Irmãos suspeitos de agressão a sírio controlam camelôs em Copacabana
Durante operação da Seop, eles vendiam seus produtos na Rua Siqueira Campos
Antônio Werneck - O Globo
Para quem passa, não há nenhuma ordem na confusão de ambulantes que
vendem pelas ruas do Rio produtos roubados, falsificações grosseiras e
contrabando. Observando de perto, a história é outra: cada pedaço do
espaço público tem um xerife. Um dos pontos de maior concentração de
camelôs, Copacabana é o retrato de como organizações criminosas estão
loteando o Rio. Conhecidos como “Irmãos Metralha”, Sidney e Denílson
Pinto de Barcelos são “donos” de dois quarteirões da Avenida Nossa
Senhora de Copacabana com a Rua Barata Ribeiro, entre as ruas Siqueira
Campos e Santa Clara.
Sem
a repressão de guardas municipais e nunca condenados pela Justiça, eles
são empresários das ruas há pelo menos 16 anos e controlam, com mãos de
ferro, a maioria dos pontos. Para trabalhar ali, os ambulantes precisam
da autorização deles, além de pagar um aluguel entre R$ 100 e R$ 200
semanais, sob pena de, em caso de recusa, serem vítimas de ameaças e até
de violência.
Sem dinheiro para pagar aos irmãos, o refugiado sírio Mohamed Ali
Abdelmoatty Ilenavvy, de 33 anos, foi atacado, no início de agosto, por
outros camelôs, a mando de Sidney e Denílson. A descoberta foi feita
pelo GLOBO na semana passada, a partir de relatos de testemunhas e
ambulantes. Por trás das cenas de intolerância religiosa, que causaram
repúdio à população, levando Mohamed a receber uma série de homenagens,
há, na verdade, uma intensa disputa pelo espaço. Mohamed foi agredido
porque tentava instalar, sem autorização da quadrilha, sua barraca para
vender esfirras, na esquina da Avenida Nossa Senhora de Copacabana com a
Rua Santa Clara.
É possível identificar Denílson Barcelos nas imagens do ataque a
Mohamed, feitas por um cinegrafista amador. Ele aparece à frente dos
ambulantes, enquanto um homem, empunhando um pedaço de pau, grita
palavras de intolerância. O “xerife” da área vestia, na ocasião, camisa
azul clara de malha, calça jeans e uma bolsa a tiracolo preta. O
refugiado sírio não registrou queixa na polícia. Mesmo com todo apoio e
solidariedade que recebeu desde então — na última quarta-feira, ele foi
agraciado com o título de Cidadão Fluminense na Assembleia Legislativa
do Rio (Alerj) e convidado a desfilar na Portela —, Mohamed foi obrigado
a se mudar. A barraquinha, com a qual garante sua subsistência longe de
seu país, teve que ser posicionada fora do alcance dos “Irmãos
Metralha”. Agora, ele vende seus salgados na Rua Santa Clara, a cerca de
cem metros do ponto original, que ficava mais próximo da Nossa Senhora
de Copacabana.
Sem fiscalização: Banquinhas de camelôs são montadas nas calçadas em
frente às lojas na Avenida Nossa Senhora de Copacabana: ambulantes são
obrigados a pagar até R$ 200 por semana aos irmãos que mandam no trecho
- Domingos Peixoto
Guardas sofrem ameaças e têm medo
Ambulantes,
comerciantes e moradores de Copacabana revelaram que os “Irmãos
Metralha” contam com a proteção de seguranças que trabalham no comércio
local, quase todos ex-policiais. Também apontaram Sidney e Denílson como
os responsáveis pelo fornecimento de mercadorias para outros
ambulantes. Os dois contariam, de acordo com eles, com uma rede de
funcionários e bancas. Camelôs legalizados confirmaram que eles
controlam o espaço público, e mesmo guardas municipais admitiram temer a
dupla.
— Tenho medo sim. A rede da família é muito grande. Já tivemos casos
de guardas municipais ameaçados — afirmou um agente municipal, que pediu
para não ser identificado.
Veterano. Denílson: 16 passagens
- Divulgação/Reprodução
Os
irmãos também são suspeitos de participação nos ataques, na esquina da
Nossa Senhora de Copacabana com Rua Siqueira Campos, a um grupo de
torcedores uruguaios do Nacional, que vieram ao Rio assistir ao jogo em
que o clube do país enfrentou o Botafogo e perdeu, durante a disputa da
Libertadores da América. O tumulto também aconteceu em agosto, poucos
dias depois de o sírio ser agredido. Pelo menos dez ambulantes
espancaram os estrangeiros. Os uruguaios teriam começado a fazer
provocações, quando estavam numa lanchonete, e, no caminho, se depararam
com a turma dos “Irmãos Metralha”. Graças a um outro cinegrafista
amador, que filmou camelôs agredindo um dos uruguaios já caído na Nossa
Senhora de Copacabana, é possível saber que o mesmo grupo foi
responsável pelas cenas de violência. Treze torcedores foram detidos
pela PM e levados à 12ª DP (Copacabana). Mas nenhum ambulante foi preso.
— A situação poderia ficar fora de controle, se a gente não chegasse.
Estavam com pedra na mão, pedação de pau. Foi rápido, mas devastador —
contou um policial do batalhão da área.
Vendendo produtos variados — óculos, eletrônicos, brinquedos e roupas
de marcas famosas falsificadas —, os “Metralha” se movimentam nas
esquinas de Copacabana, de forma organizada. Um homem atua como
“olheiro”, de prontidão num ponto estratégico, para avisar sobre a
chegada da fiscalização. Uma logística ousada para driblar a repressão.
Durante uma operação da Secretaria Especial de Ordem Pública (Seop), há
duas semanas, mesmo com guardas municipais parados na Nossa Senhora de
Copacabana, os irmãos vendiam seus produtos a apenas 50 metros, na Rua
Siqueira Campos.
Mais. Sidney: 33 vezes na polícia
- Divulgação/Reprodução
E, na
semana passada, eles já estavam de volta à esquina da Nossa Senhora de
Copacabana com a Siqueira Campos. Denílson e Sidney só se deslocavam
dali para vender em outras áreas sob seu domínio: na esquina das ruas
Barata Ribeiro com Siqueira Campos; na Nossa Senhora com Santa Clara; e
ainda num trecho da Figueiredo Magalhães. Na segunda-feira passada, a
dupla vendia óculos de sol e de grau em pelo menos cinco bancas
improvisadas. Os negócios dos “Metralha” são diversificados, vão de
roupas falsificadas a bijuterias “made in China”.
Bando conta com “olheiro”
Denílson, de 46
anos, tem 16 passagens pela polícia. Sidney, de 48 anos, supera o irmão:
são 33. As acusações contra os dois são todas relacionadas à venda
ilegal de produtos. Os primeiros registros são de 2001. Portanto, há 16
anos, eles atuam na clandestinidade. Entre as queixas já investigadas
pela polícia, há de tudo um pouco: ameaça, desacato, venda de produtos
falsos, pirataria. Há dez anos, os irmãos já eram conhecidos em
Copacabana pelo comércio de CDs e DVDs piratas. Um registro dessa época,
na Delegacia de Defraudações da Polícia Civil, chegou a virar processo
na Justiça estadual, mas acabou arquivado por falta de provas. Ninguém
apareceu para testemunhar. O medo impediu.
O delegado Gabriel Ferrando, titular da 12ª DP (Copacabana),
reconheceu que ainda não abriu um inquérito contra os “Irmãos Metralha”
porque nenhuma vítima procurou a polícia até agora. Mesmo o sírio
Mohamed Ali Abdelmoatty Ilenavvy não quis levar a denúncia de agressão à
frente.
— Sabemos da atuação dos dois, temos uma investigação, mas nossa
dificuldade é a falta de pessoas dispostas a testemunhar — disse o
delegado.
O coronel Paulo César Amêndola, titular da Secretaria Municipal de
Ordem Pública (Seop), alega que o setor de inteligência do órgão tenta
mapear o loteamento de ruas de Copacabana por camelôs. Ele reconheceu
que há “gargalos” na fiscalização, mas sustenta que não existe “donos de
calçadas” no Rio.
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