A exposição Queermuseu do Santander revelou o que o ser humano tem de melhor: a capacidade de se organizar livremente pelo que defende.

O banco
Santander promoveu a exposição Queermuseu – Cartografias da Diferença
na Arte Brasileira, valendo-se do investimento de quase R$ 1 milhão com
os benefícios fiscais da Lei Rouanet.
Rapidamente a exposição passou a ser
alvo de protestos nas redes sociais, sob a alegação de que ela
promoveria obras que incentivavam a pedofilia, a zoofilia e o escárnio
ao cristianismo.
A repercussão foi tão negativa que o
Santander decidiu encerrar a exposição um mês antes, não sem os gritos
de “censura” e “conservadorismo” de alguns.
Como é praxe nesses casos, os
“considerandos” da exposição foram tecidos com base na novilíngua de
forma tão críptica que chega a descer inócua por quem se dispõe a ler.
Mas vale sempre a máxima que qualquer sábio iletrado do nosso sertão
conhece e que deveria ser ensinada desde o pré: a árvore se conhece
pelos frutos.
Se a falta de glamour da fonte incomoda,
recorde-se que Shakespeare disse a mesma coisa por intermédio de sua
Julieta: “”o que há num nome? aquilo a que chamamos rosa, por qualquer
outra palavra, exalaria perfume igualmente doce” .
E qual o cheiro de algumas das obras da exposição em voga? Cada um decide.
A exposição é chocante? Nem um pouco. É
só mais do mesmo: atacar o cristianismo, atacar valores caros para
muitas pessoas, e sexo, muita exposição gratuita de sexo, inclusive com
animais. É uma tentativa que está pelo menos trinta anos atrasada,
porque me lembro de ver críticas mais inteligentes e chocantes na minha
infância assistindo TV Pirata, quando meus pais tinham que inventar uma
explicação para uma piada adulta que, obviamente, eu não entendera.
Ora, os apoiadores da Queermuseu
deveriam estar satisfeitos. Se o objetivo da arte é suscitar o debate,
ele foi alcançado. Agora, se o objetivo é conduzir a mentalidade das
pessoas para caminhos pré-traçados por uma minoria, aí talvez não tenha
funcionado mesmo.
Dessa vez não houve o monopólio do
discurso. De forma espontânea, as pessoas entenderam que poderiam
criticar a exposição, e, sim, crítica não é censura.
Mais ainda, elas perceberam que, se não
gostavam de algo, não precisavam financiá-lo. Anos de aparelhamento
intelectual parecem ruir lentamente quando o “homem comum” resolve dizer
“não”, seja ao estado, seja às grandes corporações, seja às cartilhas
ideológicas gestadas por seletos grupos.
Desnecessária nesse caso a intervenção
de políticos ou o uso do Judiciário, este último símbolo do grande
paternalismo nacional com seus 80 milhões de processos, considerando que
a sociedade prefere judicializar qualquer questão, de briga de vizinho a
eutanásia, e terceirizar o rumo de suas vidas a uma turma, a debater
racionalmente o assunto.
Milhares de correntistas do banco disseram: “Ei, não queremos financiar isso. Vamos procurar algum outro banco”.
O Santander, instituição privada que é,
percebeu que a ideia que parecia genial gestada no ar condicionado entre
um cafezinho e outro, como qualquer flor de estufa, não resistiu ao
primeiro vento de realidade.
Foi censura? Não. Censura é a análise da
obra artística por um censor baseando-se em critérios morais e/ou
políticos para a liberação ao público.
As obras podem ser expostas, só que os
correntistas do Santander, e mais um monte de gente, não querem
financiar isso. Os artistas podem usar seu próprio dinheiro e espaço
para fazê-lo, ou achar quem queira. Ninguém irá impedi-los, isto é,
censurá-los. As obras podem ser expostas.
Cada um é livre para expressar o que der
vontade, dentro da lei, mas não pode obrigar ninguém a financiar ou
assistir isso. Simples. Claro. Cartesiano.
A dificuldade em aceitar que o outro
também pensa é fruto de décadas de grupos e cartilhas dominando o
cenário “intelectual” da Terra de Santa Cruz.
Agora que as pessoas “comuns”, isto é,
não dotadas do “gênio artístico” avalizado pela “consagrada crítica”,
aprenderam a dizer “não”, aqueles que não conseguem disfarçar a sensação
de superioridade que nutrem com relação ao resto da humanidade se
indignam com a rebeldia da ralé que se recusa ser iluminada.
É um discurso esquizofrênico, porque as
premissas sempre foram: a arte suscita a crítica, e a crítica está
ocorrendo, e qualquer pessoa pode interpretar uma obra como quiser, o
que tem sido feito, então por que a indignação?
A diferença entre o ocorrido no caso
Santander fica bem clara quando comparado com o episódio em que tentaram
censurar, e este é o termo, Monteiro Lobato, banindo suas obras das
escolas públicas.
A pantomina chegou a tal nível de obra
kafkiana que, não obstante a questão tenha sido discutida no âmbito do
Ministério da Educação, que negou a censura, houve a propositura de uma ação no Supremo Tribunal Federal com a intenção de forçar o estado a impedir a leitura de tais livros.
Pode pesquisar no Google. Sério.
Admirável Mundo Novo, 1984 e Brazil, o Filme, mandaram lembranças saudosas.
De todo modo, o que se extrai de mais
importante disso tudo é que nenhum de nós é irrelevante. Mesmo uma onda é
formada por suas gotas.
Você só pode responder por suas ações, e não pelo outro, e entender isso aborta o germe de ditador e vítima dentro de você.
Vinte mil pessoas apagando as luzes ao
saírem de um ambiente, fechando a torneira ao escovar os dentes, dizendo
“obrigado”e “por favor”, não praticando pequenos atos de corrupção ou
deixando de gastar o seu dinheiro nos lugares que vilipendiam seus
valores: o mundo pode mudar.
E já que falamos de críticas à religião,
é oportuno recordar que Buda lecionava que não se deve acreditar em
algo porque alguém disse ou porque está num livro, mas somente após o
escrutínio racional, livre das paixões e guiado pelo bem, deve-se chegar
a uma conclusão.
Se, por sorte, você encontrar mais
pessoas que compartilhem desses valores e decidam trocar discursos de
ódio e vitimismo por ações de ética e compaixão… que mundo podemos ter?
Livros, filmes, peças de teatro,
discursos… vê quem quer. Se ninguém quiser ver, que pena. Somente
estados ditatoriais impõem ao seu povo uma cultura, uma cartilha e uma
ideologia. Liberdade é poder escolher, ainda que as escolhas não
agradem.
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