A cobrança intranquila
Jânio de Freitas - FSP
A confiança de Dilma em Pimentel pode fazê-lo tranquilo, mas o ministro ainda deve explicações
Estar tranquilo é ótimo. O ministro Fernando Pimentel informa que está tranquilo. O desagradável é que muitos, incontáveis pelo país afora, não estão tranquilos -por causa do ministro Fernando Pimentel.
Cada dia da semana foi, na voz do ministro questionado, um eco do dia anterior. Ainda que poucos, nem os negócios de sua alegada consultoria (antes de assumir) receberam a comprovação necessária, quando referidos por Pimentel; nem as suspeições mais recentes receberam dele alguma palavra a título de explicação.
Neste item bastará notar o circuito percorrido por seus noticiados serviços a uma empresa que tem, para o caso, o impróprio nome de ETA, idêntico à sigla dos complicadores terroristas espanhóis. "O Globo" encontrou referências a pagamentos da ETA à consultoria de Pimentel, mas a empresa os negou. Um dos sócios sustentou que os R$ 130 mil citados eram até incompatíveis com o faturamento da ETA. No dia seguinte, porém, uma nota sucinta da própria empresa confirmava ao jornal, sem explicações ou demonstrações, "a prestação de serviços de análise econômico-financeira e mercadológica do seu plano de investimentos".
O fato de que a ETA, como diz ainda o seu nome, seja empresa de "Bebidas do Nordeste" talvez explique alguma coisa. Mas não essa história de plano de investimentos na empresa que não pode pagar nem R$ 130 mil. E muito menos explicaria o silêncio de Pimentel a respeito, antes e depois da introdução da ETA no questionamento dos seus ganhos ao deixar a Prefeitura de Belo Horizonte.
Pouco louvada, mas bastante praticada (apesar de depender da relação entre o visado e o poder econômico), a cobrança de explicações aos poderosos é uma das mais significativas liberdades em relação ao tempo das transamazônicas e itaipus, dos quartéis como prisões bárbaras, dos AI-5 e decretos secretos. Grande parte da calamidade hoje constituída pela corrupção e pela falta de ética deve-se à cobrança insuficiente, com frequência dirigida conforme interesses políticos e outros. E, além da insuficiência, ainda confusa entre os conceitos de liberdade e de autoritarismo.
Fernando Pimentel não é um grande caso, até onde se sabe. Assim como nenhum dos casos havidos nos últimos meses o foi. Casos e coisas imensamente mais graves passaram-se já nos anos ditos democráticos, com pouca ou nenhuma cobrança, com pouquíssima ou nenhuma represália. A chave para combater o vício de usufruir do poder em proveito próprio, e com a soberba da impunidade, é essa que estamos vendo: não importa a dimensão, importa a ocorrência do erro. Se explicar apenas R$ 130 mil for necessário para extinguir dúvidas éticas, em um ou outro sentido, não é o fato de lidar com bilhões e de deter poderes que isenta da responsabilidade de explicação convincente, ou de despedir-se.
É o que Fernando Pimentel, com toda a sua tranquilidade, ainda está devendo. A confiança da presidente pode fazê-lo tranquilo, mas é a confiança dela, não a do país.
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