segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

POR DEMONSTRAR FALTA DE ÉTICA, POR POSSUIR UMA MORAL DUVIDOSA E POR SE OPOR À TRANSPARÊNCIA, O JUDICIÁRIO TEM QUE SER VIGIADO PARA QUE SE SE TRANSFORME NUM CONGRESSO NACIONAL

A sobrevivência do CNJ
O Estado de S.Paulo
Estimuladas pelas liminares concedidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que suspenderam o poder do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de investigar magistrados acusados de irregularidades e de quebrar seus sigilos fiscal e bancário, associações de juízes estão pedindo que a corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, passe de investigadora à condição de investigada. A ministra Eliana Calmon, por sua vez, ao justificar as correições que vem fazendo em 22 Tribunais de Justiça, afirmou que o corporativismo de desembargadores se converteu no "ovo da serpente do Judiciário".
Como as discussões se tornaram mais acirradas após a concessão das liminares, pelo STF, no calor dos debates as duas partes apelaram para argumentos marcados mais pela paixão do que pela razão. Alguns juízes, por exemplo, acusam Calmon de ter determinado a quebra do sigilo de 216 mil juízes e servidores judiciais. A corregedora classificou a acusação como "mentirosa". Alegou que o número de movimentações financeiras consideradas atípicas pelo CNJ não chega a 500. E disse que não houve quebra de sigilo, pois todo servidor público tem de entregar sua declaração de bens e os tribunais são obrigados a divulgar suas folhas de pagamento.
O que está em jogo, nessa discussão que nem sempre é conduzida com serenidade, é a sobrevivência do CNJ como eficaz órgão de controle externo do Judiciário.
A magistratura quer que a Procuradoria-Geral da República abra uma investigação para apurar se Calmon cometeu crime ao determinar correições dos Tribunais de Justiça, cruzando folhas de pagamento com declarações de Imposto de Renda de juízes e servidores. Essa decisão, contudo, não foi tomada por ela, mas por seu antecessor, ministro Gilson Dipp. Ele teve atuação exemplar no período em que esteve à frente da corregedoria do CNJ. Além das correições, Dipp se destacou no combate ao nepotismo, proibindo desembargadores de contratar parentes para cargos de confiança.
Em suas declarações, Eliana Calmon disse que apenas deu sequência às decisões tomadas por seu antecessor. Em 2009, depois de receber denúncias de irregularidades no pagamento de verbas atrasadas a juízes e servidores, Dipp pediu a todos os tribunais do País que enviassem os nomes completos e os CPFs de seus juízes - e, com base neles, solicitou ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) um levantamento das movimentações financeiras acima de R$ 500 mil, entre 2006 e 2010.
As investigações correram normalmente até que chegaram ao Tribunal de Justiça de São Paulo, onde foram constatados problemas em pagamentos feitos a alguns desembargadores. A ministra Eliana Calmon alega que, nesse tribunal, o mais refratário às fiscalizações do CNJ, as inspeções se circunscreveram a 2009 e 2010, quando nenhum dos atuais ministros do STF a integrava. Ela não citou nomes, mas fez referência a duas reportagens publicadas pelo jornal Folha de S.Paulo. Uma noticiou que o ministro Ricardo Lewandowski teria sido beneficiado pela liminar que concedeu no início da semana, suspendendo inspeções feitas pelo CNJ na Justiça paulista, onde foi desembargador. Outra reportagem noticiou que 17 desembargadores - entre eles o ministro Cezar Peluso, hoje à frente do STF - teriam recebido de uma só vez o pagamento de passivos trabalhistas, enquanto os demais desembargadores estariam recebendo o que têm direito em parcelas.
A corregedora também classifica as manifestações das associações de juízes - que a acusam de crime de quebra de sigilo - como "tentativa de desviar o foco do que está em jogo" - a sobrevivência do CNJ. De fato, criado para promover o controle externo da magistratura, o CNJ foi a principal inovação da Emenda Constitucional 45, que introduziu a reforma do Judiciário, em 2004. Desde então, os corregedores do órgão apenas cumpriram suas atribuições, ouvindo denúncias, apurando irregularidades e coibindo desvios éticos.
A crise da Justiça é o desdobramento da resistência das corporações judiciais à atuação do CNJ. "Detratam um órgão que defende as instituições", diz Eliana Calmon, depois de afirmar que, "mesmo inconformada", cumprirá as liminares do STF.

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