O rolo compressor de Cristina Kirchner
Analistas criticam aprovação de 12 leis no Congresso argentino nos 11 dias após a posse
Jaime Rosemberg - La Nación
O Globo
BUENOS AIRES - Lei de terras. Novo estatuto do trabalhador rural. Ofensiva contra a Papel Prensa. Prorrogação da emergência econômica. Orçamento de 2012. Lei antiterrorista. Nunca o vendaval havia sido tão forte e veloz, com tantas questões tratadas e aprovadas quase num suspiro, sem tempo para o debate profundo dentro ou fora do Parlamento. Constitucionalistas, especialistas e ex-legisladores de distintos partidos políticos concordam: a bateria de projetos legislativos enviados no dia 12 de dezembro pela presidente Cristina Kirchner ao Congresso e transformados em lei em apenas 11 dias representa um recorde para a democracia recuperada em 1983 — não somente pela quantidade (12 no total), mas também pela magnitude dos temas tratados e pelo tempo de aprovação.
A presidente, de fato, foi desta vez contra seus próprios antecedentes, já que em seus quatro anos de mandato não tinha utilizado sessões extraordinárias para tratar de temas conflituosos, segundo um recente informe da fundação Diretório Legislativo.
— Sempre que contam com maiorias esmagadoras, os governos tratam de aproveitar e aprovar temas prioritários. Está dentro dos usos e costumes da política, embora haja projetos que mereceriam um debate maior — afirmou Eduardo Macaluse, que foi deputado entre 1999 e 10 de dezembro passado.
Para o ex-deputado, hoje na Frente Ampla Progressista, a Lei de Terras e a nova Lei Antiterrorista são exemplos de normas "em que teria sido melhor buscar consensos", mas em que "o governo escolheu outro caminho".
Para o dirigente socialista Héctor Polino, "não é normal que um Congresso que esteve um ano semiparalisado trate de uma quantidade de leis como estas em tão poucos dias". Segundo ele (deputado entre 1993 e 2005), há poucos antecedentes na história parlamentar de um caso semelhante. Já o tradicional peronista Oraldo Britos concorda que os governos que contam com maiorias "querem aprovar no início de sua gestão temas que, com o correr do tempo, podem se tornar mais complicados", mas critica o modo como os projetos foram aprovados pelo kirchnerismo e seus aliados.
— As sessões não tiveram argumentações nem análises. Cerca de 70% dos deputados e senadores nem sabiam de que estavam falando — disparou Britos, ex-senador e ex-deputado.
Novos congressistas mal tiveram tempo para análise
Segundo ele, o desconhecimento se deve ao fato de que a metade dos deputados e um terço dos senadores assumiram os mandatos no sábado (dia 10), e na segunda-feira já tinham de tratar em comissões de alguns temas.
Jorge Vanossi, destacado constitucionalista e deputado nacional durante quatro legislaturas, também tem uma visão crítica.
— O fundamental do Congresso é a deliberação e o debate. Quando os projetos são sensatos, não necessitam se esconder nem ser tratados da maneira como se fez nos últimos dias — critica o ex-dirigente da União Cívica Radical e ministro da Justiça do governo de Eduardo Duhalde.
O projeto que estabelece rigorosos controles para a produção de papel-jornal na Argentina foi, a seu ver, um dos "menos sensatos" entre os aprovados.
Já o ex-deputado radical José Gabriel Dumón preferiu apontar direto para a Casa Rosada.
— O povo é soberano, mas nem sempre acerta. E nas eleições de outubro deu um grande poder a um setor com ideias autoritárias, que impõe a prepotência dos números — afirmou ele, ministro dos governos de Raúl Alfonsín e Fernando de la Rúa.
Para Dumón, a Lei Antiterrorista está direcionada para calar qualquer voz diferente, e a da Papel Prensa é um despropósito, uma vez que hoje a provisão de papel não é problema em nenhum lugar do mundo. Para o constitucionalista Vanossi, o futuro do Congresso parece pouco promissor "para quem se preocupa com a qualidade institucional".
— A sociedade saberá corrigir o rumo no futuro, com mais democracia — concorda Dumón.
* O "La Nación" faz parte do Grupo de Diários América (GDA)
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