sábado, 31 de março de 2012

A VIDA (?) NO AFEGANISTÃO APÓS A SAÍDA DOS EUA

Afegãos se preparam para mudar de vida com a saída das tropas americanas do país
Graham Bowley e Matthew Rosenberg* - NYT
Os Estados Unidos talvez estejam com dificuldades para criar um plano de saída viável para o Afeganistão, mas Abdul Wasy Manani está seguro do seu.
O parrudo açougueiro afegão passou os sete últimos anos transportando carne da fronteira do Paquistão e construindo um negócio próspero para si e para sua família, servindo os melhores hambúrgueres em Cabul para as embaixadas e expatriados e seus churrascos.
Mas neste mês, Manani, 38, passou 14 dias na Índia em busca de uma nova empresa e uma nova casa, pronto para deixar o Afeganistão e o que ele suou para construir, caso tudo desmorone quando a maior parte dos americanos e de outras tropas estrangeiras partirem em 2014. “Se o Taleban vier como da última vez, mandando nas pessoas com chicotes, não posso ficar aqui”, disse ele. “Tenho que deixar esse país para manter minha família segura”.
Muitos afegãos compartilham essa preocupação. Entrevistas com proprietários de empresas, analistas e economistas pintam um retrato de extrema ansiedade tanto nas comunidades internacionais quanto nas nacionais, enquanto as relações entre os afegãos e norte-americanos se deterioram com a partida dos ocidentais.
Neste ambiente, indicadores preocupantes estão em toda parte. Mais de 30.400 pessoas pediram asilo para nações industrializadas em 2011, o mais alto nível em 10 anos e quatro vezes o número que pediu asilo em 2005, de acordo com dados provisórios da ONU. Enquanto isso, o número de afegãos exilados que buscam voltar caiu de 110.000 em 2010 para 68.000 no ano passado, uma grande redução dos 1,8 milhão de afegãos que voltaram à pátria em 2002, um ano após a queda do governo Taleban.
O único banco ocidental que opera no país disse na quarta-feira (28/3) que vai partir. Pilhas de dinheiro que chegam a um quarto do produto interno bruto do Afeganistão foram fisicamente carregadas para fora do Afeganistão no ano passado. Menos empresas estrangeiras estão procurando fazer negócios aqui, e as que já estão aqui estão reduzindo de tamanho e evitando novos investimentos. E há empresários como Manani, que estão com um pé na porta, procurando ativamente um plano B, uma vida e um trabalho fora do Afeganistão.
As autoridades afegãs estão agudamente conscientes disso e ficam preocupadas e revoltadas. “Algumas vezes, ouço falar que alguns empresários estão fugindo e levando suas empresas para fora do Afeganistão”, disse o presidente Hamad Karzai, em uma conferência com a imprensa neste mês. “Amaldiçoados sejam esses empresários que fizeram toneladas de dinheiro aqui e, agora que os americanos estão partindo, fogem. Podem ir embora logo. Não precisamos deles”.
Dada a importância de desenvolver uma independência econômica para o Afeganistão, as respostas instáveis, o investimento decrescente e a falta de contratações prejudicam as esperanças que essa nação empobrecida, que mal entrou na modernidade, possa prosperar sozinha.
Grandes empresas estão expressando preocupação com a situação de segurança. Uma das mais significativas é o Standard Chartered, o único grande banco ocidental com filial no país, que disse na quarta-feira que estava transferindo suas operações para um banco local afegão e retirando-se por causa da deterioração das condições, de acordo com uma pessoa que conhece a questão.
Mohammad Qurban Haqjo, presidente da Câmara do Afeganistão de Comércio e Indústria, disse que o diretor de uma das quatro grandes empresas de telefone celular tinha dito a ele que planejava tirar seus investimentos do país após 2014.
“Ainda faltam dois anos, mas todo mundo nas empresas está fazendo essa pergunta”, disse Haqjo.
Mesmo os que querem ficar assumiram uma postura muito conservadora, especialmente as empresas estrangeiras. De acordo com a Agência de Apoio ao Investimento, os gastos de capital de empresas estrangeiras recém-registradas foram de US$ 55 milhões no último ano, o menor número dos últimos sete anos, e cerca de um oitavo do pico em 2006.
De acordo com Masuda Sultan, empresária afegã americana que foi criada em Nova York, a cautela está se expressando na redução do número de funcionários nas ou no adiamento de novos investimentos.
“Entre as pessoas que conheço, há um planejamento ocorrendo em termos de decisões de investimento”, disse ela. “Elas ainda não estão fazendo as malas, mas estão buscando diversificar no exterior ou para outros setores dentro do Afeganistão”, disse ela.
Algumas das empresas que são mais fortemente dependentes dos militares e da ajuda econômica, como nos setores de construção e logística, estão buscando alternativas e se reconfigurando para as poucas áreas que analistas acham que o Afeganistão tem potencial de crescimento, como mineração e comércio.
Outras, contudo, temem que o setor privado nebuloso do Afeganistão não será suficiente para preencher o enorme vão deixado pelos militares norte-americanos e os gastos com desenvolvimento. Os números do Banco Mundial confirmam esses temores: o banco estima que a ajuda externa seja equivalente a mais de 90% da atividade econômica total do país, e prevê uma queda de crescimento para os próximos anos de 9% para 5 ou 6%, ou menos ainda se a segurança piorar.
Isso em parte se deve a ainda não haver uma grande base de manufatura ou tecnologia que possa ser o motor da prosperidade -apesar dos bilhões gastos em reconstrução e de verbas enviadas ao Afeganistão. Uma nova fábrica de envasamento de Pepsi no subúrbio de Cabul é anunciada como um dos poucos novos triunfos de investimento.
“Há uma sensação que eles têm que mudar de uma economia de guerra para uma economia de pós-guerra, e as pessoas definitivamente acham que haverá uma contração”, disse Thomas Rosenstock, advogado, originalmente de Nova York, que ajuda as empresas estrangeiras que entram no mercado afegão. “Não está certo o quão dramática será a contração”.
Depois, tem os que estão voando com dinheiro próprio.
Cada semana, dezenas de milhões de dólares -alguns desviados da ajuda dos EUA, outros do comércio de drogas- são enfiados em malas ou caixas e embarcam nos aviões deixando o Aeroporto Internacional de Cabul para destinos como Dubai, uma fuga de capital que está aumentando gradativamente em preparação para 2014, segundo as autoridades.
Noorullah Delawari, diretor do banco central, recentemente impôs novas restrições limitando a quantidade que um passageiro pode tirar do país para US$ 20.000 por viagem.
Contudo, a montanha de dinheiro enviada ao exterior de forma oficialmente declarada -cerca de US$ 4,6 bilhões no ano passado, o mesmo tamanho do orçamento anual do governo- é comparável ao dinheiro que foge por outros aeroportos e fronteiras, ou pelo mercado negro, segundo uma autoridade afegã que falou sob condição de anonimato. “Realmente não sabemos quanto está sendo removido”, disse.
Mesmo no aeroporto de Cabul, há furos na capacidade das autoridades de fiscalizar o dinheiro vivo que sai do país. As autoridades ainda estão lutando para garantir que as pessoas que passam pela área VIP do aeroporto passem suas malas pelas máquinas de raio-X instaladas há poucos anos, em parte para impedir que as pessoas levassem dinheiro, disse a autoridade.
Para Manani, o açougueiro, os outros como ele que não têm enormes quantias de capital como segurança, a esperança que possam ficar e expandir seus negócios está sendo prejudicada pela necessidade de garantir a segurança de suas famílias.
Seu plano se baseia em um esforço de iniciar um segundo negócio em Nova Déli, com seu sócio local sikh. Isso permitiria que ele obtivesse um visto de longo prazo e uma saída para sua mulher e cinco filhos, assim como seus pais, irmãos e uma irmã e seus filhos, todos dependentes dele, que teriam que se mudar com ele.
“Todo empresário só pensa em como sair daqui, em como estar seguro”, disse Manani diante de uma grande geladeira com partes de boi e carneiro penduradas. Em outra sala, quatro trabalhadores estão ocupados cortando e empacotando.
Manani foi criado no Norte do Afeganistão e lutou na dura guerra civil dos anos 90 e diz que de forma alguma quer passar de novo pela experiência. “Não tenho a energia para pegar em armas novamente e começar a combater”, disse ele. “Por isso estou procurando uma saída”.
* Com a colaboração de Habib Zohori em Cabul (Afeganistão)

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