terça-feira, 30 de setembro de 2014

O Senado francês e a questão de confiança 
Le Monde
Alain Jocard/AFP
Legitimidade do Senado francês está sendo questionada Legitimidade do Senado francês está sendo questionada
Agora que o Senado passou para a direita, a boa pergunta é a Gérard Larcher, um dos três candidatos da União por um Movimento Popular (UMP) à presidência da Câmara alta. "A questão de saber para que servimos está colocada", declarou na véspera do escrutínio o senador de Yvelines. Uma forma de reconhecer que a imagem da alta assembleia está muito baixa e que sua legitimidade não é mais garantida.
Isso não se deve somente ao ar do tempo, a esse populismo rampante pelo qual cada eleito, de qualquer câmara que seja, seja suspeito de forrar os bolsos em vez de servir humildemente ao povo. A operação transparência desejada por François Hollande na sequência dos escândalos Cahuzac e Thévenoud foi uma resposta a essa suspeita, assim como um incentivo, pois enquanto tudo não for exposto em praça pública - as receitas, as vantagens, os arranjos e as caixinhas de todos os tipos -, a suspeita prosperará. Ora, restam ainda zonas de sombra no suntuoso Palácio do Luxemburgo.
A dúvida existe também porque durante os três anos em que foi presidido por um socialista, o Senado perdeu em visibilidade, em vez de ganhar em renovação. O acontecimento histórico que foi a tomada do Senado pela esquerda se transformou em comédia. Assim que foi eleito, Jean-Pierre Bel, primeiro socialista a ocupar o cargo, se apagou da cena pública. Ele como que se autodissolveu, como bom discípulo de Lionel Jospin, que não hesitou em 1998 em qualificar o Senado de "anomalia entre as democracias".
Esse apagamento é ainda mais surpreendente porque Bel era íntimo de François Hollande e porque a conquista do Senado, em setembro de 2011, se inscreveu plenamente na epopeia vitoriosa do deputado de Corrèze que, ao se tornar presidente do conselho geral, soube pôr em cena sua base local. A tomada do Senado foi a cereja do bolo: veio recompensar anos de conquistas locais arrancadas da direita e simbolizou de modo espetacular a revanche da França profunda sobre um sarkozysmo cada vez mais fora do chão.
Bel havia levado muito longe os bons ofícios. Seu gabinete havia abrigado Pierre-René Le Mas, o futuro secretário-geral do Eliseu, assim como Pierre Besnard, futuro diretor do gabinete de François Hollande. Durante a campanha presidencial, os eleitos hollandeses, cada vez mais numerosos, haviam se habituado a reunir-se sob os ouros do Palácio do Luxemburgo para preparar a conquista presidencial, mas, uma vez alcançada a eleição, tudo fez "pschitt".
Em vez de soprar um novo vento, o Senado tornou-se o exemplo do conservadorismo. Ele ilustrou isso ao conduzir, contrariando a opinião pública, a mais espetacular batalha contra a limitação do acúmulo de mandatos. Depois, votou contra a reforma das aposentadorias, contra a do mercado de trabalho, contra a reforma territorial. Alianças antinaturais PC-UMP foram feitas contra o governo, fechando o Senado em sua dimensão mais reacionária. Sim, existia uma maioria de esquerda, mas não uma maioria hollandesa, e tudo se deslocou rapidamente.
O executivo também influiu. Assim que eleito, François Hollande esqueceu de trazer o tema da ruralidade que ele havia sabido salientar tão bem durante a campanha que o Senado perdeu uma de suas utilidades. A descentralização poderia ter sido um substituto interessante, pois o Senado agora se vê como o representante dos territórios, e lá tudo se move, uma verdadeira revolução, mas em dois anos o governo mudou de opinião de tal forma sobre o assunto que nada de sólido poderia ser apresentado. No momento atual, ainda não sabemos se os departamentos são convocados a desaparecer, nem em que ritmo.
O paradoxo é que a vitória da direita não mudará muita coisa. O Senado continuará se opondo. Ele vai se opor aos projetos de lei de esquerda, mas também às reformas institucionais que ameaçam sua legitimidade ou o abalam, como a redução do número de eleitos desejada tanto por François Hollande como por Nicolas Sarkozy.
Ele se oporá, mas sob o risco de seguir sua lenta autodissolução, pois hoje francamente quem se preocupa com ele?
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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