Saúde e educação decerto necessitam de mais recursos, mas verbas adicionais serão desperdício se poder público não melhorar a gestão
FSP
Os movimentos de rua que eclodiram nas últimas semanas aparentam ter destravado o impulso para que algo de mais profundo comece a mudar no país. Se ele conduzirá a algum lugar, e quando, ainda é difícil prever.É particularmente animador que a melhoria da educação e da saúde públicas tenha encontrado espaço entre as bandeiras. Ao lado de segurança e transporte, elas fecham o quadrilátero de agruras sociais do Brasil, porém na condição de fatores com maior potencial para alavancar a massa crítica de que o país precisa para se desenvolver.
A prioridade para a educação é um consenso. Mas a sociedade brasileira ainda tateia na busca de meios para traduzir as melhores intenções em resultados palpáveis.
A métrica criada em 2007 pelo governo federal, o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), indica que as metas bienais traçadas vêm sendo cumpridas. Só que elas são tímidas demais.
Para escapar desse avanço apenas incremental --e insuficiente--, ganha cada vez mais apoio a proposta de destinar ao setor parcelas crescentes do PIB, até alcançar 10% em 2020. Hoje se investe algo entre 5% e 6% (a depender de como se faz a conta), nível similar ao de países desenvolvidos.
Para ter uma ideia, com o PIB de 2013 estimado em R$ 4,9 trilhões, é como se o gasto anual com educação saltasse de menos de R$ 300 bilhões anuais para R$ 490 bilhões.
O candidato indicado para tentar cobrir esse acréscimo bilionário é o ainda intangível petróleo do pré-sal. A Câmara já aprovou projeto que destina para a educação 75% das receitas com royalties dos novos campos --o governo preferiria repassar 100% desses recursos para o setor. Em qualquer dos casos, o valor é insuficiente.
Mesmo nas contas hiperbólicas do deputado federal André Figueiredo (PDT-CE), relator da proposta, o pré-sal carrearia em dez anos recursos acumulados de R$ 295 bilhões para educação e saúde (esta destinatária dos outros 25%). Ou seja, menos de R$ 25 bilhões a mais para o ensino, na média anual. Nem de longe o necessário para atingir os 10% do PIB.
Especialistas em petróleo afirmam que uma estimativa mais realista seria de R$ 180 bilhões acumulados ao longo da década, chegando ao ápice de renda anual (R$ 60 bilhões) apenas em 2022.
Em todo caso, seria mais prudente aumentar o dispêndio com educação de forma escalonada, sem fixar um número mágico como meta inarredável. Aliás, exatamente em qual projeto educacional se despejariam tantos bilhões? Como de hábito, o poder público se preocupa mais com o aumento de verbas do que com mecanismos para tornar seu uso mais eficiente.
A educação não vai melhorar sem bons professores. Mas, hoje, os docentes já são formados e recrutados num sistema deficiente. Pior, os baixos salários e o desprestígio da carreira não atraem as melhores cabeças para o magistério.
Não há como escapar de uma paulatina valorização salarial, desde que atrelada a compromissos dos professores com metas de qualidade e assiduidade.
Diretores de escola e supervisores de ensino também precisam passar pelo mesmo processo de incentivo (que deveria generalizar o bônus por desempenho), reciclagem e cobrança, pois são muitas as deficiências de gestão que transformam várias escolas em antros.
A situação da saúde não destoa muito: seria uma irresponsabilidade multiplicar de afogadilho as verbas para uma estrutura confusa e desarticulada como é hoje o SUS (Sistema Único de Saúde).
A proposta em debate no Congresso se limita a vincular, no papel, outra cifra de 10% --neste caso, sobre as receitas da União (e não sobre o PIB). A parcela atual (R$ 79 bilhões) não chega a 7%. Como a previsão de receitas para este ano é de R$ 1,2 trilhão, os 10% demandariam acrescentar R$ 41 bilhões ao dispêndio.
Os 25% dos royalties do pré-sal tampouco serão suficientes para a saúde. Ficará, para o poder público, o risco de ceder à tentação de criar ou aumentar tributos. Seria um resultado ruim para a justa mobilização por mais verbas.
Assim como na educação, não é possível avançar de forma consistente na saúde sem um programa de reforma gerencial. Organizações sociais, desde que devidamente fiscalizadas, decerto têm muito a contribuir nesse sentido. Além disso, metas claras e monitoráveis de melhora no atendimento, por exemplo, deveriam ser fixadas.
Nenhum processo de mudança do Brasil pode deixar saúde e educação em segundo plano. Pouco adiantará torná-las prioridades, no entanto, se o poder público não abandonar a leviandade com que trata os recursos do contribuinte.
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