Alguns pecados dos manuais de economia
Donald J. Boudreaux - OL
Pessoas que sem conhecimento de economia são suscetíveis a todo tipo de mal-entendido. Felizmente, mesmo o conhecimento apenas básico da economia sólida (sound economics) é um inoculante poderoso contra muitas falsidades perigosas e meias-verdades.
Este fato, no entanto, não implica que a exposição a mais economia é necessariamente boa. A triste realidade é que os economistas muitas vezes apresentam suas análises dos mercados de modo confuso, não só para os desavisados não-economistas mas também, e muitas vezes, para os próprios economistas.
Um exemplo desta confusão encontrado frequentemente é a discussão dos economistas sobre concorrência. O que os livros didáticos de introdução à economia descrevem como concorrência “perfeita” (ou “pura”) se assemelha a nada que possa ocorrer no mundo real. No mundo dos livros didáticos, as empresas e firmas não diferenciam seus produtos dos de seus rivais. Empresas nunca tentam ganhar mais clientes através da melhoria da qualidade de seus produtos. Além disso, as empresas não fazem publicidade e propaganda. Na verdade, elas nem mesmo reduzem os preços porque cada empresa “perfeitamente competitiva” é uma “tomadora de preço”: é muito pequena para afetar o preço de mercado e assim pode vender tanto quanto desejar a qualquer preço predominante no mercado.
Estes e outros problemas com o modelo de “concorrência perfeita” têm sido apontados repetidamente, especialmente por economistas mergulhados na tradição austríaca — veja, por exemplo, o ensaio de Hayek “O significado da competição” (em português e em inglês). No entanto, o típico economista ainda se agarra à ideia de que a “concorrência perfeita” é a concorrência perfeita. Este típico economista, deve-se admitir, entende que as condições necessárias para a “concorrência perfeita” prevalecer nos mercados reais nunca podem existir. Mas o modelo continua a ser o ideal baseado no qual os mercados do mundo real são julgados.
Quanto mais próximos os mercados do mundo real estão dos mercados “perfeitamente competitivos” do livro didático, mais competitivos os mercados do mundo real são considerados.
E a concorrência sendo uma coisa boa, este típico economista presume que políticas anunciadas como incentivo aos mercados do mundo real para o ideal de “concorrência perfeita” são desejáveis.
Supostas Conclusões
Mas tal presunção é injustificada, em parte porque muitas das conclusões da análise são introduzidas nos pressupostos iniciais do modelo.
O mais importante entre os pressupostos fundamentais deste modelo é que as forças competitivas se manifestam apenas na forma de cortes de preços. Portanto, qualquer coisa que impeça que os preços sejam cortados (até o nível em que o modelo especifica como apropriado) é considerado como um obstáculo à concorrência — de fato, como um elemento de monopólio que impede a economia de operar de forma mais eficiente.
Até hoje, muitos economistas do mainstream descrevem qualquer empresa que pode aumentar, mesmo que modestamente, o preço que cobra por seus produtos sem afastar todos os seus consumidores, como possuidora de um poder de monopólio.
Observe a confusão: um produtor de controle de pragas que visa aumentar suas vendas fazendo uma ratoeira de melhor qualidade é considerado, por este modelo, como um portador de poder monopolístico! Competir por clientes fazendo algo diferente do que simplesmente o corte de preços é, de acordo com o modelo, não competitivo.
Não dá para inventar este tipo de coisa.
Outro exemplo de como os economistas frequentemente se confundem (e os outros) envolve a questão da “falha de mercado”. Aquele mesmo livro didático introdutório de economia que ensina o modelo de “concorrência perfeita”, explica, alguns capítulos depois, que os mercados funcionam subótimamente sempre que alguns grupos de pessoas agem de maneiras que afetam outros grupos de pessoas sem o consentimento destes terceiros. O livro didático, em seguida, explica que, felizmente, os economistas sabem como modelar impostos ou regulamentos para corrigir o problema.
Externalidades e Pressupostos
Tais situações – que os economistas chamam de “externalidades” – são de fato ruins. Se Smith paga Jones para bater-me na cabeça com um martelo, sem meu consentimento, eu – a terceira parte – estou inquestionavelmente em situação pior. (A melhor e mais simples solução, neste caso é dar-me um direito executório de propriedade em minha pessoa: ninguém pode me bater e se livrar com este ato sem o meu consentimento.)
Mas as histórias que os economistas normalmente contam sobre externalidades – e de como “resolvê-las” – muito vagamente esgueiram-se em suposições ilegítimas.
Aqui está um exemplo: Smith paga Jones pelas costeletas de porco, cuja produção é feita na fazenda de porcos de Jones, ao lado de onde eu vivo e isto enche a minha casa com odores desagradáveis. O economista salta à conclusão de que eu sou o injustiçado. Talvez eu seja. Mas suponha que eu comprei minha casa sabendo que era ao lado de uma fazenda de porcos. Eu ainda estou injustiçado? Não: O preço que paguei pela minha casa foi descontado, devido à sua localização dentro da área afetada pelo cheiro da fazenda. Eu não apenas consenti a suportar odores suínos em minha casa, como também fui compensado para fazê-lo (na forma de um preço mais baixo do que o de uma casa semelhante localizada em um bairro mais cheiroso).
Ou suponha que, alternativamente, a fazenda de porcos, inesperadamente, mude-se para o meu bairro, depois que eu comprei a minha casa. Agora estou prejudicado? A resposta não é clara. Se a localização da minha casa é tal que os compradores de casas devem razoavelmente esperar a possibilidade de que fazendas podem se estabelecer nas proximidades, então, quando eu comprei a minha casa havia uma questão em aberto sobre se devem ou não devem os proprietários ter o direito ao ar livre de odores no bairro. E por esta questão não poder ser respondida pela ciência econômica somente, é ilegítimo para um economista concluir que a fazenda necessariamente deve ser tributada ou regulada com a finalidade de purificar o ar da vizinhança dos odores fedorentos.
As Maiores Externalidades
Economistas estão corretos em salientar que existem externalidades. Mas os economistas são demasiadamente frívolos rotulando este ou aquele efeito de “externalidade” – e, o que é ainda pior, são muito ingênuos em supor que o governo pode ser confiável a “internalizar” as externalidades de modo a melhorar a alocação de recursos ao invés de torná-la pior.
Não se esqueça o que muitos economistas parecem nunca entender: a tomada de decisão coletiva em si – de cidadãos eleitores até os políticos gastadores do dinheiro de contribuintes – está infectada com o que são, talvez, as maiores e mais intratáveis externalidades. Custos são constantemente impostos a terceiros. A economia exercida corretamente destacaria os perigos de tentar curar externalidades com um processo que, em si, é profundamente infectado com externalidades. Infelizmente a economia é muitas vezes exercida de forma inadequada.
Publicado originalmente em The Freeman Online
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