terça-feira, 30 de setembro de 2014

Creta encontra sua identidade ao permanecer unida à Grécia
Nikos Konstandaras - TINYT
Até mesmo um povo ferozmente independente e rebelde pode sentir a atração do pertencimento.
O acalorado debate na Escócia sobre a questão da independência, a onda de nacionalismo catalão, a guerra separatista na Ucrânia --tudo isso me faz pensar sobre as marés que levam as nações na direção da união ou da separação, e da longa batalha da ilha onde moro para se unir à Grécia um século atrás.
Creta conseguiu se juntar à Grécia em 1913, depois de uma série de rebeliões contra o decadente Império Otomano, tendo rejeitado repetidas vezes a autonomia que grandes potências da Europa ofereciam como alternativa. Seu grito de guerra, "União ou Morte", estava a um mundo de distância do gentil "Aye or Nae" [Sim ou Não] do referendo escocês na última quinta-feira, mas as duas lutas têm o mesmo objetivo: preservar a identidade e conquistar uma maior segurança.
Os cretenses lutaram pela liberdade com valentia porém inutilmente por séculos --após passar para o domínio veneziano no século 13 e, depois de 1669, como súditos otomanos. Eles sabiam que em sua parte do mundo, a segurança não está na autonomia mas sim em fazer parte de um grupo maior com o qual possam se identificar. Em seu caso, era o estado grego, estabelecido em 1830 no final de uma guerra de libertação de nove anos contra os turcos.
Mas as grandes potências europeias não permitiram que Creta se juntasse à Grécia recém-independente por seus próprios motivos, todas elas preferiam o status quo. Isso resultou em uma luta contínua entre os cristãos e muçulmanos da ilha. As grandes potências concederam a autonomia em 1908, e Creta finalmente se juntou à Grécia cinco anos mais tarde.
Os cretenses estavam tão ansiosos pela união que não se intimidaram pela falência da Grécia em 1893, ou por sua derrota em uma guerra de 1897 contra a Turquia, ou pelo fato de sua economia estar sob supervisão internacional (como é o caso, novamente, desde 2010). Os cretenses sabiam que sempre estariam em perigo se não se tornassem parte de algo maior.
"A única solução real para o nosso problema seria a união com a Grécia", explicou o líder rebelde Eleutherios Venizelos ao general italiano cujos navios faziam parte de uma força internacional que bloqueou a ilha em 1897. No início daquele ano, navios da marilha italiana, inglesa, francesa e russa bombardearam posições rebeldes e bloquearam as forças gregas, impedindo-as de entrar na ilha, sobretudo para evitar que elas provocassem os turcos.
"Mas", continua Venizelos, "somos obrigados a nos adaptar às decisões das potências e aceitar a autonomia prometida, como uma nova parada no caminho para conquistar nosso objetivo nacional." Venizelos ganhou tanta credibilidade com sua liderança que se tornou o primeiro-ministro da Grécia em 1910, três anos antes de a união ser alcançada.
Em 1923, os últimos muçulmanos de Creta deixaram a ilha em uma grande migração de populações, depois de outra guerra entre a Grécia e a Turquia.
Os cretenses tinham lutado duro por sua liberdade, e embora ainda tenham um forte orgulho daquilo que os distingue dos outros gregos --sobretudo sua música, poesia e milênios de história no cruzamento das rotas da Europa, África e Ásia-- não há sinal de que os cretenses de hoje busquem a autonomia.
Alguns anos atrás, enquanto a crise econômica da Grécia se aprofundava, a bandeira cretense que tremulou entre 1898 e 1908 começou a aparecer em camisetas, chapéus e até muros na ilha. Mas hoje, com o turismo em ascensão e a economia de Creta se recuperando, a bandeira raramente é vista. Parece que muito foi empregado na luta pela união para começar a brincar com a ideia de separação agora, por maior que seja a frustração com as aflições da Grécia. Além disso, os cretenses estão cientes da posição estratégica de sua ilha e da importância de suas instalações militares para os Estados Unidos e a Otan. Junto com a entrada da Grécia na União Europeia, isso fornece a eles uma sensação de segurança.
As identidades das pessoas são definidas não só por quem elas sentem que são mas também por sua história e por aqueles a quem elas temem. Ao longo dos últimos dois mil anos, Creta foi invadida e ocupada por romanos, árabes, venezianos, turcos e, na 2ª Guerra Mundial, por alemães e italianos. Seu destino com frequência era determinado por jogos de potências maiores que buscavam atingir seus próprios objetivos. Como resultado, os cretenses têm uma reputação por serem ao mesmo tempo rebeldes inflexíveis e muito habilidosos na diplomacia necessária para lidar com aliados às vezes traiçoeiros. Hoje, com o ressurgimento de uma Rússia beligerante, será que a Polônia, Romênia ou qualquer outro estado do Báltico escolheria, como a Ucrânia, ficar fora da Otan e da União Europeia?
Organizações transnacionais bem sucedidas, como a União Europeia, permitem que nações menores ou grupos étnicos sintam que podem prosperar sem fazer parte de um país maior. É interessante notar que Malta, o menor membro da União Europeia (menor do que Creta em tamanho e população), tem a maior porcentagem de pessoas que se sentem cidadãs da União Europeia --87%.
É provável que se a maioria dos escoceses sentissem que sua identidade, seu senso de auto-determinação e bem-estar estivessem ameaçados se permanecessem no Reino Unido, um número maior teria votado pela independência. As pessoas que se sentem subjugadas pelos outros dentro do mesmo país lutarão para se libertar; aquelas que se sentem sozinhas e ameaçadas buscarão a união.
A Escócia e Creta, em extremos geográficos opostos da União Europeia, refletem diferentes fases da luta de cada povo para preservar sua identidade e para sobreviver. O separatismo e o irredentismo sempre foram motivos importantes para a guerra, como vemos por todo o mundo hoje. Na União Europeia, com seus valores de democracia e tolerância, eles ainda são importantes. Mas não são questões de vida ou morte. 
Tradutor: Eloise De Vylder

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