terça-feira, 26 de junho de 2012

IMIGRANTES ISLÂMICOS SÃO SEMPRE UM PROBLEMA PARA OS ALEMÃES

Na Alemanha, mediadores islâmicos resolvem brigas entre muçulmanos imigrantes sem respeitar legislações do país
Joachim Wagner - Der Spiegel
Há anos que mediadores islâmicos vêm participando de resoluções de brigas familiares e problemas matrimoniais. Um livro recente estuda como as mulheres muçulmanas são afetadas por sua dependência de elementos da sharia, no lugar da lei alemã.
A loja de móveis de Demir, na cidade de Recklinghausen, no oeste da Alemanha, é o lugar certo para procurar móveis baratos ou, no caso de alguns muçulmanos, para procurar conselhos sobre como lidar com uma filha desobediente.
Em seu armazém de 400 metros quadrados, Haj Nur Demir, libanês de 61 anos, vende itens como escrivaninhas usadas, máquinas de lavar e poltronas. O vendedor é alto, magro, grisalho e de bigode. Além disso, ele transmite autoridade. Um bom traço para se ter em sua segunda profissão.
Demir estima ter resolvido mais de 2.000 conflitos de famílias muçulmanas na Alemanha e no Líbano desde 1972. Algumas vezes, Demir apenas fornece informações por telefone e outras vezes ele praticamente tem que se meter entre as partes para impedi-las de partirem para as vias de fato.
Os clientes típicos de Demir são maridos cujas esposas os deixaram e pais de casais que estão com problemas. Muitas vezes, eles reclamam sobre suas esposas e filhas, muçulmanas que se rebelam contra os castigos físicos ou querem se libertar das limitações do casamento, mesmo quando têm filhos.
Primeiro, Demir fala com os pais e depois com os casais. O objetivo final, diz Demir, é manter a família unida. Ele fala para os maridos tratarem melhor suas esposas e não recorrerem à violência e explica às mulheres que, divorciadas com filhos, não encontrarão um novo marido em sua comunidade. No final das missões de Demir, as mulheres em geral voltam para os maridos.
Demir tem autoridade, mas não tem treinamento legal. Homens como ele estabeleceram nos últimos anos um sistema de justiça da família paralelo na Alemanha. Imames, arbitradores e os chamados juízes de paz entram em cena antes das cortes alemãs se envolverem. Eles celebram casamentos e divórcios e propõem regras para a custódia dos filhos. Eles também tentam convencer as mulheres e meninas que se rebelam contra suas famílias a voltarem ou permanecerem em casa.
Uma tradição importada
Imigrantes da Turquia e das nações árabes importaram a arbitração para a Alemanha. Ela se baseia em uma tradição legal islâmica de mil anos, enraizada nos costumes e no Alcorão. Em casos de briga marital, por exemplo, o Alcorão pede "um árbitro da família dele e outro da família dela".
Os yazidis, os romas e os albaneses têm tradições de arbitragem similares. Algumas vezes, há conversas de paz por meses antes de o mediador tomar uma decisão, que então tem o efeito de uma decisão legal. Por exemplo, uma filha que fugiu para o abrigo feminino volta para a casa dos pais e recebe permissão para iniciar programas de treinamento vocacional, enquanto uma filha grávida tem que se casar e mudar-se para a casa da família do namorado.
Tudo isso se passa quase sem ser notado pelo público em geral. Na semana passada, a polícia alemã chegou às manchetes quando conduziu uma operação contra os islâmicos radicais. O ministro do interior, Hans-Peter Friedrich, membro da União Social Cristã, disse: "Os salafistas perseguem o objetivo de superar o Estado constitucional democrático em favor de uma ordem que, de acordo com seus padrões, é 'ordenada por Deus'". Os salafistas querem uma teocracia na qual a sharia é a lei.
Pessoas como o arbitrador Demir não estão lutando agressivamente contra o Estado constitucional ou a Constituição. Mas será que seu sistema paralelo de Justiça é compatível com a Constituição alemã? Os juízes muçulmanos das sombras estão protegendo as estruturas patriarcais de uma cultura cujos proponentes não estão verdadeiramente interessados em se tornar integrados na Alemanha. A maior parte dos árbitros toleram restrições dos direitos básicos das mulheres e instam as mulheres a aceitarem essas restrições.
"Dois sistemas legais"
Arnold Mengelkoch, autoridade responsável pelos assuntos de imigrantes no distrito de Neukölln, em Berlim, está familiarizado com o "sistema de justiça familiar informal islâmico" de seu bairro. Ele estima que 10 a 15% dos muçulmanos na comunidade conservadora religiosa usam o sistema para resolver seus conflitos.
"Há dois sistemas legais, um alemão e outro islâmico, que coloca as mulheres em desvantagem", diz Sabine Scholz, advogado de direito da família na cidade de Flensburg.
Para alguns imigrantes muçulmanos, a lei islâmica é mais importante do que a lei alemã. Mathias Rohe, especialista em direito na cidade de Erlangen na Baviera, encontrou casos em seus estudos de campo "nos quais as partes muçulmanas celebraram casamentos ou divórcios, por exemplo, exclusivamente de acordo com as normas tradicionais islâmicas".
Alguns muçulmanos não confiam nas organizações do governo, diz Rohe, que se vê como um intermediário entre as culturas legais alemã e islâmica. De acordo com Rohe, algumas pessoas estão tentando "estabelecer uma estrutura religiosa paralela, porque eles não querem se submeter a instituições de um Estado secular não islâmico".
Como resultado, imames e mediadores em Berlim, nos Estados de Renânia do Norte-Vestfália e de Schleswig-Holstein, aplicam a sharia diariamente, apesar de algumas vezes ser incompatível com a Constituição e o direito de família alemão. Em particular, a lei islâmica discrimina a mulher das seguintes formas:
- Elas não podem se casar com não muçulmanos;
- Em uma arbitragem, a unidade da família tem precedência sobre o direito da mulher de autodeterminação, mesmo em casos envolvendo violência;
- Em casos de divórcio, a custódia dos filhos é unicamente do homem;
- A poligamia e os casamentos com menores são permitidos; sob a lei alemã, meninas de 16 anos só podem se casar com a permissão da justiça da família.
Casamentos forçados
Algumas vezes, contudo, os juízes muçulmanos se dispõem a estender a sharia. A lei islâmica rejeita os casamentos forçados, que têm suas raízes nas antigas tradições. Mas os clérigos muitas vezes não tem o menor problema em casar menores de idade, mesmo contra sua vontade.
A Terres de Femmes, uma organização dedicada a proteger as mulheres, vê frequentemente meninas de 14 e 15 anos, especialmente curdas e albanesas, serem casadas por imames.
De acordo com um atual estudo do Ministério de Assuntos da Família, chamado "O casamento forçado na Alemanha", 53% dos que foram casados ou seriam casados por imames tinham menos de 18 anos. Rosa Halide M., que administra um abrigo para meninas muçulmanas em Stutgart, "nunca viu um imame impedir um casamento forçado". De acordo com um representante da Terres des Femmes, na grande maioria dos casos, "o imame é apenas mais um instrumento para a família aplicar pressão sobre a menina para que se case ".
Ferid Heider, 33, teólogo islâmico de Berlim e filho de pai iraquiano e mãe polonesa alemã, é uma exceção. Ele diz que enfatiza um "islã moderado". Sentado em uma mesquita improvisada no distrito de Wedding, Heider conta que quer pôr um fim à tradição dos casamentos forçados. Como esses casamentos "raramente têm futuro", ele diz que tenta conversar com as mulheres sozinhas antes do casamento, sem os pais, para advertir contra a união forçada.
Ainda assim, a vontade dos pais toma precedência sobre a do homem e a mulher que estão prestes a se casar, mesmo para Heider. Ele recentemente dissuadiu uma mulher somali de casar-se com um alemão convertido contra a vontade do pai. O casamento teria sido permitido sob a lei da sharia.
"Você não pode atentar apenas para o que é possível sob a lei islâmica", diz Heider. "Você também tem que levar em conta as consequências sociais". O pai queria que a filha se casasse com um primo.
Armadilha
Heider diz que sempre aconselha os casais a também fazerem uma cerimônia civil, mas muitos casamentos entre muçulmanos são celebrados apenas como cerimônias religiosas islâmicas. Pessoas informadas sobre o assunto, como os consultores Kazim Erdogan e Abed Chaaban, estimam que os imames fazem de 10 a 20% dos casamentos em seu distrito de Neukölln em Berlim.
Esta é uma armadilha para muitas mulheres, porque elas não são consideradas casadas pela lei alemã. Elas não podem pedir alimony, os bens da família em geral pertencem ao marido e os filhos são considerados nascidos fora do matrimônio.
Sob a sharia, a pessoa nem precisa ser imame para celebrar esses casamentos. Qualquer muçulmano que goze de boa reputação pode casar os casais, desde que possa proferir os votos do casamento. Escritórios de casamento, nos quais pessoas que se dizem imames cobram uma taxa por seus serviços são um negócio próspero em Berlim. O teólogo Heider estima que "até 20% de todos os casamentos muçulmanos são celebrados por essas pessoas duvidosas". Oficialmente, a taxa muitas vezes é chamada de doação.
Ali Chahrour, diretor da Sociedade Mostafa pela Integração e Direitos das Mulheres, celebra esses casamentos. A sociedade tem sua sede em uma pequena loja em Sonnenallee, em Neukölln. Chahrour diz que é registrado como celebrador de casamentos em uma "corte islâmica xiita" no Líbano, o que significa que ele apenas celebra casamentos entre libaneses ou alemães nascidos libaneses.
Poligamia na Alemanha
Chahrour, que é soldador, diz que celebrar casamentos "é fácil". A mulher precisa apresentar um documento alemão ou libanês provando que não é casada e seu pai deve consentir com o casamento, mesmo que a mulher seja maior de idade. O homem, por outro lado, só precisa mostrar uma identidade, mas não precisa provar que é solteiro. Isso não é surpreendente, já que a sharia permite que um homem tenha até quatro mulheres.
Não há números oficiais, mas o consultor da área da família em Berlim, Chaaban, estima que cerca de 30% de todos os homens nascidos árabes na capital alemã têm duas esposas. Advogados especialistas em direito familiar também conhecem esses casos.
Os homens raramente moram com várias esposas sob o mesmo teto. Em geral, mantêm em segredo a segunda esposa, com a qual casaram apenas sob a lei islâmica. Graças ao Estado de bem estar social, os homens frequentemente não têm obrigações relativas ao segundo casamento. Sob a lei alemã, as mulheres são tratadas como mães solteiras e, se não puderem se sustentar, recebem benefícios do programa de reforma Hartz IV.
O advogado de família Scholz conta a história de uma muçulmana de Flensburg, que por anos não soube que era a segunda mulher. Ela tinha sido casada apenas pelo imame, e seu marido tinha outra mulher, com quem já tinha quatro filhos. Com os oito filhos dela, a segunda mulher recebia tanto dinheiro de subsídios de residência, creche e educação que ela nem teve que pedir os benefícios do Hartz IV.
O marido conseguiu manter os dois casamentos em segredo até que os filhos dos dois casamentos foram para a mesma escola e descobriram que tinham o mesmo pai. A segunda mulher hoje mora em um abrigo para mulheres.
"Algo nos escapou"
Em 2009, os políticos alemães tornaram ainda mais difícil para as jovens muçulmanas resistirem ao casamento forçado. Sob uma emenda à lei de estado civil, qualquer casamento protestante, católico ou islâmico hoje pode acontecer antes da cerimônia civil. Apesar de parecer uma medida inofensiva, é desastrosa para as meninas que serão casadas contra sua vontade.
O casamento islâmico pode ocorrer sem as autoridades alemãs saberem. Aos olhos das famílias, o casamento foi contraído e não há volta para a menina. "Algo nos escapou", admite Dieter Wieflspütz, legislador social democrático (SPD) e especialista em direito. O Terres des Femmes está pedindo a volta rápida à antiga lei.
Em fevereiro, o político do SPD Jochen Harloff, ministro da justiça do Estado de Renânia Palatinado, publicamente ponderou a possibilidade dos "arbitradores islâmicos" aplicarem "conceitos legais islâmicos" ao direito civil alemão.
Após a revolta pública, Hartloff esclareceu sua posição, dizendo que não "defendia a sharia" nem acreditava que "juízes da sharia eram concebíveis". Ele insistiu que só estava falando de "resolução de disputas não legais, influenciadas pela legislação formatada pelo islã". Hartloff aparentemente não sabia que isso já vinha acontecendo na Alemanha há muito tempo.
Mas Hartloff foi aplaudido pelo diretor do Conselho Central de Muçulmanos na Alemanha. "A resolução de conflitos extrajudiciais deve ser bem recebida", diz Aiman Mazyek, "porque alivia a carga da justiça e muitas vezes consegue manter as partes envolvidas satisfeitas de forma mais duradoura". O consultor Chaaban de Neukölln também diz que sua mediação tem sucesso em 80% dos casos. Um imame de Essen estima seu índice de sucesso em 70%.
Aumento da violência
A carga sobre a justiça alemã de fato é reduzida, mas e os custos? Muitas mulheres têm que obedecer quando os imames são envolvidos, e a violência muitas vezes sai de controle depois disso. A arbitragem poderia ser o primeiro passo em direção à adoção de uma justiça própria e a uma atitude de independência, que dita que os muçulmanos podem resolver seus próprios problemas.
Em casos isolados, os conflitos das famílias podem se intensificar e assumir a forma extremada de justiça própria chamada morte por honra. De acordo com um estudo do Escritório Federal de Investigação Criminal, há de sete a 10 casos assim por ano na Alemanha, apesar de os especialistas suspeitarem que o número é muito maior.
Os casos não tão espetaculares são muito mais comuns. Em Berlim, uma curda recentemente procurou um advogado para pedir o divórcio. Ela disse que o marido batia nela. Depois de semanas, o marido ligou e pediu a conta, dizendo que, em uma conferência com a família na Turquia, foi decidido que o casal deveria primeiro tentar acertar as coisas. A mulher contatou o advogado novamente após duas semanas, desta vez com o nariz quebrado.
Muitos especialistas têm uma péssima opinião sobre os arbitradores, especialmente no que concerne o casamento forçado. "Qualquer forma de mediação com as famílias das vítimas é extremamente perigosa", afirma um livreto do Senado de Hamburgo, chamado "Ativos contra o casamento forçado". A prática mostra que a "mediação expõe as vítimas a um alto nível de risco e, em casos extremos, pode levar à violência e à morte em nome da honra".
Reunindo informações
Em negociações sobre como estabelecer ajuda para as mulheres muçulmanas no âmbito da UE, o governo britânico disse que não vai concordar com uma recomendação "que defenda de forma alguma a mediação como forma de resolver casos de casamento forçado".
Especialistas jurídicos alemães ainda estão examinando a questão. O Ministério da Justiça da Baviera estabeleceu uma força tarefa paralela para reunir mais informações. O Parlamento de Berlim fez audiências com especialistas para saber se o fenômeno precisava ser mais investigado.
A ministra da Justiça, Sabine Leutheusser-Schnarrenberger, do Partido Democrático Livre (FDP), adverte sobre a existência de um sistema jurídico paralelo, e o ministério está estabelecendo sua posição sobre a sharia. Os advogados e membros do ministério querem saber mais sobre os juízes amadores como o vendedor de móveis Demir, de Recklinghausen.
Algumas vezes, Demir faz grande esforço para empurrar as jovens para uma vida que elas não querem. Em um destes casos, por exemplo, uma mulher se apaixonou, apesar do seu tio já tê-la escolhido como esposa para seu filho e de seu pai ter concordado. Demir viajou entre Höxter, Hildestheim e Recklinghausen 30 vezes como mediador. No final, a menina cedeu à pressão dos três homens.
Tradutor: Deborah Weinberg

Nenhum comentário: