quarta-feira, 30 de novembro de 2011

ALEMANHA SERÁ A TÁBUA DE SALVAÇÃO DA UE?

Alemanha precisa tomar uma decisão ou tudo estará perdido, diz ex-premiê da Itália
Der Spiegel
Para Romano Prodi, ex-primeiro-ministro italiano e ex-presidente da Comissão Europeia, fim da crise depende de coragem da Alemanha
Com o euro caindo pelas tabelas, todos os olhos estão voltados para a Alemanha. Romano Prodi, ex-primeiro-ministro italiano e ex-presidente da Comissão Europeia, diz em uma entrevista a "Der Spiegel" que a Alemanha, o país mais poderoso do continente, precisa finalmente tomar uma atitude e demonstrar a coragem necessária para resolver a crise da dívida.

Der Spiegel: Da mesma forma que o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, você é favorável à criação dos chamados eurobonds para fazer com que a Europa saia da crise?
Prodi: O Banco Central Europeu precisa desempenhar um papel apropriado na crise e os eurobonds precisam ser emitidos. Juntamente com o meu colega, eu propus títulos que seriam garantidos pelas reservas de ouro estatais e por outros fundos.
Der Spiegel: E que efeito teriam essas medidas?
Prodi: Pense só. Por que é que ninguém ataca o dólar? Olhando para o orçamento dos Estados Unidos, vemos que o dólar encontra-se em uma situação muito pior do que o euro. A dívida estadual da Califórnia é muito pior do que a da Grécia. Mas o dólar encontra-se defendido, até mesmo pelo Federal Reserve. Isso faz com que o dólar seja como um cão grande e forte. Ninguém morde o rabo de um cão grande.

Der Spiegel: E o euro poderia ser também um cão grande e forte?
Prodi: Sim, se houver vontade política. Veja que a Alemanha encontra-se neste momento em uma posição realmente forte. A Alemanha é a nova China.
Der Spiegel: Isso sem dúvida é um exagero.
Prodi: Vejamos a reunião de cúpula entre Alemanha e França. Não se pode dizer isso em voz alta, mas é a verdade: a chanceler Angela Merkel, no fim das contas, é obrigada a ditar as regras.

Der Spiegel: Então você está convencido de que a posição alemã em relação aos eurobonds tem que mudar para que a crise do euro seja resolvida?
Prodi: A Alemanha precisa tomar uma decisão em relação à Europa, ou tudo estará perdido. Mas eu não acredito que exista na Alemanha qualquer pessoa disposta a abrir mão da Europa.
Der Spiegel: Você é muito otimista quanto a essa ideia de que a crise pode ser superada. De onde vem esse otimismo?
Prodi: A racionalidade vai se impor. A Alemanha não pode abrir mão da sua fantástica situação econômica no mundo.
Der Spiegel: A situação econômica da Itália é um motivo maior de preocupação. Subitamente, porém, após anos de impasse, tudo aconteceu muito rapidamente: o ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi renunciou, o gabinete tecnocrata de Mario Monti ganhou um voto de confiança – tudo isso em um período de uma semana. Houve uma mudança no país?
Prodi: Na verdade, tudo ocorreu muito lentamente. A Itália encontra-se em meio a uma crise profunda que não deveria ter chegado a esse ponto. Berlusconi simplesmente teve que partir.

Der Spiegel: E ele de fato partiu?
Prodi: Eu não tenho certeza quanto a isso. Depois que renunciei ao cargo de primeiro-ministro, eu simplesmente retornei à Bolonha, a minha terra natal. Já Berlusconi dá declarações constantes demonstrando o seu desejo de manter uma porta aberta para um possível retorno ao palco político.

Der Spiegel: Ele disse que gostaria de retornar “com poder dobrado”.
Prodi: De fato, ele parece estar mais ativo na política agora do que quando era primeiro-ministro.
Der Spiegel: Berlusconi poderia se tornar uma ameaça para o sucessor dele, Monti?
Prodi: Não neste momento – Monti é muito respeitado para que isso ocorra. Mas Berlusconi não cederá. Ele perdeu a sua mágica, mas eu estou convencido de que ele tentará retornar à política.

Der Spiegel: Você teme isso?
Prodi: Você não pode imaginar como foi que eu sofri nos últimos anos. Aonde quer que eu fosse, o clima era de “bunga bunga”. Em Pequim, a minha mulher e eu fomos alvos de risadas. Até mesmo no Quênia, os guardas florestais apontavam para os macacos nas árvores e diziam: “Vejam só, eles estão fazendo 'bunga bunga'”.
Der Spiegel: A renúncia momentânea de políticos para dar lugar a um especialista em governo seria a solução correta para a Itália?
Prodi: No que diz respeito aos próximos meses, com certeza. Nós contamos com duas personalidades que podem dar aos mercados garantias de um comportamento racional. Uma delas é Mario Draghi, o diretor do Banco Central Europeu. A outra é o primeiro-ministro. Ambos são excelentes economistas e europeus altamente respeitados em todo o mundo.

Der Spiegel: E isso será suficiente para convencer os italianos de que é necessário fazer sacrifícios para que o país possa sair dessa crise?
Prodi:A questão não diz tanto respeito a crueldades, mas sim à mudança de estruturas e à liberalização de mercados. Eu lutei para fazer isso quando fui primeiro-ministro e enfrentei dificuldades enormes no parlamento.
Der Spiegel: Na Grécia, as tentativas de mudar as estruturas e a mentalidade de um país inteiro também não tiveram resultado até o momento.
Prodi:Não se pode comparar os dois países. Nós não temos que reduzir em 30% os salários dos nossos funcionários públicos. O nosso déficit orçamentário em 2012 será apenas a metade do déficit francês. Entretanto, nós precisamos de um governo forte, e até agora não contávamos com tal governo. Além disso, nós temos dois problemas que diferenciam a Itália dos outros países europeus: a sonegação fiscal generalizada e a economia paralela.

Der Spiegel: Você está falando sobre a corrupção e a máfia.
Prodi: Pense nos assassinatos ocorridos em Duisburg e você verá o quão terrível é capaz de ser o crime organizado na Itália. Nós precisamos tomar providências urgentes nessas áreas.

Der Spiegel: A sonegação fiscal não é um problema fácil de se eliminar.
Prodi: A minha experiência quanto a esse problema foi diferente. Quando fui primeiro-ministro, a arrecadação tributária foi aumentada simplesmente com o anúncio de que pretendíamos combater a sonegação de impostos. Na época as leis não estavam sequer prontas. O que se faz necessário é uma determinação convincente.
Der Spiegel: Apesar da mudança de governo, a pressão do mercado sobre a Itália não diminuiu. Por que?
Prodi: Isso evidencia que a crise já não diz respeito à Itália. Não há dúvida de que a Itália é um ponto fraco na crise como um todo. E quando eu estive em Washington, duas semanas atrás, foi embaraçoso para mim escutar que o ponto fraco das finanças mundiais era a Itália.

Der Spiegel: Você não concorda com isso?
Prodi: Para mim é difícil ver, por exemplo, uma companhia como a Siemens vir à Itália para contratar engenheiros e levá-los para a Alemanha porque esses profissionais têm qualificações excelentes. Eu próprio tenho dois sobrinhos que concluíram os seus programas de doutorado na Itália e agora estão trabalhando na Alemanha. E outros dois estão trabalhando na França.

Der Spiegel: Nesse sentido as coisas não mudaram muito desde a década de sessenta, quando vários italianos emigraram para a Alemanha.
Prodi: Naquela época foram os pobres que deixaram a Itália. Atualmente quem está indo embora são os membros do grupo de maior nível educacional. Isso representa um drama imenso. Mas o nervosismo persistente dos mercados demonstra que isso agora se transformou em um ataque voltado contra o euro. Se tivéssemos agido com mais decisão dois meses atrás, nós já teríamos superado a crise. Mas agora é muito tarde para dar pequenos passos. E a possibilidade de modificarmos a presente rota dependerá da próxima reunião de cúpula da União Europeia, em 9 de dezembro.
Der Spiegel: O que precisa ser feito?
Prodi: Para satisfazer os mercados, nós necessitamos de um ato de solidariedade na política europeia.
Der Spiegel: Isso significa que a Alemanha precisa pagar a conta, ou por meio dos eurobonds, que acabariam com o crédito do país, ou com a aquisição em grande escala de títulos do governo pelo Banco Central Europeu, que poderia levar à inflação?
Prodi: Isso depende da Alemanha. Nós precisamos de vontade política para acabar com a crise. É claro que eu sei que os alemães estão com medo de acabarem sendo os únicos a pagar a conta.
Der Spiegel: Isso é compreensível. Neste momento, a chanceler Angela Merkel parece estar completamente isolada, com todos os parceiros políticos exercendo pressão sobre ela. Essa medida seria efetiva?
Prodi: É dessa forma que a política funciona. Mas, sejamos racionais. A Alemanha está em melhor situação com o euro ou sem ele?
Der Spiegel: Com o euro.
Prodi: Sem dúvida. O retorno ao marco alemão provocaria a revalorização desta moeda e as exportações alemãs desmoronariam. Se o euro realmente acabasse, tal fato seria como uma explosão vulcânica. Ninguém saberia onde as pedras arremessadas pela erupção cairiam.

Der Spiegel: Por outro lado, a perspectiva de inflação em grande escala...
Prodi: …seria um suicídio político na Alemanha, eu sei. Mas também seria suicídio político não demonstrar força na condução de um país. Existem medidas que podem ser implementadas nesta crise.

Der Spiegel: Como é que a Europa mudará como resultado da crise?
Prodi: A Europa sempre se tornou mais forte por meio de crises. Mas a próxima Europa terá uma aparência diferente. Alguns Estados colaborarão ainda mais intensamente. E outros Estados, passo a passo, exigirão mais exclusividade para si e buscarão algo como uma Europa a la carte. O núcleo da Europa tomará cada vez mais decisões em conjunto, enquanto que os outros países ficarão cada vez mais na periferia.

Der Spiegel: Em outras palavras, teríamos uma “Europa de duas marchas”?
Prodi: Poderíamos ter uma Europa de até mais de duas marchas. Mas, no que diz respeito ao futuro da Europa, nós temos que ficar de dedos cruzados e torcer para que ela não tenha o mesmo destino que foi designado para a Itália na Renascença.
Der Spiegel: Você se refere a uma Europa fragmentada, que não seja mais competitiva no cenário mundial?
Prodi: Veneza, Florença, Milão, Gênova – no passado estas cidades tiveram domínio nas ciências, nas artes, no poder militar e na economia e pavimentaram o caminho para a primeira globalização ocorrida no mundo. E depois disso, por estarem divididas, elas permitiram que outras potências como a Espanha e a França as superassem. Atualmente não são só a Europa e os Estados Unidos que estão conduzindo a globalização, mas também a China e outras potências asiáticas.
Der Spiegel: E você teme que a União Europeia possa ficar para trás?
Prodi: Sim. Existem sinais disso. A União Europeia ainda pode ser a número um em termos de produto interno bruto, setor de exportação e produção industrial. Mas no Oriente Médio as pessoas estão fazendo perguntas como esta: se vocês são excelentes em tantas áreas, por que é que não contam com nenhuma autoridade? Essa é uma situação inacreditável.

Tradução: UOL

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