Euro foi uma armadilha para pobres, diz moradora da periferia de Paris
Miguel Mora - El País
"Todo mundo se tornou mais egoísta, não existe solidariedade, ninguém mais ajuda ninguém. Não sei muito sobre a dívida, mas sei que esta crise é uma merda, porque os mesmos de sempre é quem vão pagá-la, e dá na mesma que governe a esquerda ou a direita, porque quem manda são os bancos, as financeiras." Quem fala é Diabira, um jovem de 24 anos de raça negra que acaba de terminar seu turno na fábrica da PSA Citroën-Peugeot, um enorme edifício com os muros coroados de espinhos.
Parece uma prisão, mas é uma fábrica e dá emprego para milhares de trabalhadores. Por enquanto. O gigante francês dos automóveis anunciou que em 2012 deverá demitir 5.800 pessoas na Europa, 4 mil delas na França. Diabira conta que "na fábrica todos têm medo de perder o emprego". Ele trabalha aqui há três anos, no controle de qualidade das peças. Em sua seção, explica, "já nos disseram que no final do mês sairão todos os contratados temporários. Dizem que os fixos não, mas vamos ver".
Estamos em Saint-Ouen, a "banlieue" (periferia) do norte de Paris. O departamento chama-se Seine-Saint-Denis, mas todos o chamam de 93 por causa de seu código postal. É o lugar da França onde vivem, proporcionalmente, mais emigrantes; a zona com mortalidade infantil mais elevada (5,7%), com a população mais jovem (14% têm entre 14 e 24 anos) e o índice de emprego mais baixo: 11,6% de desemprego no segundo trimestre de 2011, contra 9,1% nacionais. Mas a cifra entre os jovens já alcança 43%.
Desde que começou a crise, em 2008, o modelo francês do Estado assistencial teve de se esforçar neste bairro pobre. O desemprego juvenil disparou 27% em três anos, e em abril só havia 66 jovens ganhando a Renda de Solidariedade Ativa (RSA), a prestação social para os trabalhadores e as pessoas com menos renda, criada em 2009 pelo governo. Mas a RSA, que beneficia 3 milhões de franceses, quase não serve para os desempregados menores de 25 anos, porque para ter acesso ao subsídio é preciso ter trabalhado 24 meses em tempo integral nos últimos três anos.
Nestas ruas sem butiques nem "brasseries", havia nos anos 1970 e 80 muitas empresas metalúrgicas e químicas. A deslocalização foi fechando quase todas, e as tentativas do governo para converter a zona em um grande polo empresarial --aqui estão as sedes da Alstom, BNP Paribas, Generali, Hermès e a telefônica SFR-- parecem ter rendido poucos benefícios a seus habitantes. Nas últimas eleições regionais, 67% dos inscritos no 93 preferiram não votar.
Saint-Ouen não é a pior área do 93, mas as barracas do mercadinho Ottino vendem a mesma quinquilharia que se pode encontrar nos bazares árabes e africanos. Enquanto a crise da dívida açoita a Europa, essas pessoas de todas as raças e cores lutam diariamente para encontrar ou manter um trabalho, chegar ao fim do mês, ir à universidade.
Diabira é um jovem educado, culto e com vontade de aprender, mas não pôde completar os estudos: "Comecei direito enquanto trabalhava à noite como agente de segurança. Depois conheci minha namorada, fomos morar juntos e precisei começar a trabalhar de dia. Entrei de aprendiz na PSA e hoje sou fixo e ganho 1.300 euros líquidos. Me dei bem, mas tive de renunciar ao meu sonho. Cada momento que estou na fábrica penso: 'Merda, eu queria ser político e ajudar as pessoas'. Mas agora tenho uma filha de 10 meses e esse é meu dever. Se o estado não me ajuda, é impossível sair dessa roda".
Passeando rua abaixo vem a senhora Chatti com uma grande barriga que anuncia sua iminente maternidade. Conta que é argelina e está há um ano em Paris; antes vivia no sul da França e quando estava na Argélia era secretária de direção de uma empresa de energias renováveis. "Queria me formar melhor e trabalhar, mas é difícil. A vida aqui é dura e cara. Os franceses são pouco acolhedores, e tenho medo de andar sozinha pela rua, vejo muitos ladrões e agressões."
Os dados parecem lhe dar razão: este ano houve 4 milhões de roubos na França. Sobre a Europa, Chatti tem uma opinião muito comum no bairro: "O euro foi uma armadilha para os pobres, tornou mais difícil a vida de muita gente, tudo ficou mais caro de um dia para o outro". Ela também ganha a RSA de 470 euros, mas só chega ao fim do mês graças a amigas que a ajudam, diz ela. "Mas quero que meu filho nasça na França e continuarei aqui."
No 93 há gente que está pior. Ahmed, 61 anos, ex-pedreiro, e Pascal, 45 embora aparente 20 a mais, matam o tempo bebendo cerveja no parque. São SDF: sem domicílio fixo, sem-teto. Os dois ganham seus 470 euros de subsídio, pedem esmolas na rua para comer e beber e expressam a mesma desconfiança na política e no mundo moderno: "A Internet e os celulares mudaram a vida. As pessoas andam pela rua com fones de ouvido ou o celular e ninguém fala com ninguém, passam ao seu lado sem vê-lo", protesta Pascal.
Só Arnaud Beseme, 27 anos, financista na multinacional Alstom, parece mostrar alguma esperança. Com seu primeiro emprego já ganha 2 mil euros, tem contrato fixo e se sente "muito mais europeu que francês". Inclusive está de acordo com "Merkozy": "Estão tentando resolver a crise, mas Sarkozy terá de aprovar ajustes mais duros, mesmo que isso custe sua reeleição. Seu problema é que parece que trabalha mais fora que em casa, e isso poderia favorecer a Frente Nacional".
Diabira sorri, cético. "Sarkozy fez algumas coisas boas, mas todos sabemos que são a senhora Merkel e os bancos quem decide nosso destino."
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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