O despertar do outono russo
Protestos fazem nova geração, que não conheceu a URSS, se mobilizar para a política
Vivian Oswald, enviada especial - O Globo
MOSCOU - Um mês atrás, a tribo jovem que frequenta as noites do clube Solyanka, uma das boates mais badaladas da capital russa, não podia sequer ouvir falar em política. O tema estava fora da lista de assuntos sobre os quais se escrevia nas redes sociais. Esses jovens preferiam se divertir com música estrangeira, bebidas caras, gadgets e roupas de grife — coisas com as quais seus pais jamais sonharam nos tempos da antiga União Soviética. Mas, desde a semana passada, após as denúncias de fraude na eleição parlamentar e os protestos que reuniram milhares de pessoas nas principais cidades da Rússia, essa mesma juventude não fala de outra coisa.
— Eram muitos. Eu mesmo fui à rua. Vi meus amigos fazerem o mesmo. Foi lindo. Cada um se manifestando de maneira mais criativa que o outro. Não sabia que podíamos reunir tanta gente e que podia ser algo tão forte — diz o artista Fyodor Andreevitch.
Pelo Facebook, circula uma fotografia aérea de Moscou com a concentração de russos nos principais focos de manifestações que, pelas imagens, teriam reunido perto de cem mil pessoas — bem distante das 25 mil contadas pelas autoridades. Mensagens criticando o sistema político também invadiram as redes sociais. A velocidade com que se denunciava irregularidades na votação pela internet tampouco poderia ser imaginada pelos pais desses jovens, que, hoje, aos 20 anos, não viveram na pele nenhum acontecimento da URSS.
Parte importante da população que vem protestando é composta por jovens antes apáticos — que acabam de se dar conta do poder que têm nas mãos. A reação surpreendeu sociólogos, que ainda acham cedo para avaliar se o envolvimento dessa camada da população na vida política possa se transformar em uma nova tendência.
— É preciso ver se haverá continuidade. Tradicionalmente, eles não querem saber de política — observa Denis Volkov, do centro de pesquisa de opinião Iuri Levada.
O especialista destaca que essa nova geração tem acesso a muito mais informação do que tiveram seus pais com sua idade e, portanto, tem mais liberdade. Além disso, nos grandes centros muitos já conhecem outros idiomas, e são cada vez mais numerosos os grupos de jovens que foram estudar no exterior.
Andreevitch já adianta que não pretende se canditar a cargos públicos, mas promete continuar se mobilizando. Embora acredite que este tenha sido um movimento isolado por conta das fraudes nas eleições, acha que o povo ficou mais esperto para reagir quando o desânimo tomar conta.
— Não gosto de política e acho que não temos o que fazer. Além disso, não quero me ver manipulado pelos grupos políticos que estão brigando agora e que vão querer se aproveitar dos protestos dos últimos dias para ganhar dinheiro. Vou continuar com a minha vida. Não sei se o movimento terá continuidade — explica.
Naquela noite, um mês atrás, a jovem de peruca longa verde, piteira e outros adereços extravagantes não chamava a atenção dos frequentadores do clube. Cada um tinha sua forma de atrair olhares. Os sucessos ocidentais das décadas de 70 e 80 lotavam a pista e faziam-nos dançar como se fossem velhos conhecidos de canções que somente alguns teriam ouvido, pequenos, em casa. Possivelmente porque seus pais tiveram acesso aos caducos LPs pelo mercado negro. À época, nada disso era permitido no país.
Do clube, alguns VIPs seguiram para uma festa de aniversário. Nascido ainda na URSS, o milionário Ilia Oskolkov, que mora em Londres com a namorada, foi a Moscou única e exclusivamente para agradá-la com a comemoração do aniversário da jovem entre um grupo seleto de amigos. Transformaram um edifício abandonado do século XV em cenário cinematográfico.
Em frente à parede de veludo negro com pequenas lâmpadas de led, um dos convidados se acomoda dentro de uma taça de vinho gigante, pensativo. Ao lado, um imenso balanço, preso ao teto por cordas cobertas de flores, entretinha uma fila de animados. Vestidos de bermudas, gravata borboleta ou jeans, os convivas já não eram mais servidos de taças de vinho ou champanhe. Recebiam as bebidas na garrafa.
Ninguém queria falar de política ou discutir o futuro da Rússia.
— Deixa que os nossos líderes resolvam o que tiver de ser resolvido — esquiva-se um dos convidados.
Um outro apenas concordava:
— O país é melhor hoje. Não sou bom de política. Não quero me meter neste assunto.
Pesquisas do centro Iuri Levada indicam que os jovens não querem votar e não acham que o Kremlin possa resolver os seus problemas. Mas eles testaram as suas forças nos últimos dias — e venceram o medo.
— Muita gente tinha medo de ir à rua. Mas hoje já não há mais o medo que existia na União Soviética. Acredito que, quanto mais tempo se passar, menos medo terão — disse Andreevitch.
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