Mudança política traz um novo tipo de primeira-dama ao Egito
Mayy El Sheikh e David D. Kirkpatrick - NYT
Naglaa Ali Mahmoud veste um lenço de cabeça islâmico que desce drapeado até seus joelhos, não cursou uma faculdade e nunca adotou o sobrenome do marido, porque essa é uma convenção ocidental que poucos egípcios seguem. Ela também recusa o título de primeira-dama, preferindo simplesmente “Um Ahmed”, um apelido tradicional que a identifica como a mãe de Ahmed, seu filho mais velho.
O Egito tem um novo líder, Mohammed Mursi, o primeiro presidente procedente da Irmandade Muçulmana, não das forças armadas. E também tem Mahmoud, 50 anos, uma primeira-dama cujo perfil é tão comum segundo os padrões contemporâneos egípcios que torna sua elevação extraordinária. Mahmoud dificilmente poderia ser mais diferente de suas antecessoras, Suzanne Mubarak e Jihan el Sadat, mulheres indiferentes educadas no Ocidente, com penteados bem cuidados e roupas da moda.
Com sua imagem de mulher comum tradicionalista, Mahmoud passou a simbolizar a linha divisória na guerra cultural que tornou a união uma meta elusiva desde a queda de Hosni Mubarak. Para alguns, ela representa a mudança democrática que a revolução prometeu. Ela é uma mulher no palácio presidencial que se parece e vive como suas irmãs e mães.
Mas, para alguns na elite ocidentalizada, ela representa o atraso e provincianismo que eles temem. “Eu não posso chamá-la de primeira-dama sob nenhuma circunstância”, queixou-se Ahmed Salah, 29, banqueiro que tomava café com seus amigos na ilha de Zamalek, no Nilo. “Ela não pode ser uma imagem para as ‘damas’ do Egito.”
A imagem dela se tornou tema de um debate rancoroso nos sites e nos jornais. Uma coluna no jornal “El Fagr” perguntou de modo incrédulo: como ela poderia receber os líderes mundiais e ainda seguir seus padrões tradicionais islâmicos de modéstia? “Não olhe para ela. Não aperte a mão dela”, sugeriu o jornal, o chamando de um “cenário cômico”.
Noran Noaman, 21, estudante de Engenharia, disse que Mahmoud a embaraça. “Se você viajar para Nova York ou algum outro lugar, as pessoas brincarão com você e dirão: ‘Sua primeira dama usa abaya, hahaha’”, ela disse. “As primeiras-damas anteriores costumavam ser elegantes.”
Muitos outros, entretanto, disseram que são os críticos dela que estão em descompasso. “Pessoas como Suzanne Mubarak são as anomalias – você não as vê andando pelas ruas”, disse Mariam Morad, 20, estudante de Psicologia. “Isso é exatamente o que precisamos: mudança.”
Dalia Saber, 36, professora de Engenharia, disse: “Ela se parece com minha mãe, ela se parece com a mãe de meu marido, ela provavelmente se parece com sua mãe e com a mãe de todo mundo”.
Para ela, Mursi e Mahmoud representam o sentido da Primavera Árabe: pessoas comuns agora estão no poder.
“São pessoas como nós”, ela disse. “É um alívio estranho para as pessoas. As pessoas sentem que há uma mudança.”
Mahmoud, por sua vez, disse que sabia que não seria fácil ser mulher do primeiro chefe de Estado islamita, como ela disse ao jornal da Irmandade Muçulmana, o movimento islâmico de 84 anos. Se ela tentar ter um papel ativo, ela corre o risco de provocar comparações com Suzanne Mubarak, que era amplamente desprezada por sua suposta influência nos bastidores.
Mas se Mahmoud desaparecer, ela disse: “Eles dirão que Mohammed Mursi está escondendo sua esposa, porque é a forma como os islamitas pensam”.
De fato, seu caminho inesperado até o palácio presidencial ilustra quão estrangeira é sua experiência para a cultura da velha elite egípcia – ou talvez o quão estrangeira essa elite seja para o Egito. O começo dela foi bastante típico: ela cresceu no bairro pobre do Cairo de Ain Shams, e tinha 17 anos e ainda estava no colégio quando se casou com seu primo, Mursi, que era 11 anos mais velho. Ele também cresceu pobre, na pequena aldeia de El Adwa, na província de Sharqiya no Delta, mas se destacou no programa de engenharia da Universidade do Cairo.
Três dias depois do casamento deles, ele partiu para Los Angeles, para concluir seu Ph.D. na Universidade do Sul da Califórnia. Ela concluiu o colégio e estudou inglês no Cairo. Um ano e meio depois do casamento deles, ela se juntou ao seu marido em Los Angeles, onde trabalhou como voluntária na “Casa do Estudante Muçulmano”, traduzindo sermões para as mulheres interessadas em se converter ao Islã.
Foi em Los Angeles que ela e seu marido foram convidados para ingressar na Irmandade Muçulmana, uma oferta que posteriormente definiria suas vidas. “Eu sempre digo que os Irmãos não vendam ninguém”, ela disse ao jornal do grupo. “Desde o início eles nos falaram sobre a situação e o que nos estavam pedindo, e nos disseram que o caminho era longo e cheio de riscos.”
Ela disse que os recrutadores da Irmandade disseram para Mursi se assegurar de que sua mulher aprovava a decisão antes de se juntar ao grupo, lhe dizendo: “Nós nos preocupamos com a estabilidade da família mais do que ter um membro a mais”.
Os dois primeiros dos cinco filhos do casal nasceram em Los Angeles e têm cidadania americana. Depois que Mursi concluiu seu curso, Mahmoud inicialmente não queria voltar ao Egito, ela disse em uma entrevista para o site da Irmandade. Mas Mursi queria que seus filhos crescessem no Egito.
Após o retorno deles, em 1985, Mursi lecionou engenharia na Universidade de Zagazig, perto de sua cidade natal, no Delta ao norte do Cairo, e começou a ascender nas fileiras da Irmandade. Mahmoud, uma dona de casa, se tornou instrutora na subsidiária do grupo para mulheres, ensinando sobre casamento para as garotas jovens. “Os homens devem liderar e as mulheres devem seguir”, explica o currículo do grupo.
Como muitos egípcios, ele viajou para o exterior para ganhar uma renda extra, ensinando engenharia em uma universidade líbia de 1988 a 1992. Ele finalmente ganhou dinheiro suficiente para deixar o pequeno apartamento alugado deles e comprar um apartamento em Zagazig, além de dar entrada em um sedã Mitsubishi Lancer, segundo amigos da família em Sharqiya.
A Irmandade era um movimento ilegal sob Mubarak, e exercer um papel em sua liderança nem sempre foi fácil para Mursi ou sua família. “Eu não sei se voltarei a ver você”, ele disse para ela antes de sair para um protesto em 2006. “Nosso próximo encontro pode vir a ser na prisão de Tora.”
Ele não voltou para casa naquele dia e passou sete meses detido, disse Mahmoud ao jornal da Irmandade. Entre seus filhos, Ahmed foi detido várias vezes, Osama foi detido e espancado durante a revolta do ano passado e Omar também foi agredido. (Como seu pai antes dele, Ahmed está trabalhando no exterior para ganhar dinheiro, como urologista na Arábia Saudita.)
Em 2000, Mursi venceu a eleição para o Parlamento, se tornando líder do bloco de 18 legisladores da Irmandade, mas perdeu a eleição seguinte em meio a acusações de fraude apresentadas pelo partido do governo de Mubarak.
Na cultura patriarcal do Egito, e especialmente entre os islamitas, os homens raramente falam publicamente sobre suas mulheres, e mencioná-las pelo nome é quase tabu. Mas Mursi demonstra enorme apreço por Mahmoud, mesmo em público, às vezes dizendo em entrevistas pela televisão que se casar com ela “foi a maior realização pessoal da minha vida”.
Ele às vezes a ajuda nas tarefas domésticas, ela disse à revista “Nesf el Donia”, e até mesmo cozinha para ela. “Eu gosto de tudo nele”, ela disse. “Nossas brigas nunca duraram mais do que poucos minutos.”
Ela apareceu com frequência ao lado de seu marido na campanha, apesar de raramente falar em público. Quando um jornalista de revista pediu por uma foto, a resposta dela foi condicional. “Apenas se suas fotos me fizerem parecer mais jovem e um pouco mais magra”, ela disse.
Assim que a vitória de seu marido foi confirmada, os egípcios começaram a se maravilhar e rir com a ideia de uma dona de casa de cidade pequena se mudando para o palácio presidencial.
Mahmoud, entretanto, disse não saber ao certo sobre o palácio: “Tudo o que quero é viver em um lugar simples, onde eu possa cumprir meus deveres como mulher. Um local como o palácio presidencial isola você completamente do mundo em que as pessoas vivem, e se afastar demais endurece o coração”.
Tradução: George El Khouri Andolfato
Um comentário:
Tapada? Discordo completamente do título de sua postagem. Ela é fruto de sua cultura e espero que não deixe de ser simples como é.
Postar um comentário