Otimismo com acordo europeu dura pouco
Agências de risco apontam dúvidas sobre a solidez do pacote acertado na última sexta-feira para salvar o euro
Bolsas europeias têm quedas moderadas; favorito para vencer eleição francesa já fala em uma renegociação
VAGUINALDO MARINHEIRO - FSP
DE LONDRES
O chamado "acordo histórico", finalizado pela União Europeia na madrugada de sexta-feira, não foi o bastante para convencer os mercados de que o euro vai sobreviver e que alguns dos países do continente vão conseguir honrar suas dívidas.
Ontem, Bolsas no continente e a cotação da moeda única caíram, e subiram os juros exigidos por títulos de países endividados como Itália e Espanha.
Já a agência de classificação de riscos Moody's disse que irá revisar as notas dos países europeus e poderá baixá-las. Isso significa que considera que cresceram os riscos de investir no continente.
Na semana passada, outra agência, a Standard & Poor's, também anunciou que deve rever as notas de crédito dos países do continente.
O possível rebaixamento pode ser divulgado ainda nesta semana.
A principal crítica é que o acordo europeu, que prevê maior controle sobre as contas públicas e punição automática para quem não controlar deficit e dívida, pode evitar futuras crises, mas não resolve a atual.
Analistas afirmam que no curto prazo deveria haver uma ação mais intensa do BCE (Banco Central Europeu) na compra de títulos da dívida dos países com maiores problemas.
Reclamam ainda medidas para incentivar o crescimento, uma vez que a região caminha para uma recessão.
Por fim, há dúvidas sobre como e quando as medidas acordadas serão adotadas e até que ponto as pressões políticas não dificultarão que o discursos vire prática.
RENEGOCIAÇÃO
Ontem, François Hollande, candidato à Presidência pelo Partido Socialista francês, disse que renegociará o acordo se for eleito. Ele lidera as pesquisas para a eleição de maio de 2012.
Hollande defende uma maior participação do BCE e a criação de títulos que teriam a garantia conjunta de todos os países da zona do euro.
Na Itália, sindicatos convocaram uma greve para protestar contra os cortes de gastos adotados pelo novo governo de Mario Monti.
São medidas necessárias para alcançar o que foi prometido na sexta-feira: deficit inferior a 3% do PIB e dívida de, no máximo, 60% do mesmo indicador.
A Bolsa de Milão (Itália) foi a que mais caiu no continente (3,79%). Em Frankfurt, a queda foi de 3,36%.
Em entrevista ao "Le Monde", o presidente francês, Nicolas Sarkozy, disse que as bases do novo acordo estão sendo apressadas e podem estar prontas até o fim do ano.
"Estamos assistindo ao nascimento de uma nova Europa, onde o lema será a convergência das economias, das normas orçamentarias e fiscais", disse.
A chanceler Angela Merkel joga uma partida de xadrez em três tabuleiros
SEBASTIAN HARNISCH ESPECIAL PARA A FOLHA
A chanceler Angela Merkel não vem sendo alvo de muito afeto hoje em dia. O problema da chanceler é que ela joga uma partida de xadrez em três níveis, com cada lance em um dos níveis influenciando os outros dois.
No primeiro tabuleiro, Merkel enfrenta governos fracos e economias ainda mais fracas nos Estados das extremidades sul e norte da UE.
Orientada às exportações, a Alemanha emprestou dinheiro aos bancos das economias mais fracas, possibilitando às respectivas sociedades consumir demais enquanto ganhavam de menos.
Para reconstruir a confiança na zona do euro, a chanceler Merkel e o presidente francês, Nicolas Sarkozy, na cúpula recente da UE, insistiram em delegar autoridade nacional substancial à Comissão da UE e à Corte Europeia de Justiça, com isso automaticamente sancionando os pecadores do Orçamento: confiem, mas verifiquem coletivamente.
No segundo tabuleiro, Merkel enfrenta um público alemão cético que já suportou várias rodadas salariais de baixo crescimento, enquanto outras economias da UE elevaram seus salários substancialmente nos últimos dez anos. Mas o problema verdadeiro é que a chanceler se defronta com uma Corte Constitucional Federal hábil e disposta que rejeita firmemente o que descreve como uma união de transferência em que um Estado, a Alemanha, cobre as dívidas pendentes dos outros.
Para agravar a situação, a chanceler nem sequer pode ter certeza de que sua coalizão lhe dará respaldo se ela oferecer garantias demais a países da zona do euro que estão com problemas, porque dissidentes em sua coalizão governista insistem em que novas garantias irão apenas dar lugar a mais irresponsabilidade fiscal no sul da Europa: nunca confiar e verificar o tempo inteiro.
No terceiro tabuleiro, Merkel e outros líderes europeus jogam contra mercados financeiros que se beneficiam de volatilidades. A situação é que alguns atores no mercado tentam pressionar governos eleitos a resgatar banqueiros e gerentes de fundos que agiram irresponsavelmente quando concederam empréstimos sem garantias.
Na partida tridimensional de Merkel, confiança é artigo escasso: promessas feitas em reuniões de cúpula talvez não sejam ratificadas em casa, ou governos que prometeram demais deixem o poder.
SEBASTIAN HARNISCH é diretor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Heidelberg
Tradução de CLARA ALLAIN
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