sábado, 27 de setembro de 2014

Esforços para combater independência da Escócia reacendeu nacionalismo inglês
Kenan Malik - NYT
Na semana passada, a Escócia votou pela rejeição da independência e por permanecer parte do Reino Unido. Mas --oh, a ironia!-- o maior impacto da votação pode ter sido a fomentação de um nacionalismo inglês e uma maior fragmentação da União.
Às vésperas da votação, as pesquisas de opinião sugeriam que o "sim" poderia vencer, e os políticos tomados pelo pânico em Londres prometeram devolver, ou transferir, mais poderes para o Parlamento escocês. Um resultado foi uma reação contrária dos políticos ingleses, ressentidos com os "privilégios" escoceses e desejando maiores poderes para a Inglaterra.
Se a Escócia pode decidir suas próprias políticas de saúde e educação, eles perguntam, por que a Inglaterra não pode fazê-lo para os ingleses (que correspondem a aproximadamente 84% da população do Reino Unido)? E se os membros ingleses do Parlamento não podem opinar sobre as leis escocesas feitas pelo Parlamento escocês, porque os parlamentares escoceses poderiam opinar na decisão das leis inglesas?
Assim, após a vitória do "não" na Escócia, o primeiro-ministro David Cameron prometeu vincular uma maior devolução para a Escócia com uma maior devolução para a Inglaterra. Muitos estão pedindo pela criação de um Parlamento inglês separado. As ramificações constitucionais são imensas, o potencial para instabilidade e caos é claro.
Em uma questão, ambos os lados no debate do plebiscito concordam: o principal motivo no esforço pela independência escocesa foi um ressentimento com Westminster e com o "domínio de Londres". Entretanto, não há nada especificamente escocês a respeito desse sentimento.
No mês que vem, haverá uma eleição parlamentar em Clacton-on-Sea, uma cidade não distante de Londres, provocada pela mudança de partido de um parlamentar local, Douglas Carswell, que trocou o Partido Conservador pelo Partido da Independência do Reino Unido (UKIP, na sigla em inglês). O sucesso deste partido populista anti-imigração, anti-União Europeia, nos últimos anos criou pânico entre os grandes partidos.
Carswell pode muito bem ser reeleito pelas cores do UKIP. Há em Clacton uma insatisfação tão profunda com Westminster quanto em Glasgow, um senso tão grande de "eles não estão nos ouvindo" quanto em Dundee. Mas enquanto na Escócia esse ressentimento foi expresso no apoio à independência, em Clacton, assim como em muitas outras cidades inglesas, ele é expresso no apoio ao UKIP.
Para muitos nacionalistas escoceses, o UKIP representa muito do que odeiam a respeito do Reino Unido, uma expressão de conservadorismo sufocante do qual buscam se livrar. Mas muitos na Inglaterra apoiam o UKIP pelo mesmo motivo que muitos na Escócia apoiam a independência: porque se sentem desengajados da política, marginalizados e sem voz.
Não apenas na Escócia, nem mesmo apenas no Reino Unido, mas por toda a Europa, há uma crise de representação política, uma crescente percepção das instituições políticas como sendo remotas e corruptas, das preocupações dos eleitores sendo ignoradas. Uma manifestação disso é o crescente apoio aos partidos populistas. O nacionalismo escocês é outra expressão desse sentimento popular. Não se trata do Partido Nacional Escocês e do UKIP apoiarem políticas semelhantes. O que os conecta é uma desconexão entre o público e a classe política.
Na Europa em geral, a sensação de estar politicamente abandonado é mais aguda na classe trabalhadora tradicional, à medida que os partidos social-democratas cortaram seus elos com seus antigos eleitorados. E o apoio à independência escocesa é maior entre a classe trabalhadora e os pobres urbanos --apoiadores tradicionais do Partido Trabalhista britânico. Mas não são apenas aqueles que os sociólogos chamam de "os deixados para trás" que penderam para o campo da independência na Escócia.
Uma nova geração que nasceu no mundo pós-industrial, de alta tecnologia, de empregos inseguros e baixos salários, que se sente alienada das instituições políticas que moldaram seus pais, mas sem contar com um novo conjunto de marcadores ideológicos, também viu a votação pela independência como uma forma de expressar sua frustração. Como observou Paul Mason, um editor de economia do "Channel 4 News" e um dos jornalistas mais perspicazes do Reino Unido, é uma fúria nascida "não apenas das dificuldades econômicas, mas da ausência de uma narrativa coerente, ou alternativa, para a gama estreita de possibilidades oferecida".
É contra esse pano de fundo que devemos avaliar o impulso para uma maior devolução de poder no Reino Unido. "Não há diferença entre os principais partidos", é a alegação feita com frequência por aqueles que votaram pela independência da Escócia e por aqueles que apoiam o UKIP na Inglaterra. Não é uma queixa que dar maiores poderes à Escócia ou a criação de um Parlamento inglês responderá. O que uma maior devolução de poder promete não é uma nova política que possa tratar das preocupações dos eleitores, mas a velha política distribuída de um local mais próximo de casa.
Suponha que a Escócia tivesse votado pela independência. Quanto tempo levaria até que o ressentimento com o governo em Londres se transformasse em um ressentimento com o "governo em Edimburgo"? Um grupo político opaco é um grupo político opaco independente de falar com sotaque inglês ou com sotaque escocês.
O argumento em prol da devolução confunde fragmentação com transformação política e regionalismo com democracia. Ele visa mudar não o conteúdo da política, mas sua forma. Ele imagina que as pessoas anseiem não por narrativas políticas coerentes, ou visões alternativas da sociedade, mas por um senso de identidade mais paroquial.
A lógica de tudo isso é um cisma contínuo. As regiões inglesas já estão clamando por mais poderes regionais, em vez e um Parlamento inglês com sede em Londres, enquanto muitos políticos em Londres estão exigindo o direito da capital buscar suas próprias políticas, livre das amarras da Inglaterra.
O que une a política no Reino Unido hoje não é um projeto comum, mas um senso comum de ressentimento. E assim que o ressentimento se torna o elemento de ligação do corpo político, o corpo político necessariamente é corroído.
Mudanças políticas só ocorrem quando as pessoas optam por agir coletivamente, pressionando aqueles que estão no poder. Quanto mais fragmentados nós somos, mais nós imaginamos que a identidade importa mais que a ideologia, e menos somos capazes de promover mudanças. O esforço pela devolução só pode aprofundar o senso já agudo entre a população britânica de desengajamento político.
Tradutor: George El Khouri Andolfato

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