sábado, 27 de setembro de 2014

Refugiados sírios colocam em xeque Bem-Estar Social nórdico
Hugh Eakin - TINYT
Após oito anos de governo de centro-direita, a vitória por margem estreita do Partido Social Democrático de esquerda marca uma ampla mudança na política sueca. Mas a nova coalizão de governo que o partido espera formar dificilmente reconsiderará uma das políticas mais desafiadoras do país: uma abordagem de porta aberta a pessoas fugindo do conflito na Síria, que está trazendo mais sírios à Suécia do que a qualquer outro país europeu.
Isso, apesar da Suécia enfrentar uma taxa de desemprego de dois dígitos entre os jovens, de terem ocorrido distúrbios nos bairros de imigrantes em Estocolmo, da escassez severa de moradia para os recém-chegados, ou do Conselho Sueco de Migração, que lida com os requerentes de asilo, precisar de um aumento drástico de verba --quase US$ 7 bilhões-- para cobrir a alta dos custos nos próximos anos. E sem contar que o Partido Democrata Sueco de extrema direita --anti-imigrantista-- conquistou 13% dos votos nas eleições de domingo, o melhor resultado que já obteve. Ele mais que dobrou suas cadeiras no Parlamento --de 20 para 49-- e agora é o terceiro maior partido do país.
"Nós somos os guardiões morais do mundo", me disse Magnus Ranstorp, um especialista em contraterrorismo do Colégio Sueco de Defesa Nacional, poucos dias antes da eleição, referindo-se aos suecos. "Nós não travamos uma guerra há 200 anos. Nós somos justos. Mas às vezes a justiça e a realidade entram em atrito."
À medida que o conflito sírio se transforma em uma crise humanitária regional, mais países europeus estão aceitando refugiados sírios pré-selecionados pela ONU. Mas fora a Alemanha, um país muito maior, apenas os suecos estão recebendo dezenas de milhares de sírios que chegam por conta própria e pedem asilo.
Cerca de 40 mil sírios chegaram à Suécia desde o início do conflito. E após uma decisão de oferecer residência permanente a todos os sírios, a Suécia espera mais de 80 mil requerentes de asilo em 2014, muitos deles da Síria. Em sua generosidade, a Suécia diverge de países como o Reino Unido, Holanda e Dinamarca, que receberam bem menos requerentes de asilo sírios --geralmente lhes concedendo apenas residência temporária-- e apenas várias centenas de refugiados bancados pela ONU cada. Ainda mais dramático é o contraste com a Noruega.
Uma democracia social muito mais rica que a Suécia, a Noruega gasta um percentual muito maior do seu PIB em assistência humanitária do que qualquer outro país do mundo. Ela também conta com a menor taxa de desemprego na Europa e, como a Suécia, tem várias décadas de experiência com a imigração.
Mas a Noruega não está encorajando os requerentes de asilo. Quando perguntei recentemente a um dos poucos sírios que encontrei em Oslo sobre o motivo para ter escolhido a Noruega, ele disse, "eu achava que Oslo era na Suécia". E apesar do governo norueguês ter aceito receber 1.000 refugiados sírios seletos da ONU, nos últimos meses ele rejeitou 123 porque suas condições médicas pareciam sérias demais para os serviços locais de saúde lidarem.
Isso coloca a Suécia e a Noruega em lados opostos de um debate emergente: se os Estados de bem-estar social avançados, concebidos para sociedades pequenas e homogêneas em meados do século 20, são capazes de absorver um grande número de estrangeiros não-europeus hoje. Na Suécia, um "consenso" pró-imigração altamente patrulhado sustentou políticas extraordinariamente liberais, impondo ao mesmo tempo um tabu virtual a questões como os custos sociais e econômicos. Na Noruega, a forte tradição de liberdade de expressão e governo eficiente produziu uma abordagem rígida sobre que refugiados, e quantos, receber.
O Ministério das Relações Exteriores norueguês calculou que devido a todos os benefícios sociais, de saúde, moradia e bem-estar social ordenados pelo Estado, o apoio a um único refugiado na Noruega custa US$ 120 mil –o suficiente para apoiar 26 sírios em um campo de refugiados jordaniano. E a imprensa noticiou que após uma suposta ameaça terrorista do exterior, em julho, as autoridades de imigração deportaram requerentes de asilo que geravam preocupações de segurança.
Diferente do Partido Democrata Sueco, que foi evitado por outros partidos suecos, o partido anti-imigração da Noruega, o populista Partido do Progresso, ingressou na coalizão de governo e faz suas preocupações serem ouvidas. Solveig Horne, a ministra da criança, igualdade e inclusão social, e integrante do Partido do Progresso, se queixa que a Noruega já tem mais requerentes de asilo do que pode acomodar. "Mais e mais são permitidos a permanecer na Noruega", ela me disse em Oslo no mês passado. "Mas muitas comunidades estão dizendo, espere. Nós precisamos nos certificar de que podemos integrar as pessoas que já estão aqui", completou.
Esse é o tipo de conversa que é vigorosamente evitada na Suécia. Veja os comentários do primeiro-ministro Fredrik Reinfeldt, poucas semanas antes da eleição do último domingo. Ele pediu aos eleitores que abrissem seus corações aos refugiados sírios, apesar da escalada do custo de apoiá-los impossibilitar maiores benefícios de bem-estar social aos suecos. O comentário provocou protesto –não por parecer favorecer os refugiados em detrimento dos suecos, mas simplesmente por sugerir que a política de refugiados precisava ser considerada em termos econômicos.
Entretanto, há muito o que discutir. Ranstorp, a autoridade em contraterrorismo, descreveu uma recente visita a Angered, um subúrbio predominantemente imigrante de Gotemburgo, a segunda maior cidade da Suécia: "Eu encontrei extremismo, mas também encontrei moradias superlotadas, gangues de drogas controlando a área, polícia não relatando crimes, pessoas vivendo em prédios de apartamento enfadonhos, sem comércio, com um sistema de justiça paralelo".
Um resultado perverso da recusa da Suécia em tratar desses problemas, dizem Ranstorp e outros, é ceder o debate a um partido de extrema direita, cujo líder comparou o Islã à "pior ameaça enfrentada pela Suécia desde a Segunda Guerra Mundial".
"A Suécia é muito enigmática", disse Grete Brochmann, uma importante estudiosa norueguesa de imigração. Os suecos, ela disse, "são extremamente liberais em relação à imigração, mas eles têm uma atitude autoritária em relação ao debate a respeito. Na Noruega a ideia é que uma discussão aberta é boa. Se há hostilidade, é melhor expressá-la".
Mas quanta hostilidade é demais? Os suecos gostam de apontar que o massacre de Breivik --o assassinato em 2011 de 77 pessoas por um islamófobo de extrema direita-- aconteceu na Noruega, não na Suécia. Mas uma lição tirada pelos noruegueses do ataque é que precisam conversar mais sobre imigração, não menos. Como mostra a crise dos refugiados sírios, é importante manter em vista sobre o que é a discussão. Para a Noruega e outros países ricos, ajudar o máximo de refugiados possível no Oriente Médio faz mais sentido econômico do que recebê-los em seu próprio solo. Mas essa abordagem corre o risco de transmitir a mensagem de que o Ocidente realmente não quer os sírios em seu meio.
"Nós temos que pensar nisso de modo diferente", me disse Jan Egeland, que chefia o Conselho Norueguês de Refugiados. "A Síria está em chamas. O Líbano está cheio até a borda. Pessoas estão sangrando até a morte em ambos os lados da fronteira. Nós precisamos receber mais pessoas que não podemos ajudar na região --incluindo os doentes e inválidos. Se a Noruega não puder recebê-los, então quem poderá?

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