segunda-feira, 18 de setembro de 2017

São Paulo já foi moderna
Marcos Lisboa - FSP

Filipe Redondo
Edifício Washington, na região central, que integra a seleção do livro 'São Paulo nas Alturas
Edifício Washington, na região central, que integra a seleção do livro 'São Paulo nas Alturas'
São Paulo já foi moderna. Em meados do século passado, a cidade conheceu um breve romance entre a arquitetura, o mercado imobiliário e as necessidades da sociedade. Raul Juste Lores conta essa história em "São Paulo nas Alturas" (Três Estrelas), recheado com casos de imigrantes e seus percalços com a burocracia, em meio ao resgate de prédios que nos surpreendem quando caminhamos pela cidade.
O governo federal dedicava seus projetos inovadores à capital, Rio de Janeiro, como o Palácio Capanema, que se ergue sobre pilotis, deixando um imenso vão livre para a circulação das pessoas.
São Paulo, por sua vez, vivenciava o empreendedorismo. A escolaridade na cidade destoava do resto do Brasil: 70% da população sabia ler e escrever em 1950, 20 pontos percentuais a mais do que a média do país, como aprendo com Raul. Não foi por acaso o seu crescimento.
A necessidade de moradia permitiu o encontro entre arquitetos e empreendedores para atender às necessidades da população. O poder oficial, porém, ia na contramão do desenvolvimento. A Lei do Inquilinato de 1942 controlou o reajuste dos aluguéis e desestimulou a construção de prédios para locação, prejudicando quem não tinha recursos para comprar a sua casa.
Os empreendedores enfrentaram o problema construindo edifícios vendidos na planta e adequados às necessidades dos compradores. Proliferaram os apartamentos pequenos, com soluções criativas, que tinham que driblar a morosidade da aprovação na prefeitura, as mudanças frequentes na legislação e a economia instável.
Raul conta histórias de arquitetos talentosos que inventaram edificações que nos surpreendem ao passear pelo Centro ou por Higienópolis. Muitos eram imigrantes, não tinham seu diploma validado e se denominavam construtores, com outros assinando os seus projetos.
Os prédios curvados com jardins e praças surpreendentes, os apartamentos dos mais diversos tamanhos, as galerias que convidavam à frequência dos passantes, sem saber onde começava o privado e terminava o público, e a residência ao lado do comércio resultaram no Copan e no Conjunto Nacional, entre outras joias de uma cidade que privilegiava o passeio a pé.
O fim do livro mostra que Raul não está de passagem. A sua análise minuciosa conclui com um ensaio provocador por que São Paulo degringolou tanto.
A partir de 1957, o moderno foi interrompido por legislações que passaram a dificultar o adensamento urbano, segregaram a residência do comércio, oneraram a infraestrutura e induziram o uso do automóvel. As intervenções públicas equivocadas transformaram a cidade que namorou Manhattan em uma Los Angeles mais pobre e mais caótica.

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