sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Defesa não questionou apreensões em endereços ligados a Lula
Petista insinuou que provas podem ter sido plantadas, mas nada foi feito por seu advogado durante o processo 
Thiago Herdy - O Globo
Embora o ex-presidente Lula tenha insinuado, em depoimento ao juiz Sergio Moro, que documentos podem ter sido colocados em endereços ligados a ele durante as operações de busca e apreensão feitas pela Polícia Federal (PF) em março do ano passado, a autenticidade dos papéis não foi questionada por sua defesa quando o material foi incluído no processo judicial há mais de um ano. Trocas de e-mails de Roberto Teixeira, advogado do ex-presidente, com uma corretora de imóveis tratando da compra de um prédio pela Odebrecht para abrigar o Instituto Lula, ainda em 2010, e cópias do projeto arquitetônico do mesmo prédio foram incluídas pela PF em relatório e usadas pelo MPF como elementos de prova do conhecimento do ex-presidente sobre tratativas para compra do edifício enquanto Lula ainda ocupava o cargo. O ex-presidente nega que soubesse dos documentos.
Parte dos papéis estava organizada e guardada em uma pasta apreendida pelos investigadores em endereço ligado ao ex-presidente. Por meio da assessoria do escritório que defende Lula, Cristiano Zanin, advogado do ex-presidente, admitiu que não houve questionamento anterior sobre a autenticidade das provas. Ele não soube explicar por que não relatou, durante o processo, dúvidas sobre a validade desses documentos.
Zanin alegou ontem que a lei assegura a Lula “a possibilidade de fazer sua autodefesa” e que é legítimo o ex-presidente apresentar ao juiz “questionamentos sobre a idoneidade de papéis que lhe foram apresentados”.
— Lula esclareceu que jamais teve conhecimento desses papéis, que também não estão relacionados com qualquer conduta que ele tenha praticado e sequer estão a ele dirigidos — afirmou o defensor.
A direção do Departamento de Polícia Federal em Brasília e a Superintendência da PF, responsável pela ação de busca e apreensão em endereços de Lula, evitaram comentar publicamente as insinuações sobre os documentos. Reservadamente, representantes da corporação comentaram que o debate sobre a legitimidade de provas deve ocorrer apenas em juízo. Lembraram que não há registro de episódio, entre março do ano passado e os dias de hoje, que pudesse ser considerado indicativo de irregularidades em relação aos documentos apreendidos na casa do ex-presidente Lula.
Autoridade responsável pela PF até a véspera da operação que atingiu Lula, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo evitou comentar a denúncia do colega petista.
— Todas as representações que recebi em quaisquer operações ou inquéritos da PF eram prontamente endereçadas à própria PF e, em princípio, podem ensejar procedimentos que tramitam em sigilo. Por essa razão, não me sinto autorizado a falar sobre nenhuma representação que eventualmente eu possa ter recebido como ministro — afirmou Cardozo.
Os delegados da PF em Curitiba foram alvo de denúncias de abuso de autoridade por parte da defesa de Lula em função das ações que atingiram o ex-presidente. No entanto, não houve desconfiança sobre a autenticidade de documentos incluídos no processo.
Anteontem, durante o seu depoimento, Lula ficou irritado com a procuradora Isabel Vieira quando questionado sobre os papéis encontrados em sua casa envolvendo a compra de um prédio para seu instituto.
— Tenho muita suspeita de cópia. Se a senhora tivesse me dito que estava no meu e-mail, no meu computador, eu dava um valor. Mas uma cópia de um documento na minha casa. Quem é que achou isso? A Polícia Federal? — perguntou o ex-presidente.
“LUGAR DE JOGAR TRANQUEIRA"
A procuradora Isabel Vieira o interrompeu, afirmando que os documentos estavam “cuidadosamente guardados”.
— Como a senhora sabe que estavam cuidadosamente guardados? — perguntou Lula, irritado.
— Estavam em uma pasta, houve a descrição no laudo (de apreensão) — respondeu a procuradora.
— Deixa eu lhe falar uma coisa, querida: eu, hoje, passados todos esses meses, tenho muita suspeita do comportamento da Polícia Federal nessas ocupações (operações). Por isso, eu não posso dar crédito à cópia de um e-mail — afirmou o ex-presidente.
Em outro momento de seu depoimento, ao ser perguntado por Moro sobre a presença em sua casa de cópias do projeto arquitetônico e contrato assinado por José Carlos Bumlai envolvendo o mesmo prédio, Lula voltou a levantar suspeitas sobre os arquivos.
— Eu não sei o que encontraram na minha casa, doutor. Entraram às seis horas da manhã, num escritório na minha casa. Faz exatamente 20 anos que moro naquela casa e 20 anos que não entro naquele escritório. Eu diria que era quase um lugar de jogar tranqueira, de jogar papéis e mais papéis. O fato de ter encontrado isso num escritório na minha casa não significa que eu tenha conhecimento ou que eu tenha visto. Até porque não sou obrigado a acreditar que foi encontrado na minha casa — disse Lula.
Moro perguntou, então, se o réu confirmava ter visto o documento:
— O senhor não confirma?
— Tenho dúvida, depois do que estão fazendo comigo... Sou um homem que tenho muitas dúvidas hoje — respondeu o ex-presidente.
Os documentos são apenas parte dos elementos contra Lula no processo. Movimentações bancárias que motivaram a compra do imóvel que abrigaria o instituto e de um apartamento vizinho ao do ex-presidente, pela Odebrecht, somam-se a registros de planilhas de propina da empreiteira e depoimentos de Antonio Palocci, Marcelo e Emílio Odebrecht incriminando o ex-presidente, entre outros elementos.

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