terça-feira, 29 de novembro de 2011

RÚSSIA: PUTIN - A VOLTA DAQUELE QUE NÃO FOI

Putin vai voltar à Presidência - sem nunca ter saído de fato
Quando a lei não lhe permitiu 3º mandato, o mandachuva da Rússia colocou um fantoche em seu lugar para preparar o terreno onde pode se perpetuar no poder
Gabriela Loureiro - VEJA
."Há um nível alto de apatia política na Rússia, quase uma alienação. Eles dizem 'não importa', e apenas seguem com suas vidas"
Padma Desai, especialista em Rússia

Ao anunciar oficialmente sua candidatura para as eleições presidenciais de 2012, Vladimir Putin confirmou o que todos já sabiam: ele só sai do Kremlin se - e quando - quiser. Hoje no cargo de primeiro-ministro, já ocupou a Presidência entre 1999 e 2008 e só se retirou ao esbarrar na lei que lhe impedia ser reeleito pela segunda vez. Anunciou, então, o "pupilo" Dimitri Medvedev como seu substituto, enquanto articulava meticulosamente sua volta ao poder, com ainda mais poder. Nesse meio tempo, por exemplo, estendeu o mandato de presidente de quatro para seis anos e, agora, poderá ficar no cargo por mais doze anos, tornando-se um dos governantes mais longevos da história do país. Isso, se for eleito. E a combinação do grande crescimento econômico em suas administrações com uma oposição dizimada e uma população politicamente apática indicam que a vitória é certa.
Mas nada disso é novidade para os russos. Eles sabem que quem vem dirigindo o país durante todo esse tempo é Putin, mesmo quando Medvedev precisou assumir o posto de piloto. A população tanto reconhece a situação - e está acostumada a ela - que muitos eleitores se mostram apáticos demais para votar. Para tentar incentivá-los, e garantir um comparecimento em massa nas urnas, o partido do premiê (Rússia Unida) criou uma campanha apelativa sugerindo que, se os russos não quiserem votar por vontade política, que o façam por outros motivos, como o desejo carnal. No vídeo divulgado pela legenda (confira abaixo), uma mulher flerta com um homem pouco antes de votar, e os dois se fecham dentro da cabine eleitoral, quando surge o slogan: "Let's do it together" ("Vamos fazer aquilo juntos", em tradução livre).
Indiferença - A apelação, que beira ao ridículo, é vista como uma medida extrema para tentar motivar uma população que não é politicamente engajada. "Há um nível alto de apatia política na Rússia, quase uma alienação. Eles dizem 'não importa', e apenas seguem com suas vidas", explica ao site de VEJA Padma Desai, professora do Departamento de Economia da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, uma das maiores especialistas em Rússia da atualidade. Segundo ela, depois que Putin elevou o crescimento da economia como presidente, graças à alta do preço do petróleo na verdade, os russos firmaram uma espécie de "contrato implícito" com ele. "Eles pensam: 'Ok, nós vamos aguentar o seu leve autoritarismo porque você nos deu um nível mais alto de vida'", destaca. O problema é que seu autoritarismo se consolidou de tal forma, que hoje se estende muito mais do que o tolerável. Não há liberdade de imprensa na Rússia - os jornalistas que falam mal do governo são perseguidos e até executados -, e os líderes de oposição são presos ou exilados quando começam a ameaçar o poder do mandachuva. Putin também eliminou as eleições para o governo regional e para as prefeituras de São Petersburgo e Moscou, as duas principais cidades do país. Agora, esses cargos são apontados pelo Kremlin - ou seja, por ele.
Contudo, esse cenário não é novo e o perfil de Putin apenas segue o ritmo da história, salienta Padma. "Os russos tiveram líderes autoritários durante toda a sua história, desde Pedro, o Grande (primeiro imperador, que reinou de 1682 a 1725). Eles gostam de líderes fortes", afirma, considerando que o país nunca conheceu plenamente uma democracia. Dmitry Gorenbourg, professor do Centro de Estudos Russos da Universidade de Harvard, concorda: "Os benefícios da democracia ainda não foram sentidos pela população russa. Quando eles chegaram o mais próximo de uma democracia, no começo dos anos 1990, ela veio acompanhada por instabilidade e declínio e ficou com uma má reputação". E só depois de um crescimento econômico acelerado na primeira década do século, o país pode sentir como se estivesse finalmente entrando nos trilhos. "Nos anos 90, depois de um período de instabilidade e declínio econômico, os russos desejavam um líder capaz de lhes providenciar crescimento econômico e estabilidade, muito mais do que liberdade e democracia", recorda Gorenbourg. "Então, quando Putin entregou a eles esses objetivos, ganhou muita popularidade."
Aprovação - Popularidade esta que vem sendo abatida também pela crise financeira mundial. Seus índices, que costumavam ficar sempre acima de 70%, não passaram de 68% no último levantamento - a pior taxa em seis anos. Na semana passada, ele chegou até a ser vaiado pela primeira vez em sua carreira política, durante um evento público. Mas rapidamente ele tratou de se articular para reverter a situação desfavorável, e lançou mão de mais uma de suas campanhas tão características. Dessa vez, ele uniu striptease de belas loiras e vídeos de música techno. Uma das ações promovidas pelo Exército de Putin - como é chamado o grupo de jovens apoiadores do premiê - foi lançar um concurso no Facebook chamando mulheres para demonstrar seu apoio ao czar fanfarrão tirando a roupa. E quem enviasse o vídeo com o striptease mais "original" ganhava um iPad 2. As mesmas "apoiadoras" de Putin, que dizem não ter motivação política, também ficaram seminuas para lavar carros em frente à Universidade de Moscou com mesma desculpa de alavancar a popularidade do ídolo. Como se não bastasse a legião de "fãs", Putin ainda trabalha a autopromoção, vestindo roupa de mergulho para fingir recuperar dois jarros de cerâmica que datavam do século 6, cavalgando sem camisa na natureza, viajando de Harley-Davidson e pilotando um avião.
Com aprovação mais baixa que a do "mestre", em torno de 66%, Medvedev usou exatamente a desculpa de Putin ser mais popular para justificar porque desistiria de concorrer à reeleição. Na verdade, ele assumiu a Presidência apenas como parte da estratégia de Putin para se perpetuar no poder, e foi usado como "fantoche" para dar uma imagem mais liberal e moderna ao governo - e a sensação (falsa) de renovação. "Medvedev era visto como o liberal modernizador que a Rússia queria em 2008, enquanto a imagem de Putin ao final de seu segundo mandato era mais dura", compara Dmitry Gorenbourg. Portanto, o que se pode esperar do futuro do país com a volta dele à Presidência (já que do poder ele nunca saiu), é só mais do mesmo. "Enquanto Putin for o homem forte, não há esperança para a democracia. O processo de democratização russa será lento e gradual, e pode levar algumas décadas." Ou seja, o governo continuará tentando manter a estabilidade e o crescimento econômico. No máximo, ocorrerão algumas mudanças nessa área, como diversificação da economia (cuja base é o petróleo e o gás natural), e um aumento do investimento estrangeiro. Mas o autoritarismo, este tumor embutido na história da Rússia, deve permanecer no mesmo lugar.

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