sábado, 27 de setembro de 2014

Com ação contra Estado Islâmico, Obama rompe ciclo de falta de ação na ordem mundial
Roger Cohen - NYT 
Kevin Lamarque/Reuters
Barack Obama discursa em assembleia da ONU, na quinta-feira (25) Barack Obama discursa em assembleia da ONU, na quinta-feira (25)
O presidente Obama, em um discurso na Assembleia Geral da ONU, apresentou um quadro poderoso de um mundo à beira do abismo, dividido entre forças de integração e desintegração, unido pela mesma tecnologia também utilizada para transmitir imagens de decapitações medievais, cheio de um "desconforto generalizado", apesar do progresso material e científico, obrigado no centenário do início da Primeira Guerra Mundial a olhar novamente para "o coração das trevas".
Foi um discurso forte de um presidente incitado pelas expressões hesitantes de uma temporada de incerteza, pelo avanço repentino de uma organização saída da carnificina na Síria e que chama a si mesma de EI (Estado Islâmico). "A única linguagem entendida por assassinos como esses é a linguagem da força", disse Obama. Ele prometeu desmontar "essa rede de morte" por meio de ação militar e voltar as redes sociais contra os propagandistas do EI que as utilizam eficazmente.
No mesmo dia, um guia de montanha francês, Hervé Gourdel, foi decapitado na Argélia por um grupo jihadista que jurou fidelidade ao EI neste mês. Se serão as palavras do presidente ou essas imagens potentes de selvageria que terão maior impacto global é uma questão em aberto, que aponta para as dificuldades da missão delineada por Obama e para a natureza vertiginosa de um mundo pós-hierárquico.
Obama, um líder com inclinação para retirar os Estados Unidos de uma guerra sem vitória no Oriente Médio, não esperava se ver a três quartos do caminho de sua presidência fazendo um chamado às armas para uma nova luta contra o EI no Iraque e na Síria. O mundo, um quarto de século após a queda do Muro de Berlim, não esperava se ver no que Obama chamou de "encruzilhada entre a guerra e a paz". As esperanças, tão recentes, da Primavera Árabe não pareciam destinadas a um rápido sufocamento. A ordem liberal e democrática do Ocidente não parecia vulnerável em um momento de abertura provocada pela tecnologia.
Como então surgiu esse "desconforto generalizado"? Os riscos de um sistema global em transição do poder de ordem dos Estados Unidos para algo ainda não definido foram subestimados. O potencial da globalização incitar novas formas de nacionalismo --a própria afirmação da identidade contra forças abstratas-- não foi plenamente apreciado. O apodrecimento social e a divisão sectária que se espalha pelo mundo árabe, que estiveram congelados por décadas em despotismo, eram bem maiores do que o imaginado. O colapso financeiro de 2008 e a percepção do fracasso das democracias distorcidas pelo dinheiro levantaram questões duradouras sobre o modelo ocidental.
Por algum tempo, Obama parecia caminhar como um sonâmbulo em meio a esse desmoronamento, como se resignado com o papel mais limitado dos Estados Unidos. "O mundo sempre foi complicado", ele disse em agosto, soando quase como um transeunte. Sua tentativa de calibrar cada ação, como se um resultado perfeito fosse possível, resultou em inação. Vladimir Putin viu isso. O EI viu isso. Agora ele despertou para a necessidade da liderança e firmeza americana. É um despertar tardio, mas importante. A Síria demonstrou como a inação pode ser mais perigosa do que um uso focado da força, e o vácuo é o melhor incubador de terrorismo.
"Nenhuma queixa justifica essas ações. Não pode haver argumentação --não pode haver negociação-- com esse tipo de mal", disse Obama, acrescentando: "Neste esforço, nós não agimos sozinhos, nem pretendemos enviar tropas americanas para ocupar terras estrangeiras. Em vez disso, nós apoiaremos os iraquianos e sírios que estão lutando para retomar suas comunidades. Nós usaremos nosso poderio militar em uma campanha de ataques aéreos para fazer o EI retroceder. Nós treinaremos e equiparemos as forças que lutam contra esses terroristas em solo".
É fundamental para essa luta que os Estados árabes sunitas a partir dos quais o EI cresceu, e de cujo financiamento se beneficiou, estejam à frente na luta para deter os autores de massacres e decapitações vestidos de preto. Apenas os árabes podem extirpar esse câncer, uma luta que exigirá honestidade e prestação de contas ainda não vistas em suas sociedades de evasão. Obama estava certo em apontar uma farpa afiada para a Arábia Saudita: "É hora de acabar com a hipocrisia daqueles que acumulam riqueza por meio da economia global e então canalizam fundos para aqueles que ensinam crianças a destruí-la".
Ele também estava certo em apontar para uma falha central dos países árabes: "Se os jovens vivem em lugares onde a única opção é entre o que é ditado pelo Estado ou pela atração de uma clandestinidade extremista, então nenhuma estratégia de contraterrorismo será bem-sucedida. Mas onde é permitido que uma sociedade civil genuína floresça --onde as pessoas podem expressar suas opiniões, e se organizarem pacificamente por uma vida melhor-- então as alternativas ao terror são dramaticamente expandidas".
A esperança central da Primavera Árabe era de que poderia oferecer precisamente essa saída da ditadura ou jihadismo. Obama, em seu longo período de hesitação, não ajudou nessa causa. Ele a minou. Mas a causa ainda existe e é mais bem servida pela nova determinação do presidente.  
Tradutor: George El Khouri Andolfato

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