quarta-feira, 28 de março de 2012

ENTROU POR UM OUVIDO E SAIU PELO OUTRO

Autoridade cubana descarta reformas pedidas pelo papa
Randal C. Archibold e Victoria Burnett - NYT
Logo após o papa Bento 16 ter rezado em um santuário reverenciado em Cuba na terça-feira (27), pedindo ao país para que avance “por caminhos de renovação e esperança”, um alto ministro do governo deixou claro que as mudanças econômicas abrangentes em andamento aqui não seriam acompanhadas pelas reformas políticas pedidas pelo papa.
Os comentários do ministro, Marino Murillo, vice-presidente do Conselho dos Ministros e a autoridade que está supervisionando os passos rumo a um mercado mais livre, representaram uma espécie de resposta ao papa, que nos últimos dias retratou o sistema político daqui como inviável e intercalou seus comentários desde sua chegada, na segunda-feira (26), com pedidos por maiores liberdades.
“Nós estamos atualizando nosso modelo econômico, mas não estamos falando sobre reforma política”, disse Murillo aos repórteres em um hotel em Havana, enquanto as telas de televisão ao seu lado mostravam imagens do papa partindo de Santiago de Cuba para a capital, onde se encontraria com o presidente Raúl Castro na noite de terça-feira.
Bento 16 usou palavras escolhidas com cuidado nesta viagem, mas no avião para a região na semana passada, ele criticou explicitamente os sistemas políticos baseados no marxismo, dizendo que a “ideologia como foi concebida não mais responde à realidade”, uma mensagem que ele também enfatizou em seus textos.
Mesmo após ter aterrissado em Cuba na segunda-feira, o papa disse aos cubanos para que “lutem para construir uma sociedade aberta e renovada, uma sociedade melhor, mais digna do homem, que reflita mais a bondade de Deus”.
Na terça-feira, o papa iniciou o dia em Santiago com uma visita ao santuário de Nossa Senhora da Caridad del Cobre, a santa padroeira de Cuba e figura adorada por pessoas de muita fé, por causa da crença de que ela traz boa sorte. Lá, Bento 16 tocou novamente nas liberdades que vão além da abertura à prática religiosa que ocorreu aqui nas duas últimas décadas, que ele celebrou.
Ele rezou, ele disse, “pelas necessidades das pessoas que sofrem, por aquelas que estão privadas da liberdade, longe de seus entes queridos, ou que passam por momentos de dificuldade”.
Quão duramente o papa pressionará por um aumento das liberdades políticas é a questão central de sua visita a Cuba. A Igreja Católica Romana aqui exerceu um papel central nos últimos anos na obtenção da soltura de presos políticos cubanos, mas também é criticada pelos dissidentes pelo excessivo aconchego com o governo.
Bento 16 realizaria um encontro privado com Raúl Castro na terça-feira, e possivelmente com Fidel Castro, que há 14 anos recebeu o antecessor de Bento 16, João Paulo 2º, o primeiro papa a visitar Cuba. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que chegou a Cuba na noite de sábado (24) para tratamento de câncer, não foi convidado para o encontro com Raúl Castro, mas seria bem-vindo a assistir a missa na quarta-feira (28), na Praça da Revolução, disseram autoridades do Vaticano.
Cuba começou a permitir algumas empresas privadas, como pequenos negócios para venda de pizza, bugigangas e outros bens simples. O governo também permitiu aos cubanos a compra e venda de imóveis e automóveis, suspendendo ou relaxando proibições impostas há décadas, ao tentar retirar milhares de trabalhadores da folha de pagamento do governo e reviver uma economia moribunda.
Bento 16, frequentemente à sombra de um antecessor lembrado por sua conexão com os fiéis, tem buscado o toque comum por toda a viagem, que incluiu uma visita de três dias ao México.
Ele se referiu a Nossa Senhora de El Cobre como “Mambisa”, um termo popular que evoca sua associação com a luta de Cuba pela independência da Espanha. Como é o costume, ele deixou uma oferenda –uma rosa dourada.
Sua visita chama atenção para a Virgem Maria. Segundo a crença católica, a Virgem, uma estátua de madeira de 30 centímetros de altura, foi encontrada flutuando no mar há 400 anos, em um raio de sol ao leste de Cuba, por dois pescadores, com seu manto seco. Lina Ruz, a mãe de Fidel e Raúl Castro, visitou o santuário enquanto seus filhos lutavam na revolução cubana.
A Virgem Maria também é adorada pelos praticantes da Santería, uma religião que mistura elementos católicas e africanos, que a considera a deusa do amor.
Várias das pessoas que margeavam as ruas para saudar o papa em El Cobre, na terça-feira, disseram que sentem uma forte fé na Virgem Maria e parariam para rezar no santuário. Mas, refletindo as dificuldades da Igreja Católica na ilha, elas também disseram que não vão à missa regularmente. Várias seitas não católicas cresceram com o aumento da liberdade religiosa.
“Ela é o sangue de todos nós que vivemos nesta cidade”, disse María Cristina García, uma funcionária de hospital de 43 anos que estava vestida dos pés à cabeça de amarelo, a cor associada à Virgem.
Os padres em Cuba depositaram suas esperanças de expansão de seu pequeno número de fiéis nas manifestações de fé popular que aumentaram em torno da Virgem Maria no ano passado, quando ela foi levada em uma viagem por toda a ilha para marcar seu 400º aniversário.
“A peregrinação da Virgem foi uma revelação para nós”, disse José Miguel González Martín, reitor do Seminário de São Carlos e Santo Ambrosio, em Havana. “Um de nossos maiores desafios é converter as pessoas que são batizadas, mas que não vivem de modo consistente com os princípios cristãos.”
É uma mudança para uma Igreja que despreza a devoção folclórica como animismo sem estrutura, mas precisa competir pelas almas entre os muitos praticantes cubanos da Santería, um sistema de crença que mistura a fé Yoruba com o catolicismo, sem contar uma proliferação de igrejas evangélicas, que ganharam enorme terreno na ilha desde que a visita do papa João Paulo 2º em 1998 abriu as portas para uma maior liberdade religiosa.
É uma concessão, em particular, para Bento 16, que, como o cardeal Joseph Ratzinger, era mais conhecido por seus impetuosos textos teológicos quando era o guardião da doutrina do Vaticano. Como papa, seus discursos frequentemente se concentram nas tensões entre fé e razão.
Como guardião da doutrina do Vaticano, Bento 16 se opõe à mescla do Catolicismo com a prática local, um fenômeno disseminado em algumas tradições africanas e afro-caribenhas.
Mas nos últimos anos, o papa buscou visitar santuários à Virgem Maria, em destinos famosos de peregrinação como Lourdes e Fátima, mas também no Brasil e em seu país natal, a Alemanha. Esses locais de devoção popular, que eram queridos por seu antecessor, falam mais de uma espiritualidade de baixo para cima, que às vezes parece estar em conflito com sua veia intelectual.
Tradução: George El Khouri Andolfato

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