Violência, descontração e festas: os paradoxos das favelas em uma exposição exuberante
Véronique Mortaigne
Le Monde
A polícia acaba de “pacificar” a Rocinha, o Vidigal e a Chácara do Céu, as três favelas históricas da zona sul, a mais rica do Rio de Janeiro. No dia 13 de novembro, 3 mil soldados e policiais, com o apoio de blindados, subiram por caminhos estreitos entre as casas construídas em alvenaria, desordenadamente. Essas favelas ficam nas encostas dos morros do Rio de Janeiro, com vista para os bairros chiques do Leblon, de São Conrado e da Gávea. Símbolos da “Cidade Maravilhosa”, elas abrigam meninos de rua, trombadinhas e traficantes, mas também sua cota de faxineiras e pedreiros, além de vaidosos dançarinos e percussionistas.
Famosos, os fogos de artifício multicoloridos há muito tempo são lançados por traficantes quando chega cocaína, uma maneira artística de avisar os consumidores ricos que moram lá embaixo. E como o Rio é agitado, os amantes de cerveja reunidos nos bares têm assim a possibilidade de ter longas conversas sobre violência, drogas, corrupção e o caráter sagrado das pedras portuguesas que revestem a paisagem carioca.
As ruas do Rio de Janeiro encantaram Dieter Roelstraete, curador flamengo da exposição “A Rua”, em cartaz no M HKA, o museu de arte contemporânea de Anvers, na Bélgica, a duas horas de trem de Paris. Ele reuniu obras produzidas por artistas que trabalham no Rio, que refletem esse “espetáculo das ruas” do dia a dia.
Duas séries de obras fotográficas de Joana Traub Csekö, nascida em 1978, se apegam às calçadas da cidade: em uma, “Pedras Portuguesas”, ela estuda o arranjo, a degradação e a restauração às vezes bizarras dos mosaicos pretos e brancos; na outra, “Rodas da Carioca”, ela fotografa do alto de um prédio as variações geométricas dos círculos formados pelos passantes em torno dos artistas de rua, dos praticantes de capoeira e dos pregadores religiosos, no centro da cidade. As fotos de Evandro Teixeira, pioneiro do fotojornalismo brasileiro, insinuam nessa modernidade urbana a memória da violenta repressão exercida contra os opositores do governo militar em 1968, quatro anos após o golpe de Estado de 1964.
A exposição em Anvers é livre, às vezes ao extremo. Ela começa com uma obra de Lygia Pape (1927-2004) intitulada “DNA”. São sessenta bacias em esmalte branco cheias de um líquido vermelho que evoca o sangue, colocadas sobre uma camada de feijões pretos dispostos em círculo e cercados por grãos de arroz. Arroz e feijão, o prato diário dos brasileiros, junto com a violência. Costume este que o governo de Dilma Rousseff quer erradicar, colocando os traficantes atrás das grades tendo em vista a Copa do Mundo de Futebol em 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, duas competições que serão realizadas no Brasil.
O catálogo da exposição enfatiza a imagem original do Rio, “exuberância de um carnaval ao ar livre, os corpos flexíveis que parecem sempre a caminho da praia e a preocupação latente do perigo possível” ou, mais além, “a maneira como o esplendor natural e a engenhosidade humana ali interagem”.
O vídeo é evidentemente muito utilizado pelos artistas. Sob uma espécie de tenda nômade, Ernesto Neto colocou telas, pufes e fones de ouvido a fim mergulhar dentro de “Saturday, Sunday, Monday”, descrição livre da criatividade da gente das ruas, de todas as camadas sociais, no momento do carnaval. A trilha sonora, marchinhas clássicas de carnaval repetidas em pequenos grupos, que enlouquecem e riem, as imagens de personagens maquiadas, são notáveis.
No sexto andar do M HKA, Arthur Omar, nascido em 1948, exibe “Massaker!”, um vídeo realizado em 1996 durante a turnê brasileira de Michael Jackson. Centenas de fotógrafos, cinegrafistas e jornalistas tentaram acompanhar o astro da música na favela de Santa Marta (“pacificada” em 2008), onde ele planejou gravar o clipe da música “They Don’t Care About Us” com o diretor americano Spike Lee e o grupo de percussionistas afro-baianos Olodum. Arthur Omar mistura as imagens das multidões penduradas nos estreitos terraços das casas da Santa Marta, no alto dos morros que dão vista para a baía, à espera do astro, que um helicóptero deixou no pé do morro. Arthur Omar as combinou com cenas eróticas, tomadas sobre Jackson dançando com barulhos de metralhadoras e outros frissons musicais ao fundo.
Tradução: Lana Lim
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