Alan Moore comenta máscara de ‘V de vingança’ em protestos
Personagem dos quadrinhos se tornou símbolo do ativismo moderno
O GLOBO
SUSANA VERA / REUTERS
RIO - Em sua prolífica carreira nos quadrinhos, Alan Moore criou (ou recriou) personagens que passaram a fazer parte das vidas dos adolescentes que leram suas obras - e ganharam ainda mais amplitude quando adaptados para o cinema. "Watchmen", "Do inferno" e "Liga extraordinária" são hoje clássicos inquestionáveis da HQ (os filmes nem tanto), mas nos últimos anos o escritor viu uma de suas criações tomar as ruas de forma surpreendente. A máscara de Guy Fawkes, usada pelo anti-herói de "V de vingança", se tornou onipresente nos protestos contra o sistema financeiro que tomaram várias cidades dos EUA e Europa e foram parar até mesmo no palco do Rock in Rio.
O recluso Moore, que não tem conexão a internet nem televisão e vive em sua cidade natal de Northampton, na Inglaterra, é avesso a entrevistas e ainda não havia falado sobre o fenômeno. Com sua longa barba e os cabelos desgranhados que lembram um ermitão, demonstrou satisfação ao comentar pela primeira vez o assunto, em entrevista ao jornal inglês The Guardian.
Após o fracasso de "Liga extraordinária", possivelmente o pior filme inspirado em sua obra, de 2003, Morre renegou todas as iniciativas posteriores de levar suas histórias ao cinema. Em "V de vingança", pediu até mesmo que seu nome fosse retirado dos créditos. O renascimento da máscara como emblema do ativismo moderno pode ter mudado esse sentimento.
"Imagino que quando estava escrevendo 'V de vingança' pensava no fundo do meu coração: 'Não seria ótimo se essas ideias tivessem impacto?'. Então quando você começar a ver a fantasia indolente invadir o mundo real... é peculiar. Sinto como se um personagem que criei há 30 anos de alguma forma escapasse do mundo da ficção."
A máscara de Guy Fawkes foi criada em 1982, quando Moore e o desenhista David Lloyd lançaram a série sobre um misterioso personagem que organiza um plano para destruir o governo autoritário que tomou o poder na Inglaterra. Finalizada em 1988, a obra foi escrita durante os duros anos do governo de Margaret Thatcher e ainda sob a influência da Guerra Fria.
Nos protestos, os manifestantes usam a versão da máscara criada para o filme "V de vingança", lançado pelos irmãos Wachowski em 2006 - versão desprezada pela crítica e abraçada por boa parte do público. Ironicamente, parte do dinheiro usado na compra das máscaras vai para uma supercorporação, a Warner Bros, que detém os direitos autorais do material.
Apesar disso, ela já foi vista em protestos contra o establishment em Nova York, Londres, Atenas, Rio, Moscou... Julian Assange usou uma em protesto contra a perseguição ao Wikileaks, a máscara se tornou símbolo do movimento hacker Anonymous e foi usada pelo cantor Tico Santa Cruz durante um discurso de tons anarquistas no show do Detonautas no Rock in Rio. Com um imutável sorriso num rosto branco com bochecas rosas e cavanhaque pintado de preto, passa um ar misterioso.
"Aquele sorriso é tão assustado", admite Moore, "Tentei usar a natureza misteriosa dele para criar um efeito dramático. Podíamos mostrar uma imagem do personagem apenas parado, silencioso, com uma expressão que poderia ser agradável, jovial ou sinistra. E quando você tem um mar de máscaras do V, faz os manifestantes parecerem um organismo único - o 99% que ouvimos tanto. Isso é formidável. Posso ver porque eles a escolheram."
Para os protestos contra o sistema financeiro, os manifestantes escolheram o slogan "Somos os 99%", contra o 1% que detém a maior parte da riqueza nos EUA e no mundo. Outra ideia que parece agradar Moore.
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