quinta-feira, 29 de março de 2012

VIAGEM INÚTIL III

Em uma Havana com ruas vazias, papa pede por "liberdade autêntica" em Cuba
Rachel Donadio e Randal C. Archibold - NYT
Sob imagens de Che Guevara e da Virgem Maria, o papa Bento 16 apareceu na quarta-feira (28) na praça da Revolução daqui, o coração do governo Castro, e fez um pedido por “liberdade autêntica” para aquela que é constantemente classificada como uma das nações mais repressivas do mundo.
“A verdade é um anseio do ser humano, e procurá-la supõe sempre um exercício de liberdade autêntica”, disse Bento em sua homilia em uma missa ao ar livre, uma fala recebida com sorrisos por parte do público. “Muitos, entretanto, preferem atalhos, tentando evitar essa tarefa.”
A missa foi a culminação de uma visita de três dias a Cuba, que visa reforçar o apoio à Igreja Católica Romana aqui. Com o presidente Raúl Castro sentado na primeira fila --e um dia após uma importante autoridade cubana ter dito que Cuba não promoverá nenhuma mudança política tão cedo--, Bento 16 também condenou aqueles que “interpretam erroneamente essa busca pela verdade, levando-os à irracionalidade e ao fanatismo; eles se fecham nas 'verdades deles' e tentam impô-las aos outros”.
Durante sua visita, a mensagem do papa foi clara: a formação espiritual pode --e deve-- guiar a formação política, o fiel pode ser “ao mesmo tempo cidadão e crente”, e a liberdade religiosa pode promover outras liberdades. “É por isso que a Igreja procura dar testemunho por sua pregação e ensino, tanto na catequese como nas escolas e universidades.”
A visita acentuou o papel duplo complexo do papa como guia espiritual e figura política. Após a missa na quarta-feira, o papa teve um “diálogo animado” com Fidel Castro na embaixada do Vaticano aqui, disse aos repórteres o porta-voz do Vaticano, o padre Federico Lombardi. Ele disse que o encontro foi marcado por cordialidade e que Fidel, tratado por Lombardi como “comandante Castro”, fez ao papa uma série de perguntas, incluindo o que um papa faz.
Os dois fizeram algumas piadas sobre a idade deles, com o papa dizendo a Fidel “eu sou velho, mas ainda sei como realizar meu trabalho”, disse Lombardi. Ele acrescentou que Fidel disse ao papa que estava acompanhando a visita pela televisão e perguntou a Bento 16 sobre as mudanças na liturgia católica, o que tinha mudado desde que ele era garoto. Fidel frequentou escolas jesuítas quando era menino.
Fidel apresentou dois de seus filhos para Bento 16, disse Lombardi. Por sua vez, o papa falou sobre sua alegria por estar em Cuba e da recepção calorosa que recebeu, segundo Lombardi.
O Departamento de Estado disse que transmitiu uma mensagem ao papa por meio do núncio apostólico do Vaticano em Washington, pedindo a ele que pressionasse pela soltura de Alan Gross, um prestador de serviço americano que foi preso em Cuba por distribuir equipamento por satélite. Lombardi disse que “questões humanitárias” foram levantadas ao longo das reuniões do papa em Havana, mas disse que não podia dar mais detalhes.
Na quarta-feira, a Anistia Internacional disse que há relatos do governo cubano ter prendido dissidentes e bloqueado seus celulares antes da missa, pedindo ao papa para que denunciasse essas ações. O Vaticano disse que, durante sua breve visita, o papa não se encontrou com nenhum grupo individual, dentro ou fora da igreja, apesar dos pedidos de grupos de direitos humanos para que ele se encontrasse com os dissidentes cubanos. Nos últimos anos, a Igreja Católica em Cuba tem ajudado a mediar a libertação de presos políticos.
Enquanto Bento 16 celebrava a missa aqui, o altar foi colocado sob uma grande bandeira cubana e uma estátua de José Martí, um poeta e revolucionário cubano do século 19, que lutou pela independência de Cuba da Espanha.
Em meio à multidão, Julia Rios, uma cozinheira desempregada de 34 anos, disse que espera que a missa encoraje mais católicos a se tornarem mais praticantes. “É importante para minha fé expressá-la junto ao nosso líder espiritual”, disse Rios. “Isso trará mais gente para a Igreja e fará mais pessoas frequentarem a missa.”
Mas, após a missa, parte do público disse ter ficado surpreso com a homilia do papa e com palavras que interpretaram como sendo farpas dirigidas à liderança cubana. “Eu não quero falar a respeito daquela parte”, disse uma mulher, correndo para longe, temendo discutir o assunto publicamente. Outros disseram ter apreciado o aumento da liberdade religiosa e concordaram com a mensagem do papa. “Eu amei tudo”, disse Manuel Perez, um engenheiro de 65 anos vestindo uma camiseta branca de Bento 16, como muitas pessoas na multidão. “A Igreja deveria dispor de maior abertura.”
Antes de chegar a Havana na terça-feira e participar de uma reunião privada com Raúl Castro, Bento 16 primeiro visitou a cidade cubana de Santiago. Lá, rezou no santuário de Nossa Senhora de El Cobre, a santa padroeira de Cuba, que é adorada por pessoas de muitas fés devido à crença de que ela traz sorte.
Em sua homilia, Bento 16 também mencionou Félix Varela, um padre cubano e educador do século 19, que está a caminho da beatificação. O papa disse que Varela “ocupa seu lugar na história cubana como o primeiro que ensinou as pessoas a pensarem”, acrescentando que ele “nos oferece um caminho para uma verdadeira transformação social”.
A frequência dos fiéis à missa é extremamente baixa em Cuba. A visita em 1998 do papa João Paulo 2º ajudou a promover uma maior liberdade religiosa --incluindo o reconhecimento do Natal como feriado nacional--, mas o principal resultado foi o crescimento das igrejas evangélicas. Em seu encontro com Raúl Castro, Bento 16 pediu para que Cuba reconhecesse a Sexta-Feira Santa como feriado nacional.
“É preciso ser dito com alegria que, em Cuba, passos foram dados para permitir à Igreja realizar sua missão essencial, a de expressar sua fé de modo aberto e público”, disse Bento 16. “Todavia, isso deve prosseguir, e desejo encorajar as autoridades do governo do país a fortalecerem o que já foi conseguido e a avançarem por esse caminho, de serviço genuíno ao verdadeiro bem da sociedade cubana como um todo.”
Após sua homilia, não foram ouvidos aplausos na praça. O público era incomumente pequeno, em comparação à recepção calorosa que Bento 16 costuma receber em outros países. Aproximadamente meio milhão de pessoas, por exemplo, compareceram à missa do papa em Silao, México, no domingo.
Bento 16, que completará 85 anos no mês que vem, começou a demonstrar sua idade nesta viagem. Na quarta-feira, trajando uma batina púrpura ornamentada, usada durante a Quaresma como símbolo da paixão de Cristo, o papa usou uma grande cruz ornamentada como bengala para caminhar até o altar. Enquanto Bento 16 seguia para a missa em seu papamóvel branco, as ruas no centro de Havana estavam incomumente vazias. O governo declarou o dia como sendo feriado em homenagem à sua visita.
Tradutor: George El Khouri Andolfato

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