O chavismo sem Chavez
Mac Margolis - O Estado de S.Paulo
Em junho, quando o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, finalmente admitiu que sofria de câncer, a boataria tomou conta do continente. O presidente se curaria? Estaria debilitado demais para concorrer às eleições de 2012? Terminaria seu mandato?
Apagões, homicídios, escassez de café e leite e o boom econômico seguido pela recessão: desde o início, a incerteza extrema é a marca forte da República Bolivariana. No entanto, Chávez sempre foi uma das poucas constantes na volúvel era chavista. Até agora.
As incertezas energizaram seus inimigos políticos, sacudindo-os de uma década de sonolência. Também atiçou os aliados, cada postulante mais ansioso do que outro para ser ungido sucessor oficial.
Chávez, rapidamente, tratou de desarmar o circo. "A única transição aqui é a transição para o modelo socialista", retrucou. Em outubro ele se declarou "curado" do câncer e fala agora em ficar no poder até 2031.
Hoje, o homem forte venezuelano - careca e inchado em razão das sessões de quimioterapia - está irreconhecível, subitamente apequenado e vulnerável. Pela primeira vez em 13 anos, os venezuelanos começam a imaginar como será a vida sem o líder que acreditavam insubstituível.
A perspectiva galvanizou a dividida oposição, unificada desde 2008 na Mesa da Unidade Democrática (MUD). O bloco fará eleições primárias entre os pré-candidatos à presidência em fevereiro. O candidato único enfrentará Chávez, ou seu eventual substituto, em outubro 2012.
O destaque dos antichavistas é Henrique Capriles Radonski, governador de Miranda e neto de um sobrevivente polonês do Holocausto, que se sobressai nas pesquisas e está no cangote do próprio líder bolivariano.
Esgotamento. O desgaste ajuda. Anos de roubalheira, ineficiência administrativa e intimidação política sorveram energia e talento desse país de 29 milhões de habitantes. Hoje, o socialismo do século 21 está mais para o capitalismo de Estado do século 19. A inflação, de 27% ao ano, é a pior entre os países de economia emergente. Caracas é uma das capitais mais perigosas das Américas.
Ao nacionalizar dezenas de empresas estrangeiras, Chávez insuflou o orgulho nacional, mas também espantou investidores. A competitividade venezuelana se foi. A estatal do petróleo PDVSA, outrora modelo, hoje é totalmente tutelada pelo chavismo.
Sua receita foi entregue a perdulárias "missões" sociais. Há 15 anos, a Venezuela produzia cerca de 25 patentes em tecnologia e pesquisa de petróleo. Hoje, mal registra duas ou três.
No entanto, se a oposição deve parte de sua ascensão à disfunção do bolivarianismo, outra parte, sem dúvida, se deve ao infortúnio do comandante.
Manipulação. Ninguém está escrevendo o epitáfio de Chávez. Um mestre em manipular a mídia, ele capitalizou sua batalha com o câncer, transformando-a em uma ressurreição política.
Chávez ainda controla as Forças Armadas, uma vasta milícia armada e quase três milhões de empregos públicos. Ele faz questão de não preparar um sucessor.
"Chávez é o eixo estável da instável nação venezuelana que ele ajudou a criar", diz Socorro Ramírez, analista venezuelana.
Poucos duvidam. Se Chávez estiver bem e apto a fazer campanha, dificilmente perderá nas urnas. E, mesmo se a oposição ganhar, terá de se acomodar aos poderosos de plantão e aos interesses que o presidente fez questão de incrustar na máquina pública, na Justiça e no Legislativo. Eis, talvez, a explicação pelas propostas tão modestas, até acanhadas, dos principais pré-candidatos oposicionistas.
Com exceção de Diego Arria, ex-diplomata que quer levar Chávez ao Tribunal Penal de Haia, todos os candidatos da MUD prometem preservar a popularíssima agenda social de Chávez, que comprou apoio com promessas e programas populistas, nem sempre honrados ou eficazes. A era Chávez pode estar chegando ao fim, mas o chavismo continua pautando o país.
MAC MARGOLIS É CORRESPONDENTE DA REVISTA NEWSWEEK NO BRASIL, COLUNISTA DO ESTADO, EDITA O SITE WWW.BRAZILINFOCUS.COMMAC MARGOLIS
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