Eleição dos Estados Unidos atrapalha acordo na reunião da Cúpula de Segurança Nuclear
Mark Landler - NYT
Os diplomatas gostam de dizer que a política norte-americana termina à beira-mar. Mas, nesta semana, a política relativa à eleição presidencial dos Estados Unidos chocou-se com a pauta de uma reunião sobre segurança nuclear que ocorre do outro lado do mundo.
Na terça-feira (27), o presidente Barack Obama declarou que os Estados Unidos e a Rússia não poderão resolver realisticamente os seus desacordos em relação a um sistema de defesa antimísseis norte-americano neste ano porque a agenda política da campanha presidencial fará com que seja impossível obter apoio para qualquer acordo. “A única maneira que eu tenho de resolver esse problema é conversando com o Pentágono e com o congresso, e obtendo apoio bipartidário”, declarou Obama aos jornalistas aqui em Seul. “Francamente, o clima atual não é favorável a conversas produtivas”.
A tempestade teve início na segunda-feira, quando Obama foi captado por um microfone em um momento de sinceridade, quando dizia ao presidente Dmitri Medvedev, da Rússia, que ele, Obama, terá maior flexibilidade para lidar com a questão espinhosa do sistema de defesa antimísseis depois da eleição presidencial de novembro nos Estados Unidos. “Entendo”, respondeu Medvedev. “Eu passarei essa informação para Vladimir”, continuou o russo, referindo-se a Vladimir Putin, que conquistou um novo mandato como presidente em uma eleição realizada neste mês.
Os republicanos, como era de se esperar, não perderam tempo em atacar o presidente. O candidato favorito a disputar a presidência pelo Partido Republicano, Mitt Romney, declarou que uma conversa tão franca com um líder estrangeiro se constitui em “um fato alarmante e perturbador”. O presidente da câmara dos deputados, John A. Boehner, disse que está curioso para saber o que Obama quis dizer com a palavra “flexibilidade”.
Na terça-feira, o presidente reuniu-se de novo com Medvedev, desta vez para falar a respeito de uma operação conjunta para descontaminar uma área de testes nucleares no Cazaquistão. Quando lhe pediram para explicar o que quis dizer durante a sua conversa não exatamente privada com o líder russo no dia anterior, ele procurou desfazer qualquer mal-estar. “Primeiramente, os microfones estão ligados?”, disse brincando Obama, acenando para uma verdadeira floresta de microfones.
A seguir, o presidente passou a explicar as complexidades envolvidas na negociação de tratados para controle de armamentos. Nesse caso específico, a Rússia se opõe à instalação de um sistema de defesa antimísseis na Europa porque, segundo ela, o sistema poderia ser utilizado para neutralizar os seus mísseis balísticos intercontinentais. A Rússia exigiu garantias por escrito de que isso não acontecerá, mas os Estados Unidos recusaram-se a aceitar tais restrições.
Usando um argumento semelhante àquele que vem utilizando contra os republicanos desde o desacordo relativo ao teto da dívida no verão norte-americano passado, Obama afirmou que o clima altamente partidário que prevalece em Washington fará com que seja difícil chegar a um denominador comum com a Rússia em relação a questões sensíveis como essa. “Não é possível iniciar esse processo poucos meses antes da eleição presidencial e parlamentar nos Estados Unidos, e no momento em que eles acabaram de realizar eleições na Rússia e se encontram ainda em um processo de transição presidencial”, afirmou Obama, enquanto Medvedev escutava.
Para que ninguém questionasse seus motivos, Obama mencionou o vínculo entre a questão relativa ao sistema de defesa antimísseis e o seu objetivo de reduzir radicalmente o tamanho do arsenal nuclear norte-americano. Segundo ele, para isso os Estados Unidos precisarão construir uma relação de confiança com a Rússia ao lidarem com a questão do sistema de defesa antimísseis. “Não se trata de esconder o jogo”, disse ele. “Eu quero que nós implementemos uma redução gradual e sistemática da nossa dependência de armas nucleares”.
Quando Obama terminou, e um intérprete começou a traduzir a declaração dele para o russo, o presidente sacudiu a mão, como se para sugerir que aquilo que ele falou não se destinava a ser ouvido para uma plateia não americana. Mas Medvedev também criticou a resposta política dos Estados Unidos, afirmando que a atitude de alguns candidatos presidenciais norte-americanos em relação à Rússia --especialmente a forma como Romney caracterizou a Rússia como sendo um inimigo dos Estados Unidos-- “tem cheiro de Hollywood”. Romney disse à rede de televisão CNN na última segunda-feira que a Rússia é “o inimigo geopolítico número um” dos Estados Unidos.
“Olhem para os seus relógios”, disse Medvedev aos jornalistas em uma entrevista durante um intervalo da reunião de segurança nuclear em Seul. “Estamos em 2012, e não em meados da década de 70. As pessoas precisam prestar atenção às realidades políticas, independentemente do partido ao qual elas pertencem”.
Autoridades da Casa Branca disseram que Obama apenas declarou o óbvio. Mas isso não os impediu de emitir uma apressada declaração de esclarecimento na noite da segunda-feira, depois que a ABC News transmitiu a conversa privada de Obama com Medvedev que foi captada pelo microfone. E a declaração também não poupou o presidente de pedidos de explicações mais detalhadas feitos pelos repórteres no dia seguinte.
O presidente justificou-se citando as realidades típicas de um ano eleitoral. “Eu creio que as pautas que vocês têm coberto nas últimas 24 horas se constituem em uma evidência bem clara disso”, afirmou Obama. O episódio desviou um pouco as atenções da reunião sobre segurança nuclear, que foi planejada pelo presidente. Os 54 países participantes afirmaram ter feito progressos no sentido de reduzir o risco de um ataque nuclear terrorista. Mas alguns especialistas dizem que os avanços foram modestos. “As realizações que estão sendo anunciada hoje são bastante concretas, mas na verdade não há muito coisa que já não tivesse sido prevista”, diz Kenneth N. Luongo, vice-presidente do Grupo de Trabalhos sobre Materiais Físseis, um consórcio formado por 60 especialistas na questão nuclear.
Segundo Luongo, para fazer frente de maneira abrangente à ameaça de terrorismo nuclear, todos os países precisam aceitar padrões de segurança uniformes. Entretanto, muitos países repelem tais medidas, citando preocupações relativas à soberania.
Na terça-feira, o presidente Obama reuniu-se com o primeiro-ministro Yousuf Raza Gilani do Paquistão para discutir a situação da segurança no Afeganistão e a relação cada vez mais precária entre o Paquistão e os Estados Unidos. Ao falar à imprensa antes da reunião, Obama admitiu que houve problemas recentes entre os dois países, mas afirmou acreditar que uma revisão parlamentar dessa relação, que está em andamento no Paquistão, fará com que a situação melhore. “Para nós, é importante manter um diálogo honesto a fim de que superemos esses problemas”, afirmou Obama.
A reunião em si se focou em realizações individuais, como a remoção de todo o estoque de urânio altamente enriquecido da Ucrânia, em um acordo para a coordenação de iniciativas para o combate ao contrabando de material radioativo e o esforço conjunto para a descontaminação do campo de testes nucleares de Semipalainsk, no Cazaquistão. “Nós precisamos sair deste cenário limitado e começar a enxergar o quadro maior”, alerta Luongo.
Tradutor: UOL
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