Emenda paga equipamentos superfaturados para hospital
Aparelhos para unidade de saúde de Registro (SP) custaram até 500% a mais
Governo, que liberou os recursos atendendo a pedido de deputada, diz que investiga denúncia e enviou caso à polícia
NADIA GUERLENDA - FSP
Uma emenda parlamentar de R$ 2,2 milhões financiou a compra de equipamentos superfaturados em até 500% para um hospital da cidade de Registro, na região do Vale do Ribeira, a mais pobre do Estado de São Paulo.
A indicação dos recursos foi feita pela ex-deputada estadual Patrícia Lima (PR-SP). O governo do Estado liberou R$ 2.180.000 para o Hospital São João no 25 de dezembro de 2010, de acordo com o Diário Oficial.
Patrícia teve apenas três votos em Registro na eleição de 2010. Ela não se reelegeu.
Segundo o deputado Roque Barbiere (PTB), que deflagrou uma crise na Assembleia Legislativa de São Paulo ao denunciar a venda de emendas parlamentares, a indicação de recursos para locais onde os deputados não têm base eleitoral é um dos indícios do comércio ilegal.
A emenda de Patrícia foi destinada à Apamir (Associação de Proteção e Assistência à Maternidade e à Infância de Registro), entidade de direito privado que controla o hospital e tem benefícios semelhantes aos de uma ONG.
A associação usou o dinheiro para comprar, sem licitação, 17 itens de equipamentos hospitalares da Pharmacentro, uma empresa de fachada que tem sede na cidade de Goiânia.
A Folha teve acesso à nota fiscal da compra dos equipamentos e fez uma pesquisa de preços dos itens adquiridos pelo hospital.
Por exemplo, a entidade pagou R$ 86,4 mil à Pharmacentro por uma mesa cirúrgica ortopédica. A reportagem encontrou o mesmo item por R$ 25 mil (diferença de 345%).
No caso mais explícito, a entidade pagou R$ 198,5 mil por um aparelho de videolaparoscopia completo que pode ser encontrado por R$ 32,9mil -503% a mais.
Procurado pela Folha, o governo estadual disse que investigou o caso a partir de denúncia anônima recebida em maio e constatou o superfaturamento.
A Folha apurou que a Corregedoria do Estado detectou superfaturamento de 125% no valor global dos 17 itens adquiridos pelo hospital.
A apuração foi enviada à Polícia Civil e ao Ministério Público do Estado, para a abertura de investigação e de eventuais ações penais contra os responsáveis.
O governo informou que a Secretaria de Saúde solicitou a devolução do valor total repassado ao hospital. Até lá, a entidade está proibida de receber novos recursos.
O governo demitiu em julho o presidente da Apamir, Waldi Cordeiro, que ocupava cargo comissionado (preenchido por indicação política) na Secretaria do Trabalho.
Procurada pela reportagem, a Polícia Civil de Registro confirmou a abertura de inquérito, mas disse que a ex-deputada e os empresários ainda não foram ouvidos.
ABANDONO
A Pharmacentro funcionava na periferia da capital de Goiás, numa sala alugada.
Segundo a proprietária do imóvel, que preferiu não ter seu nome divulgado, a sala foi abandonada há cerca de quatro meses.
Desde então, ela tenta, na Justiça, receber o pagamento pela locação. De acordo com a proprietária, a empresa tinha apenas uma funcionária.
A Pharmacentro hoje está registrada em nome de José Antônio de Oliveira e Waldir Hilário Brito.
Os dois são procurados pela Polícia Civil de Registro para prestar esclarecimentos.
'Dei o dinheiro de coração', diz ex-deputada
Procurada pela Folha, a ex-deputada Patrícia Lima (PR-SP) confirmou a autoria da emenda, mas disse desconhecer irregularidades na execução do convênio.
"Eu dei de coração, de bom grado, porque era para um hospital", afirmou Patrícia.
Cada deputado tem direito a destinar até R$ 2 milhões em emendas.
Questionada sobre por que enviou toda a verba a que tinha direito em 2010 para a cidade de Registro (SP), onde não teve votos, ela disse não ver irregularidade nisso.
"Minha campanha foi na televisão. Não andei pelas cidades pedindo voto", disse.
O governo do Estado informou, em nota, que "tão logo tomou conhecimento da denúncia, em maio de 2011, instaurou processo".
Ainda em nota, o governo afirmou que a Secretaria de Saúde está cobrando a devolução dos R$ 2,1 milhões. Até que faça a devolução, a Apamir, entidade que controla o hospital São João, ficará impedida de receber verbas.
Por telefone, o presidente da Apamir, Waldi Cordeiro, afirmou que o hospital é privado e, portanto, não se submete à lei de licitações.
A reportagem tentou entrar em contato para mais esclarecimentos, mas Cordeiro não atendeu às ligações.
Os proprietários da empresa Pharmacentro não foram localizados pela reportagem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário