Austeridade deverá aumentar a desigualdade social em Portugal
Peter Wise - Financial Times
Em Lisboa ComenteAdelaide Renaldo, cujo marido lava carros, não tem dinheiro para os livros escolares para seus três filhos. Conceição Viegas era faxineira, mas está sem trabalho há dois anos. O marido dela, um trabalhador braçal, também está desempregado. Maria Vitoria está buscando há meses o direito de receber uma pensão.
Essas mulheres aguardando por uma doação mensal de alimentos, do lado de fora de uma barraca pré-fabricada às margens de um conjunto habitacional de Lisboa, estão sentindo plenamente o aprofundamento da recessão e das medidas de austeridade cada vez mais dolorosas, enquanto Portugal luta para cumprir os termos de um programa de resgate financeiro de 78 bilhões de euros.
“Eles nos dão arroz, feijão, leite, às vezes frutas e salsicha. Seria muito difícil sobreviver sem a ajuda”, diz Teresa Ramos, que trabalhava em uma lavanderia, mas não consegue encontrar emprego há três anos. Ela e seu marido desempregado dependem dos pagamentos do bem-estar social de menos de 300 euros por mês.
As mulheres na fila por alimentos da unidade de bem-estar social da “O Companheiro” estão vivendo com dificuldades no país mais pobre da Europa Ocidental. Elas também estão do lado errado da maior desigualdade de renda entre ricos e pobres da Europa.
Do outro lado de duas estradas movimentadas, elas podem ver um moderno hospital particular, o maior shopping center de Lisboa e o moderno estádio de futebol de 65 mil lugares do Benfica, aberto em 2003, quando Portugal tentava, por meio de obras, sair de uma recessão anterior.
Segundo um relatório deste mês da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a desigualdade de renda em Portugal é a maior na Europa. Sociólogos e grupos de bem-estar social temem que o orçamento de austeridade do ano que vem, o mais duro na memória viva, juntamente com o desemprego recorde e uma contração econômica, aumentarão ainda mais a desigualdade.
Um novo estudo para a Comissão Europeia, feito pelo Instituto de Pesquisa Social e Econômica do Reino Unido, diz que as medidas de austeridade implantadas em Portugal em 2010 foram “claramente regressivas”, obrigando as famílias mais pobres a abrir mão de uma parcela maior de sua renda disponível do que os lares mais ricos.
O trabalho de sociólogos portugueses, apoiado por dados da OCDE, mostra que Portugal obteve um progresso considerável na redução de sua desigualdade de renda de 2004 até o início da crise econômica global, em 2008. Agora cresce a preocupação de que a austeridade está revertendo a tendência.
“Eu acho que a esta altura no ano que vem, a desigualdade em Portugal será ainda maior do que hoje”, diz António Barreto, um sociólogo proeminente que tem investigado as causas da desigualdade de renda do país há vários anos.
“Grande parte do dano provavelmente será causado pelos planos para aumentar os limites que qualificam para a renda mínima, o auxílio-desemprego e outros benefícios sociais.”
A maior preocupação é que a restrição aos benefícios e o aumento dos impostos criará o que as organizações de bem-estar social já chamam de “novos pobres”, pessoas que ganham marginalmente mais para terem direito aos benefícios sociais e isenções de impostos, mas não o suficiente para pagarem seus financiamentos imobiliários ou o aumento dos custos de saúde e educação.
“Esse é um risco muito sério para Portugal”, diz Isabel Jonet, que dirige o Banco Alimentar Contra a Fome, uma organização voluntária que distribui alimentos doados por meio de organizações de bem-estar social por todo o país. “Essa classe poderá vir a sofrer mais do que aqueles oficialmente abaixo da linha de pobreza, porque não se qualificam para o apoio social que precisam.”
Os benefícios sociais em Portugal ficam frequentemente abaixo do necessário para subsistência, diz Jonet. “Mais de 1 milhão de idosos recebem pensões de menos de 280 euros por mês”, ela diz. “Não dá para sobreviver com isso. Um indivíduo que ganha apenas 620 euros por mês é considerado de classe média para fins tributários, de modo que não tem direito à maioria dos benefícios.”
Barreto considera a desigualdade em Portugal atribuível em parte a uma alta concentração de propriedade de imóveis e um setor público excessivamente grande, que é tanto “gordo demais quanto fraco demais”. Isso significa que lobbies bem-organizados de médicos, juízes ou professores têm o poder de ficar com “uma fatia maior do bolo”.
Segundo números da OCDE, os professores portugueses ganham menos do que a média europeia em termos absolutos, aproximadamente a média quando corrigido por paridade de poder aquisitivo, porém mais do que a maioria dos professores europeus como parcela da renda nacional.
Durante uma manhã em “O Companheiro”, Sílvia Moço, uma jovem funcionária de bem-estar social, já tinha lidado com cinco casos urgentes de pessoas necessitando de alimento ou abrigo.
“Nossa meta principal é ajudar as pessoas a voltarem a trabalhar”, ela diz. “Porém mais famílias estão pedindo ajuda a cada semana.”
Tradução: George El Khouri Andolfato
Nenhum comentário:
Postar um comentário