ELIO GASPARI - FSP
Em 1500, quando Pedro Álvares Cabral chegou à Bahia, deixou dois degredados na praia. Um deles chamava-se Afonso Ribeiro. Tinha dezoito anos, trabalhara com um grão-senhor e metera-se num assassinato. Ele viveu anos no meio dos índios e, não se sabe como, acabou resgatado por outra expedição, regressando à Europa. Contou sua história a um tabelião, mas até hoje o papel não foi achado. Por suas artes e pela sorte, a pena de degredo deu em nada e Afonso Ribeiro pode ser considerado o patrono das pessoas que se safam da lei. Passaram-se 514 anos e a bancada de maganos que está presa na Papuda mostra que essa escrita começa a ser quebrada.
A ideia segundo a qual “isso não vai dar em nada“ perdeu eficácia. Pode ser que não dê, mas se der, a cana está lá. Foi essa percepção que levou Paulo Roberto Costa, um poderoso ex-diretor da Petrobras, a colaborar com o Ministério Público. Seguiram-no o operador de câmbio da rede financeira de Alberto Yousseff e, na semana passada, o próprio. Em todos os casos, preferiram trocar de lado, contando o que sabem, a arriscar décadas de cadeia. (Pelo “efeito Papuda”, Marcos Valério, o mago do caixa dois do mensalão foi condenado a 40 anos de prisão e José Dirceu, chefe da Casa Civil e “técnico” do time de Lula, a dez, podendo passar ao regime aberto ainda este ano.)
Paulo Roberto Costa e Yousseff decidiram colaborar, contrariando a opinião de advogados. O que eles têm a contar ultrapassa de muito o acervo de informações que Marcos Valério detém. Em suas operações há as digitais de grandes bancos, empreiteiras e empresas internacionais de comércio exterior. Se o Ministério Público e juiz federal Sérgio Moro trabalharem direito e em paz, poderão expor a maior e mais antiga rede de maracutaias nacionais. Coisa tentada sem sucesso em dezenas de processos e diversas CPIs.
Foi com a colaboração de delinquentes que a Justiça americana quebrou a espinha dorsal de camarilhas de Wall Street e da Máfia. Um de seus chefões, Tommaso Buscetta (Don Masino) operava no Brasil e foi preso em 1972. Sua captura foi apresentada pela ditadura como uma demonstração da eficiência da polícia. Afinal, ele fora interrogado pelo delegado Sérgio Fleury, o vice-rei da repressão política. Palhaçada. Extraditado para a Itália, acabou levado para os Estados Unidos. Lá, ninguém lhe encostou a mão e ele passou a colaborar com a Justiça, tornando-se o primeiro “capo” a revelar a rede de operações e influências da Máfia. Ganhou nova identidade, fez uma plástica e morreu em 2000.
A colaboração de Paulo Roberto e Yousseff demanda paciência e tempo, com o prosseguimento de interrogatórios e acareações. Não haveria Paulo Roberto sem conluio com grandes empresas nacionais e estrangeiras. Da mesma forma, não haveria Yousseff sem bancos que operassem suas traficâncias. Em todos os casos, o melhor que essas empresas têm a fazer é seguir o exemplo da Siemens, que ajudou a desvendar a rede de propinas na venda de equipamentos para governos tucanos de São Paulo.
A ideia segundo a qual só há corrupção na política contém um vício. Se a corrupção fosse só dos políticos, no caso do parlamentares, os doutores iriam a Brasília na segunda-feira e ficariam até quinta trocando propinas. Se fosse assim, na sexta a conta ficaria zerada. Falta botar na roda as empresas que movem o circo, e essa é a trilha que Paulo Roberto Costa e Yousseff podem mostrar à Viúva.
Os caciques do PSB detonaram o Rio
No final de junho, o Partido Socialista, coligado com o PROS, tinha candidato ao governo do Rio. Era o deputado Miro Teixeira, indicado por Marina Silva que à época era um apêndice na chapa de Eduardo Campos. Ele entraria numa disputa em que os favoritos eram medidos muito mais pela escala dos defeitos do que pela qualidade de cada um. Pezão, com a herança de Sérgio Cabral; Garotinho, com sua própria biografia, e Lindbergh Farias com a marca petista. Num lance de astúcia, o PSB do Rio se articulou para apoiar Lindbergh. Coisa esquisita, visto que Eduardo Campos fazia campanha contra o comissariado.
Defendendo a candidatura de Miro, Marina Silva chegou a organizar uma viagem ao Rio, subindo o Morro da Mangueira com ele e Eduardo Campos. Não tiveram a companhia de um só representante do PSB. Desde então, Miro disputa mais um mandato de deputado federal. Estava eliminada a possibilidade de o Rio de Janeiro ter um candidato a governador que nada tivesse a ver com Cabral, Garotinho ou o comissariado.
Semanas depois caiu em Santos o jatinho em que viajava Eduardo Campos, Marina tornou-se competitiva, mas sua coligação ficou sem candidato no Rio. Teria sido uma boa ideia levar aos eleitores um nome com dez mandatos de deputado federal sem nódoa. Mais: Miro Teixeira foi buscar a reeleição e pode exibir um levantamento do trabalho da bancada fluminense, na qual é o parlamentar com maior assiduidade (98% de comparecimento às sessões) e menor despesa com penduricalhos de gabinete. Enquanto houve quem gastasse R$ 1,2 milhão, ele só custou R$ 398 mil que pagaram passagens do Rio para Brasília em quatro anos.
Aécio esclarece
Aécio Neves corrige e esclarece:
“Não uso sapatos Ferragamo e não me lembro sequer de ter um dia entrado numa loja da marca”.
Aécio calça produção nacional.
Gato na tuba
A OAB do Rio de Janeiro se encrencou no processo de indicação de advogados para o quinto constitucional do Tribunal de Justiça. Entre os candidatos está a advogada Mariana Fux, de 33 anos, filha do ministro Luiz Fux, do STF, e são muitos os adversários de sua escolha, por motivos variados. Jogo jogado.
Ela teve suas credenciais aceitas pela comissão competente da Ordem. O passo seguinte seria sua inclusão (ou exclusão) numa lista sêxtupla. O gato entrou na tuba quando, para preservar “a lisura do processo”, o julgamento das credenciais da advogada foi remetido ao Conselho da Seccional. Como seria esse mesmo conselho quem organizaria a lista, a providência soa redundante (porque o Conselho pode recusá-la) e casuística (porque só valeria para ela).
No centro da questão está o fato da advogada ser filha do ministro. Se alguém demonstrar que Fux fez pressão nepotista, ela não pode ser desembargadora, nem ele ministro. Sem isso, rito é rito.
A nuvem do casuísmo desapareceria se a “lisura do processo” se tornasse permanente, transferindo-se aos Conselhos os julgamentos das credenciais de todos advogados indicados pela OAB.
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