sexta-feira, 29 de junho de 2012

HOLLANDE COMEÇOU A COLOCAR AS "ASINHAS" DE FORA. ENQUANTO ISSO, A CRISE FINANCEIRA AUMENTA NA UNIÃO EUROPEIA

Em tensão com a Alemanha, Hollande convoca empresários do país para discutir a crise na Europa
Dominique Gallois e Frédéric Lemaître - Le Monde
Para sua primeira conversa com dirigentes de empresas, Hollande (foto) dispensou exclusividade de convidados franceses e convocou delegação alemã
“Senhor Presidente, a situação não é irreversível.” Feita por um industrial francês lembrando o atraso da França em relação à Alemanha, tal reflexão teria sido recebida com benevolência. Mas, vinda de um dirigente alemão como Gerhard Cromme, presidente dos conselhos de supervisão da Siemens e da ThyssenKrupp, ela assume toda uma outra dimensão. Sobretudo quando a declaração é feita no palácio do Eliseu antes de um almoço que reúna em torno do chefe do Estado uma dezena de dirigentes franceses e alemães, como foi o caso na segunda-feira (11).
Esse encontro teve valor simbólico. Para sua primeira conversa com presidentes de empresas, um mês após sua posse, François Hollande deliberadamente usou a ligação França-Alemanha, em vez de se limitar a receber uma delegação nacional. Uma maneira de dissociar a realidade industrial da política, num momento em que as tensões estão fortes com Angela Merkel.
Se essa iniciativa “intrigou de maneira favorável” os convidados franceses, segundo um deles, convencidos de que até então o presidente demoraria a ver chefes de empresa, para a delegação alemã foi o contrário. Esse encontro teria sido somente a continuação de uma primeira reunião organizada durante a campanha eleitoral por Jean-Louis Beffa (membro do conselho de supervisão do “Le Monde”). O ex-presidente da Saint-Gobain queria apresentar dirigentes influentes ao candidato socialista, pouco conhecido na Alemanha. Com o aval de Emmanuel Macron, sócio-diretor do Rothschild e Cie., hoje vice-secretário-geral do Eliseu, Beffa naturalmente procurou Cromme, que ele conheceu na Saint-Gobain e que é um dos dirigentes alemães mais importantes e mais francófilos.
Foi assim que, no início de março, Peter Löscher (Siemens), Paul Achleitner (Deutsche Bank), Johannes Teyssen (E.ON) e Hans Peter Keitel, presidente do BDI, o patronato alemão, jantaram em total discrição com Hollande e dois de seus assessores, Macron e Stéphane Le Foll. “Fizemos um panorama do que aconteceu na Alemanha desde a reunificação para explicar como o país enfraquecido foi colocado no caminho certo graças às reformas de Gerhard Schröder, iniciadas em 2002”, contou um dos convivas. Todos insistiram nas reformas que deviam ser conduzidas para recuperar competitividade e atratividade. Declarações bem interessantes: alguns dias antes, o candidato socialista anunciara que tributaria em 75% as rendas acima de um milhão de euros, sendo que Gerhard Schröder baixou a alíquota dos mais ricos.
Durante duas horas, Hollande ouviu. Em seguida ele assumiu a palavra para lhes falar sobre União Europeia e crescimento. Uma maneira, ele esperava, de passar mensagens a Merkel que, na época, não queria recebê-lo. Após o jantar, ele propôs repetir a conversa, uma vez eleito.
Palavra cumprida. O encontro dessa vez ocorreu no palácio do Eliseu, na forma de um almoço no dia 11 de junho. Macron chamou Beffa e cinco outros CEOs franceses: Pierre-André de Chalendar (Saint-Gobain), Gérard Mestrallet (GDF Suez), Jean-Pascal Tricoire (Schneider), Thierry Breton (Atos) e Henri de Castries (Axa), formado na mesma turma da ENA [Escola Nacional de Administração] que Hollande.
Após uma breve declaração liminar sobre a França e a Alemanha, o novo presidente abriu a conversa. Com elegância, Cromme começou lembrando que, dez anos atrás, a França estava à frente de seu vizinho em termos de competitividade, de comércio exterior e de déficit orçamentário. A Alemanha era o homem doente da Europa. A tendência depois se inverteu, mas não existe aí nenhuma fatalidade, concluiu o industrial. Seus compatriotas concordaram, ainda mais pelo fato de que Hollande dispõe de uma vantagem sobre Schröder: o tempo.
O chanceler socialdemocrata só teve dois anos para conduzir suas reformas. E foi derrotado nas eleições antes de colher seus frutos. Hollande tem cinco anos pela frente. Aproveite essa chance para ser o Schröder da França, disseram-lhe em peso seus convidados alemães.
Os presidentes de empresa franceses só puderam aprovar. Breton levou gráficos que ilustravam a aceleração da degradação ao longo de cinco anos. Cada um fez sua reflexão, mencionando a diferença dos encargos salariais entre os dois países, exaltando o modelo alemão de ensino ou a adoção do desemprego parcial e da flexibilidade das leis trabalhistas.
“Não houve nenhuma declaração polêmica, tudo foi dito de maneira construtiva”, resumiu um dos executivos. Todos concordaram, é preciso salvar o euro. Franceses e alemães insistiram na necessidade de desenvolver cooperações industriais, de lançar projetos tecnológicos em conjunto e de conduzir aproximações em todos os domínios. Embora o tom tenha sido antes de tudo industrial, os presidentes da AXA e do Deutsche Bank mencionaram os riscos induzidos pelas novas regras de solvabilidade que devem ser respeitadas pelos bancos e pelas seguradoras sobre o financiamento da economia.
“O que me surpreendeu foi o método de trabalho”, explicou um participante. “Era quase como em uma empresa, o patrão chega, levanta o problema, pede para que seus colaboradores falem e faz uma síntese”, ele avaliou. “Isso não tem nada a ver com o método Sarkozy, que tinha como única preocupação convencer seus interlocutores”, disse um outro convidado, do lado francês. Um dirigente alemão se lembrou ainda de seu espanto quando ele viu, em 2011, o ex-presidente da República receber autoridades europeias sem deixar que eles falassem em nenhum momento. “Nesse aspecto, estamos diante de um presidente que escuta e faz anotações”, confirmou um dos participantes. “E que não hesita em explicar um ou outro ponto”, concordou outro.
O tom do almoço foi descontraído e a conversa fluiu, apesar da necessidade de se recorrer a um intérprete em certos diálogos. “O presidente soube criar um bom clima”, confirmou um participante. Sobretudo quando um dirigente alemão se desculpou por não poder prosseguir em francês e continuou em inglês. O francês “é como minha esposa, senhor Presidente, eu o amo, mas não o domino”, ele brincou. A um outro convidado constrangido por só falar inglês, Hollande perguntou: “Você não tem problema com sua esposa?”
“Algumas pessoas devem ter ficado irritadas por não terem sido convidadas”, um dos convidados falou, quase exultante. “A Sra. Parisot não deve ter gostado de não ter sido convidada, sendo que seu colega alemão estava lá”, constataram vários participantes. “Nós fomos contatados, mas sua agenda não lhe permitiu estar presente”, respondeu o patronato. O presidente da Alstom, Patrick Kron, aceitou mal o fato de que sua concorrente Siemens tivesse sido convidada pelo Eliseu. “Os tempos estão mudando, antes ele era convidado o tempo todo”, ressaltou perfidamente um chefe de empresa. “Ele não estava”, respondeu a Alstom, “e ele encontra Merkal quando está na Alemanha”. Na France Telecom, assim que o almoço foi anunciado, Stéphane Richard teria procurado saber se sua concorrente, Deutsche Telekom, iria participar.
De qualquer forma, a composição da mesa “lembrava um pouco a de um conselho de administração da Saint-Gobain, com quatro deles: Jean Louis Beffa, Pierre-André de Chalendar, Gerhard Cromme e Gérard Mestrallet”, observou um participante. Sem falar no conselheiro técnico industrial do Eliseu, que também vem dessa empresa.
Após o almoço, cada um voltou para sua casa, empolgados com a qualidade da reunião, mas sem saber muito bem o que o chefe do Estado tiraria dessa conversa. E sem que um novo encontro fosse marcado.
“Todo seu problema reside no equilíbrio que deve ser encontrado entre a competitividade do país, o equilíbrio orçamentário e suas promessas de campanha”, resumem os alemães. Entre os franceses, um deles destacou o “lado surrealista” das conversas. Ele mencionou a esquizofrenia francesa e imagina como Hollande passará de seu discurso privado para seu discurso público. “Essas declarações são encorajadoras para o médio prazo”, acredita um outro, mais otimista, e “é justamente porque estamos diante dessa diferença que o diálogo é possível”.
Tradutor: Lana Lim

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