terça-feira, 30 de setembro de 2014

Política externa britânica tem falhas estratégicas, diz especialista
Jay Elwes - Prospect
"Foi surpreendente quando a crise da Rússia eclodiu, por exemplo, e havia apenas duas pessoas [na unidade de Inteligência de Defesa] debruçadas sobre a Rússia. Não havia nenhum funcionário dedicado à Crimeia" no serviço, que fornece informações estratégicas de inteligência para o Ministério da Defesa do Reino Unido e para as forças armadas britânicas. "O funcionário dedicado à Crimeia teve de ser transferido do sul do Cáucaso --e o departamento de análise da Rússia foi fechado em 2010."
Rory Stewart, membro conservador do Parlamento pelo distrito de Penrith and the Border e presidente do Comitê Selecionado de Defesa da Câmara dos Comuns da Inglaterra, disse à "Prospect" que a Inglaterra sofre uma grave escassez de expertise em sua política externa e capacidade analítica, o que prejudica sua habilidade de lidar com as múltiplas ameaças de política externa que enfrenta atualmente.
Em entrevista à Prospect, Stewart expôs o desafio imposto à Inglaterra pelos extremistas do EI (Estado Islâmico) no Oriente Médio e pelo aventureirismo militar do presidente russo Vladimir Putin, dizendo que: "o que está mesmo faltando em todos estes cenários são pessoas suficientes especializadas na língua e na região para que de fato possam oferecer opções aos ministros."
A extensão da ameaça imposta pelo grupo Estado Islâmico é indiscutível, diz Stewart. Ele deve ser enfrentado. Uma questão não tão certa é se a Inglaterra é capaz de contribuir com o desenvolvimento de uma solução regional. Isso só pode ser feito, diz Stewart, "com equipes grandes, experientes e enérgicas no local, trabalhando nessas questões minuto a minuto." Essas equipes não existem atualmente, diz Stewart.
"No Departamento de Relações Exteriores [e da Commonwealth], o foco nos últimos 16 anos esteve na administração, nas habilidades de gerenciamento corporativo e nas promoções. E as pessoas não foram recompensadas por desenvolver uma profunda expertise sobre países, ou um profundo conhecimento linguístico.
"Pede-se que elas sejam gerentes de projetos, representantes de comércio e negócios", diz Stewart. "Com frequência, diplomatas que tentam se concentrar exclusivamente em produzir relatórios de altíssima qualidade --contatando pessoas locais-- descobrem que têm dificuldades para se promover nesta corrente de gerenciamento."
Isso foi acompanhado por uma perda de capacidade. "Dentro do Ministério da Defesa", diz Stewart, houve um "esvaziamento das instituições de Inteligência de Defesa, o que significa que simplesmente não há pessoas suficientes disponíveis para analisar a Líbia e a Síria, e obviamente a Crimeia e a Ucrânia."
A falta de equipes especializadas, e a degeneração da memória corporativa, significa que decisões anteriores não são examinadas. Isso priva a Inglaterra de um corpo de conhecimento ao qual possa recorrer ao se deparar com novas ameaças.
A mesma miopia afeta os pensadores estratégicos civis britânicos, diz Stewart. Ele se diz especialmente alarmado com a "ideia aterrorizante" que tomou conta do cenário, "de que o fracasso não é uma opção, a ideia de que estas são ameaças existenciais e que algo precisa ser feito [a respeito] --isso leva as pessoas a desenterrarem teorias que de fato não sustentam muita análise."
De 2003 a 2004, durante a intervenção da coalizão liderada pelos EUA, Stewart atuou como vice-governador de duas províncias no sul do Iraque. Em 2005 ele estabeleceu uma organização sem fins lucrativos em Cabul, capital afegã, financiando projetos de infraestrutura. Ele tem sido um forte crítico das ambições ocidentais de "construção nacional" em ambos os países.
A Inglaterra e seus aliados precisam absorver tudo o que puderem da experiência no Afeganistão, na esperança de extrair lições que possam ser aplicadas ao confronto com o Estado Islâmico no Iraque e na Síria. Contudo, diz Stewart, o amplo fracasso de imaginação estratégica significa que este processo de aprendizado não está ocorrendo.
"O maior desafio é reconhecer que a teoria do combate da contrainsurgência e a teoria da construção nacional fracassaram", diz ele. "Essas teorias não tiveram os resultados esperados. Elas não foram capazes de construir a nação no contexto de uma insurgência."
"As pessoas demoraram muito para ver como essas teorias eram ruins porque elas eram basicamente como vender óleo de cobra para alguém com uma doença terminal desesperadora", diz ele. "Como alguém com uma doença incurável, [o Ocidente] estava disposto a aceitar praticamente qualquer coisa que fosse oferecida e injetar quantidades incríveis de dinheiro em ideias muito excêntricas: como o Afeganistão ser um estado centralizado, multiétnico e ciente das questões de gênero."
Os poucos episódios na campanha afegã que na época foram considerados vitórias pelo Ocidente parecem menos vistosos em retrospectiva. Um exemplo foi em 2007, quando as tribos sunitas na província de Anbar no Iraque se voltaram contra a Al Qaeda, expulsando o grupo de seus redutos. Será que o Estado Islâmico agora será expulso de uma maneira semelhante por essas mesmas tribos sunitas?
"Por que raios isso aconteceria? Da última vez isso aconteceu num contexto de US$ 130 bilhões por ano, 100 mil soldados norte-americanos em solo, quantias imensas de dinheiro destinadas ao Despertar Sunita, e ofertas em dinheiro para mais de 100 mil pessoas lutarem nas milícias tribais. Eles assumiram riscos enormes, muitos deles foram mortos e a coisa toda ruiu três anos mais tarde", disse Stewart, "então por que eles deveriam confiar em nós?"
O desafio para o Ocidente é olhar para si mesmo de forma crítica e demorada", diz ele. Chegou a hora de uma reflexão ponderada para os "consultores, estrategistas, diplomatas, políticos, que tão confidentemente afirmaram que tinham as soluções para o Iraque e o Afeganistão. [...] Por fim é preciso acreditar que o mundo tornar-se-á um lugar mais humano", diz ele, "que as populações desses países trabalharão para construir um caminho em direção a um futuro melhor e estável --já vimos isso acontecer muitas vezes no mundo. Mas a ideia de que de certa forma isso cabe ao Ocidente, de que o Ocidente é suficiente ou até mesmo necessário nesta transformação, acho que agora está sendo questionada.
"Teremos que redescobrir a nossa confiança olhando para lugares como a Bósnia e Kosovo, onde acertamos", diz ele, "e tentar entender como conseguimos acertar se quisermos intervir com sucesso novamente." 
Tradutor: Eloise De Vylder

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