e políticas mais conservadoras do que a agenda influente da imprensa. Mas deve, por isso, ser ignorada ou, então, tratada com menoscabo? Por quê? Em que país do mundo democrático o conservadorismo é tomado como sinônimo de anomalia, como uma posição ilegítima, um crime de lesa democracia? Não faz tempo, em plena quarta-feira, evangélicos juntaram outros milhares em Brasília num protesto contra o controle da mídia e em favor da liberdade de opinião, da liberdade de expressão, da família tradicional e do direito à vida. Também naquele caso, houve certo esforço para esconder o evento. É assim que se pratica a democracia nos EUA, na França, na Alemanha, na Itália, na Suíça, na Suécia, no Japão? Não! Assim se pratica democracia, deixem-me ver, em Cuba, na Venezuela, na China…
FelicianoO noticiário que se ocupou da marcha, mais uma vez, resolveu dar grande destaque ao deputado Marco Feliciano (PSC-SP), que esteve presente, subiu numa espécie de trio elétrico, mas não discursou. Vestia uma camiseta com a inscrição: “Eu represento vocês” — alusão, é evidente, àquela tolice do “não me representa” que tomou corpo entre os que o combatem. Ora, é claro que ele não representa quem quer derrubá-lo. Entre as faixas, uma era esta:
E é mesmo verdade, só que incompleta. A invenção é dos ativistas gays, mas em parceria com a imprensa. Já expliquei aqui por quê. E pouco me importa o quanto se vitupere por aí, não vou condescender com uma mentira. Não existe projeto nenhum de cura gay. O que existe é uma Projeto de Decreto Legislativo que derruba o parágrafo único do Artigo 3º e o Parágrafo 4º de uma resolução do Conselho Federal de Psicologia. Eis a íntegra dos dois parágrafos. Volto depois.
“Art. 3° – os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.”
Parágrafo único – Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.
Art. 4° – Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.
“Art. 3° – os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.”
Parágrafo único – Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.
Art. 4° – Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.
VolteiComo se nota, ninguém toca no caput do Artigo 3º. É o que interessa. O Parágrafo Único e o Artigo 4º são dois requintes do abuso e interferem de modo absurdo no trabalho dos profissionais e nas escolhas dos pacientes. Não existe esse grau de interferência de um conselho profissional em nenhum lugar do mundo. Afirmar que existe um “projeto de cura gay” faz supor que alguém apresentou uma proposta com esse fim na Câmara. É mentira!
Antes que prossiga: os leitores — católicos, evangélicos, agnósticos, ateus etc — conhecem a minha opinião: não acredito em “cura gay” porque não acho que seja doença. Nessa área, as pessoas são o que são em toda a sua complexidade. E ponto! Mas também não acredito no autoritarismo e na mentira.
Qual é o mal fundamental do parágrafo único e do Artigo 4º? A chance que se abre para a perseguição a profissionais que não rezem segundo a cartilha do conselho — sela ela qual for. Ora, passará a ser considerada tentativa de cura aquilo que alguém achar que é. Onde estão as notas técnicas, os critérios?
Vergonha
É uma vergonha que a própria imprensa designe esse projeto de “cura gay”, sem atentar para o seu próprio trabalho. Imaginem uma resolução que trouxesse a seguinte restrição: “Jornalistas ficam proibidos de escrever coisas que atentem contra a democracia e o estado de direito”. É evidente que eu também acho que jornalistas não devem fazer essas coisas. Mas quem julga? Quem se oferece para ser o tribunal? Lembro que, quando alguns pterodáctilos do lulo-petismo queriam criar ao Conselho Federal de Jornalismo, era mais ou menos isso o que se pretendia fazer. Deu para entender agora? Ainda não? Então tento mais um exemplo.
É uma vergonha que a própria imprensa designe esse projeto de “cura gay”, sem atentar para o seu próprio trabalho. Imaginem uma resolução que trouxesse a seguinte restrição: “Jornalistas ficam proibidos de escrever coisas que atentem contra a democracia e o estado de direito”. É evidente que eu também acho que jornalistas não devem fazer essas coisas. Mas quem julga? Quem se oferece para ser o tribunal? Lembro que, quando alguns pterodáctilos do lulo-petismo queriam criar ao Conselho Federal de Jornalismo, era mais ou menos isso o que se pretendia fazer. Deu para entender agora? Ainda não? Então tento mais um exemplo.
Médicos existem para curar pessoas e, entendo eu, para salvar vidas, certo? E que tal uma resolução genérica assim: “Médicos jamais adotarão procedimentos que ponham em risco a vida do paciente”. Seria a porta aberta para toda sorte de perseguição odienta. Todas as ditaduras comunistas tinham — e têm, as que restam — uma lei que pune os que “atentam contra a revolução”. Mas o que é “atentar contra a revolução”??? Em Cuba ou na China, por exemplo, basta que se defenda a democracia.
O caput do Artigo 3º, que é preservado, basta para que se não se trate a homossexualidade como patologia. O que não é aceitável — e é isso que fazem os trechos que o PLD quer derrubar — é que profissionais fiquem sujeitos a uma espécie de tribunal de consciências. Os jornalistas não quereriam isso para si mesmos; os médicos também não. Profissional de nenhuma área gostaria de se submeter ao arbítrio.
A partir de 2014, teremos uma história oficial no Brasil: a contada pela “Comissão da Verdade”, que tem tudo para ser um amontoado de mentiras. Imaginem um conselho que adotasse a seguinte resolução: “Historiadores não mais escreverão livros e textos benevolentes com a ditadura militar”. Seria aceitável?
Dia desses, em seu programa, Jô Soares falou de modo um tanto indignado, meio furioso, sobre o tal projeto da “cura gay”. Parece-me que também ele não sabia direito do que se tratava. Que tal uma resolução assim do um suposto Conselho Federal de Humoristas?
“Os humoristas não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação a homossexuais, negros, mulheres, religiões, portadores de deficiências, gordos, magros, míopes, estrangeiros…”
“Os humoristas não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação a homossexuais, negros, mulheres, religiões, portadores de deficiências, gordos, magros, míopes, estrangeiros…”
Quem distinguiria uma simples piada do “reforço um preconceito”? No caso dos psicólogos, quem vai arbitrar a diferença entre uma mera opinião divergente e uma transgressão de conduta profissional?
“Isso não tem importância! Porque dar espaço a isso?” Tem, sim! Um lobby, por mais bem-intencionado que seja, não tem o direito de dizer que existe aquilo que não existe — e não existe um “projeto da cura gay”. E a imprensa, por mais amiga de causas que seja, também não tem o direito de sustentar que é aquilo que não é.
Se essas farsas prosperam sem resistência, outras prosperarão. As pessoas têm todo o direito de ter uma opinião e de se opor ao PLD. Mas que se oponham, então, ao que existe, não ao que não existe.
Para encerrarOs evangélicos faziam marcha na Avenida Paulista. Dado o número de pessoas, foram convidados a realizá-la em outro lugar. Aceitaram. Neste sábado, a caminhada saiu da Praça da Luz e foi até a Praça Heróis da Força Expedicionária Brasileira, na Zona Norte de São Paulo. O itinerário foi previamente fornecido à Prefeitura e à Secretaria de Segurança Pública. As forças da lei puderam, portanto, se organizar para que o evento provocasse o menor transtorno possível.
O nome disso? Respeito à ordem democrática e ao estado de direito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário