Os Simpsons viram peça de teatro nos EUA
Eric Grode - NYT
Se uma única peça da cultura ocidental fosse sobreviver ao apocalipse, poderia ser pior do que o episódio “Cape Feare” dos “Simpsons”.
Escolher um episódio dessa série animada, que já tem 23 temporadas e continua na Fox, como potencial texto base certamente deve incitar grandes discussões. A seu favor, “Cape Feare” --uma paródia de 1993 de um filme de 1991 de Martin Scorcese (que já era uma regravação), na qual Sideshow Bob substitui Robert De Niro como um ex-condenado em busca de vingança-- inclui uma ameaça não ameaçadora: “Eu vou ficar longe do seu filho, sim. Ficar longe para sempre!”
Memórias dessa frase --dita por Kelsey Grammer-- e do resto do episódio têm um papel central em “Mr. Burns, a Post-Electric Play”, o mais recente trabalho dos Civilians, uma trupe de teatro investigativo. Na peça, que estará em cartaz até o dia 1o de julho no Woolly Mammoth Theater Company, em Washington, Anne Washburn pega o estilo de trabalho dos Civilians e gradualmente o converte em algo muito mais assustador e tênue.
A peça começa em um futuro próximo, pouco após um apagão global de energia que destruiu quase todos os Estados Unidos. Quando não estão buscando entes queridos ou baterias, um grupo de sobreviventes tenta memorizar “Cape Feare” com um rigor que deixaria orgulhosos os monges copiadores de manuscritos da Irlanda.
Nos 80 anos que se seguem, contudo, as apresentações do episódio se tornam uma cópia da cópia da cópia, deixando o original irreconhecível na medida em que se transforma para atender as necessidades dos ouvintes.
O conto resultante “não é tão inteligente. De fato, não tem a menor sagacidade. Mas é muito mais emotivo, como eram as peças da Paixão antigamente. Isso pareceu apropriado para esse cenário cataclísmico”, diz Washburn.
A ideia de um testemunho se degradando com o tempo poderia ser uma ameaça à estética dos Civilians. Em peças como “In the Footprint”, “This Beautiful City” e “You Better Sit Down”, o grupo demonstrou a força que pode ser tirada de conduzir entrevistas e depois transmitir esse texto para o público, incluindo tudo, até o gaguejar.
Mas Steven Cosson, diretor artístico dos Civilians e diretor de “Mr. Burns”, apontou que vários dos trabalhos da trupe fugiram desse estilo; entre as exceções está a peça de Jordan Harrison, “Maple and Vine”, que também usa o conforto das séries de televisão como trampolim dramático.
Para “Mr. Burns”, Washburn organizou uma oficina em 2008 para ver se os atores conseguiriam se lembrar de um único episódio. “Não sabíamos como seria a memória deles dos 'Simpsons'”, disse ela, mas por acaso um participante, Matthew Maher, era um profundo conhecedor dos “Simpsons”. O grupo rapidamente escolheu “Cape Feare”, que o Entertainment Weekly selecionou em 2003 como “o mais meticuloso e maníaco” dos episódios de cultura popular.
“Primeiro, Matt basicamente nos contou tudo, com a ajuda de Jenny e Maria”, disse Washburn, referindo-se às atrizes Jennifer R. Morris e Maria Dizzia. Depois, as mulheres tentaram descrever o episódio, “com Matt interrompendo e corrigindo”. Finalmente, Morris e Dizzia explicaram para novos ouvintes sem a assistência de Maher. A recontagem do primeiro ato se baseia nos transcritos dessas três sessões, e os personagens têm o nome dos participantes da oficina (que não estão em Woolly Mammoth).
Uma mudança crucial vai se desenrolando com o personagem título. Burns não está em “Cape Feare”, mas no final da peça de Washburn ele suplantou Sideshow Bob como o grande nêmesis do episódio.
“O personagem de Robert De Niro em 'Cabo do Medo' é uma figura primal”, disse Washburn, “enquanto Sideshow Bob é um erudito, um Kelsey Grammer quintessencial. E isso de fato não fazia sentido para nossos propósitos. Um vilão pateta não refletia o que o público naquele mundo precisava."
A posição de Mr. Burns como magnata da energia nuclear de Springfield também é crucial para a peça, que faz alusão a derretimentos nucleares. “Sem uma sociedade intacta para manter as usinas nucleares, acontece toda espécie de coisas”, disse Cosson.
“Em “The Simpsons”, Mr. Burns é a personificação da energia nuclear, então ele se torna uma figura crucial para esta sociedade. “Os Simpsons” fizeram uma paródia de um filme muito assustador. E entrando em um mundo muito mais frágil e perigoso, eu acho que essa peça se relaciona mais com o original de “Cabo do Medo” do que com a paródia dos 'Simpsons'”.
Cosson disse que mostrou o roteiro aos advogados e recebeu garantias que “Mr. Burns” estava dentro dos parâmetros de uso justo da lei de direitos autorais. Washburn ressaltou que sua peça não era “uma história dos 'Simpsons'”, e sim uma “história de pessoas contando histórias dos 'Simpsons'”.
Talvez a recontagem drástica e sagazmente nova que ela criou no final de “Mr. Burns” sirva o propósito duplo de atrair o público e afastar os advogados da Fox.
Dramas sérios inspirados em séries de televisão
Recriações kitsh dos amados títulos da televisão não são novidade: “The Real Live Brady Bunch”, trazia pessoas como Jane Lynch e Andy Richter interpretando os episódios literais nos anos 90. Uma peça há muito esquecida chamada “CBS Live” fez o mesmo com “The Honeymooners” e “I Love Lucy”, em 1992, e uma versão musical de “Happy Days” teve sua estreia em Connecticut em 2007. Muitas peças, entretanto, voltaram sua atenção para a televisão com intenções mais elevadas:
A peça arrasadora de David Rabe de 1971, “Sticks and Bones”, recriou a família de “The Adventures de Ozzie e Harriet” como uma família ideal tacanha, incapaz de lidar com a situação quando David Nelson volta cego do Vietnã. O paródico Christopher Durang fez graça em 1976 de “Sticks” e “Ozzie and Harriet” com “The Vietnamization of New Jersey”.
Em “Maple and Vine”, de Jordan Harrison, os personagens principais começam rindo da ideia de serem como Ward e June Cleaver, mas logo se viram assistindo “I Love Lucy”, com jantares congelados na frente da televisão.
Mais de 50 personagens dos “Simpsons” fazem aparições em “MacHomer” de Rick Miller, uma recontagem de “Macbeth” que acaba de terminar uma temporada no Festival de Shakespeare Stratford em Ontário, completa com Moe, diretor Skinner e o capitão McAllister como Weird Sisters.
David Adjmi pouco falou de sua peça “3C”, que começa na quarta-feira no teatro Rattlestick Playwrights, mas dizem que os personagens e situações serão extremamente familiares aos fãs de “Three`s Company”. (Será que o título “One Man, Two Roommates” já estava ocupado?)
Tradutor: Deborah Weinberg
Nenhum comentário:
Postar um comentário