quarta-feira, 30 de novembro de 2011

GERAÇÃO PERDIDA: NÃO SABEM LER NEM ESCREVER E FUMAM CRACK

Acolhimento compulsório de menores é considerado um exemplo da boa recuperação
Medida, que vem tirando usuários de drogas das ruas, completa seis meses nesta quarta-feira
Rafael Galdo - O Globo
RIO - Cinco meses atrás, J., de 16 anos, dormia nas ruas da Favela da Mandela, uma das comunidades mais pobres do Rio, no Complexo de Manguinhos. Viciado em crack e subnutrido, ele trocava a comida pela droga e roubava para sustentar o vício. Hoje, o adolescente frequenta oficinas educativas, pratica esportes e alimenta o sonho de ser marinheiro. O motivo de tamanha mudança ele não hesita em afirmar: o acolhimento num centro de reabilitação público. J. foi um dos primeiros atingidos pela polêmica medida da prefeitura do Rio que determina o acolhimento compulsório de menores dependentes químicos, que completa seis meses nesta quarta-feira. E é considerado um exemplo da boa recuperação que está tendo a maioria das 104 crianças e adolescentes abrigadas compulsoriamente até agora pela Secretaria municipal de Assistência Social (Smas). Pouco tempo depois de ser acolhido numa operação em Manguinhos, ele reencontrou a mãe, que não via há seis anos, e começou a ser reinserido na família e na sociedade.
— Tinha uma vida do mal. Cheguei a ter que operar a perna depois de ser atropelado num assalto na Central para conseguir dinheiro para o crack. Dormia na rua, vivia roubando. Cheguei a vir para abrigos outras vezes, mas nunca ficava. Agora, tenho uma vida nova. E quero seguir em frente, estudar. Lutar muito para alcançar meu sonho de ser marinheiro — afirma o adolescente.
De acordo com o secretário municipal de Assistência Social, Rodrigo Bethlem, boa parte dos primeiros abrigados compulsoriamente já passa por processos semelhantes ao de J. E, semana após semana, nas operações nas cracolândias do Rio, afirma ele, reduz o número de crianças e adolescentes encontrados. Seis meses atrás, no Jacarezinho, por exemplo, diz o secretário, eram acolhidas em média 15 a 20 menores. Atualmente, esse número caiu para três a quatro recolhidos.
— Verificamos uma redução significativa. Não temos a ilusão de que, com essa medida, vamos acabar com o consumo do crack. Mas entendemos que essa dependência não pode ser tratada com algo normal e deve ser enfrentada com absoluta prioridade. Não é só o problema da droga. Muitos chegam aos abrigos com pneumonia, tuberculose, doenças de pele e doenças sexualmente transmissíveis. O abrigamento compulsório, com a ajuda da Secretaria de Saúde, tem dado tempo também para tratarmos desses agravantes — defende o secretário.
Atualmente, a Smas oferece 160 vagas para o acolhimento compulsório nos três Centros Especializados em Atendimento à Dependência Química (CEADQs), conveniados à secretaria, e na Casa Viva, unidade própria do município, inaugurada em maio, em Laranjeiras. O objetivo para o próximo ano, segundo Bethlem, é aumentar o número de vagas. E, além das regiões mais atacadas pelas operações até agora, como Jacarezinho, Maré, Manguinhos e Cajueiro, o objetivo é chegar a comunidades conflagradas da Zona Oeste, principalmente em Bangu e Santa Cruz, onde as cracolândias persistem, como na favela de Antares.
Nas regiões onde as operações, em parceria com a polícia, já se repetem há meses, os índices de pequenos delitos cometidos por esses dependentes químicos diminui. Na região do Jacarezinho, por exemplo, o comandante do 3º BPM (Méier), tenente-coronel Ivanir Linhares, diz que o registro desses crimes praticamente zera nos dois dias após as ações de acolhimento. Já no Centro da cidade, na região do 5º BPM (Praça da Harmonia), de acordo com o comandante do batalhão, coronel Amaury Simões, um levantamento mostrou que 90% dos casos de assaltos a transeuntes eram praticados por moradores de rua, para roubar principalmente cordões, relógios e celulares. Desde agosto passado, então, começou a ser feito um monitoramento nas áreas com maior número de assaltos: Central do Brasil, Praça da República, avenidas Rodrigues Alves e Francisco Bicalho e acessos à Lapa. Segundo ele, foi reforçado o policiamento nessas regiões. Mesmo assim, porém, os assaltos reduziram pouco.
— Resolvemos, assim, mudar a estratégia. Pedimos apoio à Smas para intensificar as ações de acolhimento na região. Em outubro, quando realizávamos uma operação por semana, foram 274 assaltos a transeuntes. Em novembro, até a última segunda-feira, 169 (redução de 38%). Se comparados com os números do ano passado, foram 360 assaltos em outubro e 316 em novembro. Em cada operação de acolhimento, cerca de 90 são recolhidas, aproximadamente 20 menores. E isso tem influenciado drasticamente nos índices de criminalidade da região, já que a maioria deles comete assaltos para sustentar o vício, sobretudo do crack — afirma o comandante.
Era o que fazia o adolescente W., de 16 anos, outro dos jovens atingidos pela medida de acolhimento. Em três anos, ele passou por cracolândias na Providência, na Mangueira e no Jacarezinho. Até um dia, há cerca de quatro meses, tomar a decisão de esperar a chegada de uma operação da Smas para ser abrigado.
— Vi que minha vida estava acabando. Passava vários dias sem comer, dormia na rua. Até perceber que não nasci para sofrer assim. Resolvi ficar e esperar uma operação de abrigamento. Na clínica, recuperei minha confiança na vida. Quero voltar a estudar, fazer um curso de informática. E, um dia, ajudar meus amigos da rua a também deixarem o vício — relata ele.

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