Cariocas também têm de zelar pela cidade
Pichações em prédios históricos da Praça
Quinze e invasões de torcedores durante partida entre Flamengo e
Cruzeiro no Maracanã demonstram desprezo pelo Rio
O Globo
Pelo menos dois episódios recentes serviram para colocar em xeque a
decantada boa vontade do carioca com sua cidade. Há duas semanas, uma
festa na Praça Quinze autorizada pela prefeitura terminou com montes de
lixo espalhados pelas ruas e pichações em monumentos históricos como o
Paço Imperial, construção do século XVIII tombada pelo Iphan, e o
Palácio Tiradentes, sede da Assembleia Legislativa.
O sítio histórico foi palco do Baile do Ademar, evento organizado
pelo skatista Ademar Luquinhas que atraiu milhares de pessoas ao local.
Depois dos atos de vandalismo, o Iphan se queixou de que não fora
consultado sobre a realização da festa. Já a prefeitura alegou que o
encontro ocorreu em área pública, e não dentro de um bem tombado, não
necessitando de autorização do instituto. Mas, independentemente de quem
tenha razão, o estrago estava feito. As pichações, que se estenderam a
árvores e bancas de jornais, atingiram a cantaria do Paço, tornando mais
complexo e oneroso o trabalho de restauração.
É bem verdade que, após a repercussão do caso, Ademar pediu desculpas
aos cariocas e liderou, no domingo seguinte, um abraço simbólico ao
Paço. O casarão — palco de fatos históricos como o Dia do Fico, a
Abolição da Escravidão e a Proclamação da Independência — funciona hoje
com um centro multicultural.
Outro
fato que deixou a cidade mal na fita aconteceu no feriado de 7 de
setembro, durante a primeira partida entre Flamengo e Cruzeiro pela
final da Copa do Brasil, no Maracanã. Torcedores promoveram invasões
coordenadas em praticamente todos os setores do estádio, deixando
atônitos os mais de mil homens encarregados da segurança da partida —
455 PMs e 622 stewards. Para tentar controlar o tumulto, a polícia usou
bombas de gás lacrimogêneo, gás de pimenta e balas de borracha.
Não se pode dizer que foram episódios isolados. Basta lembrar que, no
mesmo dia em que o Cais do Valongo foi declarado Patrimônio da
Humanidade pela Unesco, em julho, reportagem do GLOBO mostrou que o
sítio exibia sacolas plásticas e garrafas PET em meio às pedras
históricas, redescobertas durante as obras do Porto graças a um
minucioso trabalho de arqueologia. Acrescente-se a isso o fato de áreas
restritas do monumento serem invadidas para selfies e manobras de skate.
Levantamento da prefeitura mostrou que, de janeiro a dezembro de
2015, 102 monumentos públicos da cidade foram alvo de vândalos,
demandando gastos de R$ 4 milhões em conservação.
O Rio vive hoje a mais aguda crise financeira de sua história.
Espera-se que a recente homologação do acordo de recuperação fiscal com a
União possa trazer dias melhores para a população fluminense. Mas a
sociedade precisará fazer a sua parte nessa retomada. E isso inclui
zelar pelo patrimônio público. Afinal, viver numa cidade melhor deve ser
um objetivo comum.
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