quarta-feira, 27 de junho de 2012

OS EUROPEUS TERÃO QUE MUDAR SEU ESTILO DE VIDA

Crise do euro ameaça o estilo de vida europeu
Konstantin von Hammerstein, Ralf Neukirch e Christoph Schult - Der Spiegel
Os líderes europeus vêm fazendo trapalhadas em vez de resolverem adequadamente a crise da dívida. Esta já está ameaçando as próprias fundações da União Europeia e poderia destruir um estilo de vida que milhões de europeus assumem como garantido. Contudo, as altas expectativas para a reunião de cúpula desta semana em Bruxelas certamente trarão desapontamentos.
Não está claro o que Meles Zenawi costumava pensar sobre a Europa. O primeiro-ministro da Etiópia controla um regime autoritário em um dos países mais pobres da Terra, localizado no Leste da África, uma região onde os conflitos étnicos em geral são resolvidos com Kalashnikovs. Para um homem como Zenawi, a Europa rica e pacífica deve ser uma ilha de abençoados -ou foi.
A opinião de Zenawi do velho continente provavelmente mudou nas últimas semana. O líder etíope, participando de um jantar organizado pelo exclusivo clube dos países mais industrializados e países em desenvolvimento em Los Cabos, México, ficou impressionado com o que ouviu.
As portas da sala de jantar mal tinham se fechado e os representantes europeus já tinham começado a dar a seus colegas de outros continentes uma manifestação de como estão impotentes e divididos. A humilhação começou com uma simples pergunta do anfitrião, o presidente mexicano Felipe Calderon. Ele queria saber o que os europeus pretendiam fazer para controlar as altas taxas de juros que o governo espanhol tem que pagar em seus bônus.
É uma questão importante, replicou o primeiro-ministro italiano Mario Monti, cujo país também está tendo grande dificuldade em patrocinar sua dívida com as taxas de juros sustentáveis no mercado. Ele propôs que o fundo do resgate do euro comprasse os bônus no mercado secundário.
Fora de questão, respondeu duramente a chanceler alemã, Angela Merkel. Mas por que não, quis saber seu colega espanhol. Então, o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, reclamou da injustiça que a crise esteja afetando seu país, dado que os espanhóis são "pessoas que trabalham duro" e se levantam "às 7h toda manhã".
No final, foi o primeiro-ministro britânico David Cameron que disse o que muitas pessoas na sala estavam pensando. Ele apontou que o euro não é irreversível e que um fracasso da moeda comum é bem concebível. O presidente francês, François Hollande, tentou minimizar as observações de Cameron, mas ninguém mais se convenceu.

Briga na frente dos líderes mundiais
Em cera de meia hora, Zenawi e alguns de seus colegas provavelmente descobriram mais sobre a Europa do que gostariam. A União Europeia está no meio da pior crise da sua história, a moeda comum está correndo o risco de se romper e os líderes das nações europeias mais importantes estão brigando na frente de seus colegas de cinco continentes.
Todo mundo sabe o que está em jogo. "Se o euro fracassar, a Europa fracassará", disse a chanceler alemã Angela Merkel em um discurso de maio de 2010, na cidade alemã de Aachen. Desde então, os europeus se reuniram várias vezes e prometeram somas de dinheiro cada vez maiores, em uma tentativa de controlar a situação, que só piorou.
Hoje, quase ninguém aposta que a Grécia permanecerá na zona do euro por muito tempo. A Espanha, quarta maior economia da zona do euro, está em vias de colapso financeiro e foi forçada a pedir um resgate, como a Grécia, Irlanda, Portugal e agora o Chipre fizeram.
Isso significa que quase um terço dos 17 membros da zona do euro não podem mais se financiar com empréstimos nos mercados. A situação é tão dramática que o primeiro-ministro italiano, Monti, já está prevendo que o destino do euro será decidido em 10 dias.
Abalo na fundação
Como um fungo perigoso, a crise dentro da moeda comum ameaça abalar as fundações da Europa. Agora, está em jogo todo um estilo de vida, que milhões de europeus assumiram como garantido nas últimas décadas.
Hoje em dia, não é incomum que jovens alemães, poloneses e portugueses estudem em universidades de outros países europeus. Eles nunca viram barreiras alfandegárias nas fronteiras internas da Europa. Eles só precisam trocar dinheiro quando viajam para lugares como Vietnã e Malawi.
As pessoas podem viver, trabalhar e estudar em outros países europeus, se quiserem. O continente, devastado repetidamente por guerras durante os séculos, cresceu unido a um nível que grandes estadistas pró-Europa, como Jean Monnet e o ex-chanceler alemão Konrad Adenauer, nem poderiam imaginar nos anos 50.
O sonho europeu estará prestes a desmoronar? Mesmo um homem equilibrado e cauteloso como o ministro das finanças alemão, Wolfgang Schäuble, não está inteiramente seguro que a União Europeia sobreviverá ao possível colapso da união monetária. Muitas coisas poderão ser questionadas, disse o ministro em entrevista ao "Spiegel", "desde o mercado comum até a liberdade de viagem pela Europa".

Alto risco
Os países da UE ainda constituem juntos a maior economia do mundo. Eles ainda conseguem competir com os EUA e os poderes asiáticos em ascensão, como a China e a Índia. E eles ainda têm acesso a recursos valiosos, aos quais devem sua prosperidade.
Mas a globalização não para, e os dados demográficos não são a favor da Europa. Os europeus hoje são 7,2% da população mundial, mas em 2060, serão apenas 5,3%.
Foi por isso que os europeus "coletivizaram" há muito tempo tarefas importantes como a política comercial. É a única forma de reunirem peso suficiente na escala política mundial para competirem com outros gigantes. Sem a ajuda de seus vizinhos, mesmo um grande país como a Alemanha teria dificuldades de competir internacionalmente.
É isso que está em jogo quando os líderes debatem o futuro da Europa. Os riscos são grandes. Um colapso do euro ameaçaria o mundo que os europeus passaram a conhecer e a apreciar nas últimas décadas. Os líderes europeus sabem disso, mas até agora foram incapazes de concordar com uma estratégia.
O mundo todo está olhando para a Europa. A crise no continente foi a questão número um na reunião do G-20 em Los Cabos, no México. Por vezes, o ponto de vista externo é mais frio e mais sóbrio do que o interno.

Ajuste de contas
O presidente norte-americano, Barack Obama, deu o tom quando disse que o mundo não mais está preocupado com Wall Street, e sim com a Europa. "Todo país nesta mesa observa o que está acontecendo na Europa", disse Obama. Ele elogiou a chanceler alemã, Angela Merkel, por seu papel de liderança na crise, mas também insistiu que era hora de "avançar corajosamente".
De acordo com os participantes, o que se seguiu foi um ajuste de contas sem precedentes em relação à abordagem da crise até hoje. Raramente os chefes de Estado reunidos foram tão unânimes em sua avaliação. O primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, advertiu que a crise na zona do euro constituía a "maior incerteza" da economia mundial. Ele disse que estava preocupado que as proteções não seriam "suficientes para controlar o risco de contágio".
O primeiro-ministro canadense, Stephen Harper, disse que os passos tomados pelos europeus até agora não estão convencendo os mercados e que está faltando uma "reação coletiva e ampla" por parte da Europa.
Os sul-americanos também chegaram a um veredito devastador. A união monetária europeia não está funcionando, disse a presidente da Argentina, Cristina Fernandez de Kirchner. E a presidente do Brasil, Dilma Russeff, resumiu o grande desagrado do grupo, caracterizando os esforços dos europeus como "poucos demais, tarde demais".

A dupla prejudicada
A principal razão que os europeus estão lidando com a crise de forma tão inepta é que o continente continua dividido em uma questão central. Alguns países, como Alemanha, Holanda e Finlândia insistem em disciplina fiscal, enquanto a maior parte dos outros países está pedindo transferências financeiras dos ricos no Norte para os pobres no Sul.
A chanceler alemã chefia o primeiro grupo, enquanto o presidente da França, François Hollande, é líder do segundo. Como resultado, a dupla da França e Alemanha, que costumava estabelecer a direção na Europa, agora está prejudicada, com a saída do presidente francês Nicolas Sarkozy.
Na reunião do G-20 em Los Cabos, os líderes da Europa nem tentaram esconder essa divisão. "Precisamos de disciplina fiscal porque temos um problema de dívida", exigiu Merkel. Seu adversário, Hollande, por outro lado, advertiu que uma política de austeridade rígida demais levaria à recessão.
O encontro entre Merkel, Hollande, Mario Monti e Mariano Rajoy na última sexta-feira (22), tampouco gerou um acordo nas principais questões. Hollande quer coletivizar as dívidas na zona do euro o máximo possível. Merkel é contra, porque a Alemanha teria que fazer a maior contribuição. Merkel só estaria disposta a fazer concessões se os países individuais concordassem em entregar uma parcela substancial de sua soberania em questões orçamentárias para Bruxelas, disse ela. Hollande quer precisamente a abordagem contrária, como enfatizou em Roma. Para cada item de soberania transferido, a Alemanha deve dar um passo para se tornar mais solidária, exigiu o presidente socialista.
Uma batalha pelo domínio da Europa
O conflito entre os dois líderes se estende bem além de questões de política. Hollande fez uma campanha eleitoral contra o domínio da Europa pela Alemanha. Como resultado, ele se tornou a voz dos países do Sul da Europa, que se opõem fortemente às políticas de austeridade alemãs. Hollande parece gostar desse papel.
"Estávamos errados quando pensamos que Hollande voltaria a buscar um meio termo após as eleições", diz uma alta autoridade em Berlim. "Hoje, ele aparentemente quer demonstrar que a França é o principal poder na Europa".
Merkel se ressente do francês por reunir aliados contra ela na UE e até na Alemanha e por levar a luta partidária para os corpos governantes da Europa. Parece que os alemães e franceses estão prestes a embarcar em uma batalha pelo domínio da Europa -e isso tudo no meio de uma séria crise.
Os participantes da reunião do G-20 instaram seus colegas europeus a colocarem de lado suas diferenças. O presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, exortou os europeus a se acertarem, no lugar de agravarem a situação.
Os líderes mundiais reunidos pediram que Merkel, Hollande e os outros finalmente apresentassem uma solução na reunião da UE em Bruxelas no final da semana. Eles têm "altas expectativas" para a reunião, disse o presidente da Coreia do Sul, Lee Myung-bak.
Propostas amplas
Os diretores de quatro instituições da UE -o presidente do Conselho da Europa, Herman Van Rompuy, o presidente do Grupo do Euro, Jean-Claude Juncker, o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso e o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi- enviaram aos 27 governos uma proposta de ampla reforma. Eles propõem uma reorganização grande na política econômica europeia em quatro áreas:
- União bancária: em um primeiro passo, os fundos de segurança de depósitos nacionais poderiam ser combinados para formarem um fundo europeu. Esse fundo depois seria acrescido por uma tarifa bancária europeia. No futuro, o dinheiro também poderia ser usado para ajudar bancos em dificuldades. Segundo a proposta dos quatro líderes, uma nova agência fiscalizadora seria criada para regular não apenas os grandes bancos, mas todas as instituições financeiras. A nova agência ficaria no BCE.
- Fundo de resgate do euro: o Mecanismo de Estabilidade Europeu receberia o poder de financiar os bancos diretamente. Isso eliminaria a necessidade dos países individuais pedirem fundos de resgate e cumprirem exigências adicionais.
- Dívida comum: para reduzir as dívidas dos governos, os autores recomendaram que um fundo de redenção da dívida pagasse as dívidas preexistentes, como proposto pelo Conselho Alemão de Especialistas em Economia. No longo prazo, contudo, as quatro altas autoridades da UE querem um modelo diferente, no qual nenhum país da zona do euro tenha permissão de assumir novas dívidas sem o consentimento dos outros. Eles também propõem uma agência de dívidas europeia.
- União fiscal: a proposta envolve a introdução de um imposto sobre transações financeiras e um imposto corporativo uniforme.
Apesar de Van Rompuy e seus colegas terem evitado termos potencialmente controversos como "transferência de soberania" e "bônus do euro", suas propostas têm pouca chance de sucesso. Os alemães se opõem estritamente a assumir a responsabilidade por países mais fracos, a não ser que esta venha acompanhada de um controle político coletivo.
Por esta razão, Berlim fará tudo o que puder para enfraquecer o relatório da reunião da UE no final da semana. Como há poucas esperanças que decisões concretas sejam tomadas, a reunião de Bruxelas pode já ser vista como um fracasso. As expectativas são tão grandes que certamente não serão alcançadas.
Os europeus têm décadas de experiência em manobrar as crises com montanhas de papéis e com forças tarefas. O quarteto de presidentes também está preparado para essa abordagem. Os quatro homens assumem que os líderes europeus vão estender seu mandato. Os planos envolvem mais um relatório no outono e uma reforma da união monetária no papel até dezembro -talvez.
Não se sabe se o euro ainda existirá na atual forma. A Grécia, de qualquer forma, talvez já tenha deixado a moeda comum.
Alívio que se evapora
O alívio com a vitória eleitoral do partido pró-reforma Nova Democracia, na Grécia, deu lugar ao desapontamento em poucos dias. O novo primeiro-ministro grego, Antonis Samaras, mal tinha tomado posse e já negou sua promessa de aderir aos compromissos feitos com a UE e o Fundo Monetário Internacional. O programa de resgate teria que ser estendido por mais dois anos, disse ele aos seus colegas da zona do euro. Mas isso provavelmente custaria pelo menos 50 bilhões de euros (em torno de R$ 120 bilhões).
A maior parte dos 16 ministros de finanças do euro reunidos em Luxemburgo na última quinta-feira (21) não teve pena de Atenas e disse apenas que, aparentemente, os gregos ainda não perceberam a gravidade da sua situação.
Ironicamente, o novo ministro das finanças grego, Vasilios Rapanos, não participou da reunião, mas ele tinha uma desculpa. Rapanos -que desde então renunciou- pediu à sua equipe que informasse aos outros ministros que precisava de mais tempo para se familiarizar com a complicada questão.
Tradutor: Deborah Weinberg

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