Irresponsabilidade
Janot revela desconfiança em relação à nova procuradora, como se ela e equipe fossem incapazes de apresentar uma denúncia
Denis Lerrer Ronsenfield - O Globo
O
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no seu estertor, decide
criar um clima de instabilidade no país, sabendo, de antemão, que as
chances de sua denúncia prosperar na Câmara dos Deputados são próximas a
zero. Sabe-se de antemão derrotado, porém procura produzir o máximo de
prejuízos antes de partir. A sua irresponsabilidade é tanto mais grave
por expor um comportamento errático, que termina prejudicando a sua
própria instituição e, em particular, a operação Lava-Jato.
Sua
peça de acusação ao presidente Temer mais parece uma obsessão. Dá a
impressão de ser movido por razões psicológicas, com viés
político-ideológico, na medida em que esse melhor encaixa-se ao
politicamente correto vigente em setores da mídia e da opinião pública.
Sua peça tem muito mais um perfil de suposta ciência ou história
política do que jurídica. Produziu uma narrativa para convencer.
Trabalha com suposições, ouvir dizer, delações de mentirosos contumazes,
criminosos que lideram organizações empresariais e ilações dos mais
diferentes tipos, sem apresentar as provas materiais correspondentes.
Aliás,
em termos de “ilações”, caberia a pergunta de por que teria ele
aplicado ao presidente da República a teoria do “domínio de fato”,
quando não mostrou precisamente nenhuma prova material direta ou
indireta contra ele. Onde estão as contas no exterior? Onde estão os
e-mails comprometedores e assim por diante. A pergunta é tanto mais
pertinente, porque seria muito mais bem aplicada a ele mesmo. Não sabia
das atividades duplas de seu ex-braço direito Marcelo Miller? Sentiu-se
“ludibriado”? Ora, ora! A resposta é pueril. Foi igualmente noticiado
que outros dois procuradores estariam envolvidos nesta manobra. Não
seria pelo menos razoável concluir estas investigações antes de
apresentar um nova denúncia contra o presidente da República? Ou talvez,
muito mais correto, teria sido transferir estas investigações à Polícia
Federal, evitando o espírito corporativo do próprio Ministério Público
Federal?
A delação dos irmãos Batista e de seu diretor de
Relações Institucionais já tinha provocado um grau de insatisfação muito
grande junto à opinião pública. De fato, como pode uma empresa, que
agia de forma criminosa, ser agraciada com a imunidade penal e com um
acordo de leniência em relação às suas empresas depois de todo o
prejuízo causado à nação? Ora, a revelação de um áudio entre Joesley
Batista e Ricardo Saud mostra que um flagrante (ação controlada) teria
sido montado contra o presidente da República sem autorização da
Justiça, no caso o Supremo. A prova, neste sentido, seria passível de
anulação.
Do ponto de vista moral, o procurador-geral deveria ter
se demitido de suas funções ou se declarado incapaz de seguir com esta
denúncia, deixando-a para sua sucessora. Ele e sua equipe estão em um
verdadeiro frenesi de denúncias, atingindo os mais diferentes partidos
políticos, ministros e parlamentares. Em poucas semanas, estão tentando
fazer o que foram incapazes em anos. Cautelosamente, deveriam aguardar
as investigações, concluir bem os inquéritos e denúncias, de modo que o
seu trabalho fosse tecnicamente e juridicamente reconhecido. Escolheram a
incompletude e o açodamento, de medo que a Dra. Raquel Dodge viesse a
com eles não concordar. O que o Dr. Janot revela é uma profunda
desconfiança em relação à nova procuradora-geral, como se ela e sua
equipe fossem incapazes de apresentar uma denúncia!
A foto, agora
célebre, de Rodrigo Janot com o advogado dos irmãos Batista é um caso à
parte. Para quem defende tanto a formalidade das agendas, seu encontro
“furtivo” revela uma franca contradição entre o seu discurso e a sua
atuação! Foi flagrado — não armado — de óculos escuros, por um cliente
anônimo, em uma mesa improvisada atrás de uns caixotes de cerveja, em um
boteco, na verdade, uma distribuidora de bebidas. Por que não o recebeu
na Procuradoria? Preferiu fazê-lo às escondidas, como se estivesse
fazendo algo que não deveria ser feito. Deveria ter se mostrado
incapacitado a continuar atuando neste caso. Prejudicou fortemente a
imagem da instituição que representa.
Por sua vez, o Supremo
Tribunal Federal, cuja função deveria ser a de árbitro, de juiz,
tornou-se parte dos problemas nacionais. Não consegue intervir no
equacionamento das disputas e termina, por sua incapacidade,
potencializando-as. Tomemos um exemplo desta semana. Deveria ter julgado
dois pedidos da defesa do presidente Temer: o da arguição de suspeição
do procurador-geral da República e o da conclusão das investigações do
Ministério Público, antes do oferecimento de qualquer denúncia relativa
ao presidente. Ora, conseguiu finalizar o primeiro e sustar o julgamento
do segundo até quarta-feira da próxima semana, quando seria necessário
que se pronunciasse sobre a iminência desta nova denúncia. Denúncia
contra o presidente da República é algo muito importante, que exigiria
uma decisão do Supremo, e não a sua omissão. Deixou ao procurador Janot a
decisão final, quando esse é precisamente um dos pivôs da crise.
Agora,
na apresentação da segunda denúncia, o ministro Fachin poderia ter
seguido a letra da Constituição e tê-la remetido diretamente à Câmara
dos Deputados. Optou, mostrando uma cautela inexistente em outros
pedidos do procurador-geral que foram simplesmente homologados, por
submetê-la ao plenário, aguardando que este se pronuncie quanto à
questão pendente da conclusão das investigações. Nada disto, porém, está
previsto constitucionalmente. Uma não decisão do Supremo ao decidir não
decidir empodera um procurador-geral contestado, arbitrário em suas
ações, e coloca um ministro da própria instituição diante de uma
situação não contemplada na própria Constituição. Se houvesse decidido
suspender qualquer nova denúncia à conclusão da investigação em curso no
próprio Ministério Público, teria produzido segurança jurídica e
respeito à Constituição. Ao não fazê-lo, aumenta a instabilidade
institucional.
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