sexta-feira, 29 de junho de 2012

O ENIGMA CHAMADO MERKEL

O que Angela Merkel realmente quer da Europa
Charles Hawley - Der Spiegel
A chanceler Angela Merkel está adotando uma linha dura na crise do euro nesta semana, insistindo que o compartilhamento da dívida deve ser evitado a todo custo. Mas seu tom estridente vem do medo. No momento em que a Europa se vê à beira de reformas históricas, Berlim está perdendo o controle do debate. O idealismo e o euro podem ser as vítimas.
A charge política no “Financial Times Deutschland” na quinta-feira (28) não poderia ser mais fácil de decifrar. Ela mostra a Morte em pé ao lado de uma Angela Merkel idosa, de cama, dizendo: “Chegou a hora”. Merkel responde: “Dos títulos do euro, eu sei”.
O desenho se refere aos comentários feitos pela chanceler na tarde de terça-feira (26), durante um encontro com parlamentares pertencentes ao partido aliado de sua coalizão, o Partido Democrático Livre. Os títulos do euro, ela disse segundo os participantes da reunião, não serão introduzidos na zona do euro “enquanto eu viver”. A declaração foi amplamente interpretada como Merkel finalmente perdendo a paciência com as exigências dos países do sul da Europa para que a dívida da zona do euro seja compartilhada. Em vez de ceder, Merkel finalmente se transformou na “Angie de Ferro”.
Mas isso é realmente o que ela pretendia? Há várias indicações de que a resposta pode ser não. Primeiro e acima de tudo, a chancelaria não mediu esforços na noite de terça-feira (26) para elaborar o contexto no qual a sentença “enquanto eu viver” foi proferida. Na verdade, vários jornais, citando fontes na chancelaria, noticiaram na quinta-feira (28) que ela estava expondo as complexidades das reformas necessárias antes que uma dívida compartilhada pudesse ser introduzida. Logo, os títulos do euro seriam improváveis “em seu tempo de vida”. Em outras palavras, a chancelaria está insistindo que Merkel continua sendo a voz da calma e razão, não uma de histeria e divisão.
Além disso, em seu discurso ao Parlamento alemão na quarta-feira, sua posição a respeito dos títulos do euro era a mesma de sempre - a dívida compartilhada pode aparecer futuramente, mas apenas ao fim de um longo processo de reforma política e fiscal.
Sequestrando o debate
Ainda assim, algo mudou na chancelaria. A mensagem de Merkel se tornou mais estridente e mais urgente à medida que as exigências do sul da Europa de compartilhamento da dívida se tornam mais fortes. Não é difícil adivinhar o motivo: do ponto de vista de Merkel, a narrativa do desastre iminente ameaça sequestrar o debate.
A Espanha e a Itália, em particular, estão exigindo saber o que os líderes europeus pretendem fazer para fornecer alívio imediato ao mercado financeiro. Ambos os países estão enfrentando dificuldades diante dos custos extremamente altos de tomada de empréstimos e é improvável que a zona do euro possa socorrer ambos os países caso surja a necessidade. Eles acreditam que está surgindo uma crise existencial. Alguns veem a salvação nos títulos do euro. Outros veem a solução nos “euro bills” de prazo mais curto, em um fundo comum de amortização da dívida e alguns em todas as opções acima.
Mas para a chanceler alemã, essa discussão equivale a colocar um carro bastante explosivo à frente dos bois. Em vez disso, ela quer falar sobre reforçar a fiscalização do orçamento. Sobre uma união bancária. Sobre uma maior integração política da União Europeia. Sobre uma transferência da soberania nacional para Bruxelas. Merkel quer nada menos que uma reforma completa da UE - incluindo mudanças extensas nos tratados da União e, igualmente, nas Constituições nacionais - e ela quer que isso comece na cúpula de quinta-feira. Apenas aí, ela disse repetidamente, a ideia de uma dívida compartilhada pode ser tratada.
Resumindo, ela e outros líderes europeus parecem estar em uma conversa de surdos - e o euro pode acabar vítima da desconexão.
A convicção de Merkel de que apenas esforços de reforma fundamentais - passos concretos para a união política que os arquitetos originais da moeda comum não conseguiram implantar - podem salvar o euro a longo prazo e que foi responsável pelo ataque dela na quarta-feira (27) ao plano apresentado nesta semana pela chamada Gangue dos Quatro. O presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, o presidente do Grupo do Euro, Jean-Claude Juncker, e o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, trabalharam em um possível plano para salvar o euro.
Reformas extremamente necessárias
Mas Merkel criticou a proposta deles na quarta-feira. “Eu discordo profundamente da posição adotada no relatório, que dá prioridade à mutualização, deixando mais controle e compromissos vinculantes em segundo lugar e fraseados em termos muito imprecisos”, disse Merkel. “Há uma discrepância clara entre responsabilidade e controle neste relatório, então eu temo que a cúpula novamente converse demais sobre todos os tipos de ideias para possível compartilhamento do passivo, e muito pouco sobre melhores controles e medidas estruturais.”
O discurso dela também terminou com um ataque pouco característico: “Nosso trabalho deve convencer aqueles que perderam a confiança na zona do euro, não com soluções falsas e ilusórias, mas combatendo as causas da crise”.
Mas assim que é deixada de lado a estridência de seu discurso recente, é fácil reconhecer a mensagem que Merkel está insistindo desde os primeiros dias da crise do euro. Primeiro, reformas políticas para melhorar a responsabilidade fiscal e competitividade econômica são necessárias nos países membros da zona do euro. Então, a União Europeia em geral, e a zona do euro especificamente, deve aprofundar sua integração fiscal e política.
Com as falhas da zona do euro atualmente expostas para todos verem, Merkel parece estar à beira de conseguir um passo gigante na direção de seu sonho europeu. Quase todos os países endividados da zona do euro apresentaram reformas políticas e do mercado de trabalho abrangentes. Na quarta-feira (27), o primeiro-ministro italiano, Mario Monti, conseguiu passar a peça legislativa final de um pacote de medidas que visa liberalizar o mercado de trabalho italiano e criar empregos. Ele também implantou medidas significativas de austeridade e aumentou impostos, medidas adotadas por Portugal, Grécia e Irlanda. A Espanha está em processo de examinar as reformas extremamente necessárias de seu sistema financeiro. É claro, muitos argumentam que as economias de muitos desses países também estão sofrendo em consequência das medidas rígidas de austeridade promovidas por Merkel.
O realismo sombrio do momento
Ainda assim, parece que a história está repentinamente ao lado de Merkel. Chegar a um acordo para criação de uma união bancária europeia representaria por si só um passo imenso para a integração que a chancelaria acredita ser vital para a sobrevivência a longo prazo do euro.
A Europa, é claro, nunca chegaria tão longe sem a narrativa de desastre. Evitar o abismo sempre forneceu a motivação necessária. Agora que Merkel vê a possibilidade real de passos concretos para a união política, ela quer baixar o volume do desespero e se concentrar no idealismo.
Monti se recusa a cooperar. Sem medidas imediatas para reduzir os custos de tomada de empréstimo, a crise poderia desencadear “forças políticas dizendo ‘que a integração europeia, que o euro, que esse ou aquele grande país vão para o inferno’, o que seria um desastre para a União Europeia como um todo”.
É esse choque, entre visão de longo prazo e medo a curto prazo, que moldará a cúpula desta semana. Veremos se o idealismo de Merkel terá o poder de superar o realismo sombrio do momento.
Tradutor: George El Khouri Andolfato

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