sexta-feira, 30 de março de 2012

DIGA NÃO ÀS DROGAS

Imagem da cocaína piora entre usuários
Laetitia Clavreul - Le Monde
Droga “de festa”, “da performance”, droga “inofensiva”... Essa reputação valeu à cocaína um aumento contínuo de seu consumo durante 15 anos. No entanto, vêm surgindo os primeiros sinais de piora de sua imagem junto aos consumidores: é um dos elementos-chave de “Cocaína, dados essenciais”, a primeira monografia sobre esse entorpecente que se tornou o segundo produto ilícito mais consumido na França depois da maconha, publicada pelo Observatório Francês das Drogas e das Toxicomanias (OFDT) na quinta-feira (29). Seria o fim do lado “festivo”? Hoje, o momento é de conscientização sobre os danos à saúde. Um ponto de virada.
Uma banalização do uso em todos os meios
A última década foi marcada pela banalização da cocaína, sobretudo porque seu preço caiu: o grama valia 150 euros em 1990, 80 em 2000 e 60 em 2010. Essa queda nos preços permitiu uma disseminação entre as categorias intermediárias. A disseminação da cocaína também se explica pela imagem de performance associada a essa droga, que combina bem com o estado de espírito da sociedade, o modo de consumo --cheirar é visto como pouco arriscado, comparado com o injetar-- e o aumento da disponibilidade no território.
No total, 400 mil pessoas a consomem pelo menos uma vez por ano, e 1,5 milhão de franceses já a experimentaram. O avanço é espantoso: o uso anual aumentou três vezes (de 0,3% para 0,9%) de 2000 a 2010, e o número de pessoas que experimentam aumentou quase cinco vezes (0,8% para 3,8%) entre 1992 e 2010. É na faixa etária dos 18 aos 34 anos que a disseminação é mais ampla. Entre eles, quase 7% já experimentaram cocaína.
Todas as categorias sociais e profissionais são afetadas. A porcentagem de pessoas que experimentam é particularmente elevada entre os desempregados (7,6% deles). Entre os ativos ocupados, os executivos e as profissões intelectuais, os artesãos-comerciantes e os operários estão representados em peso.
Os locais de consumo também mudaram. Inicialmente presente na cena de música techno, a cocaína se estendeu para ambientes de festas em geral (bares, casas noturnas). Quando os consumidores envelhecem, passam a sair menos, mas o uso continua em casa ou em festas de amigos.
A cocaína não é mais privilégio das grandes cidades. Ela está igualmente presente nos vilarejos periurbanos e rurais. Isso se explica pela passagem pontual de habitantes das cidades durante dias de festas, mas também pelo fato de que alguns deles vão morar nessas áreas para escapar de aluguéis caros demais.
Uma mudança na boa imagem
Entre os consumidores, a ideia era bem firme: a cocaína seria menos nociva que as outras drogas ilícitas e seu consumo seria administrável. Mas a novidade é que a opinião positiva tem diminuído com a intensificação do consumo. Pela primeira vez em 2010, os observadores da rede Trend, que detecta as tendências de consumo em toda a França, relatam “uma nítida degradação da imagem da cocaína” entre os usuários. Essa mudança ainda deve ser verificada, mas vários profissionais relatam, entre os usuários mais experientes, “uma conscientização relativa à nocividade da substância”.
Embora esse não seja o caso entre os novos consumidores, que ainda estão descobrindo o produto, os outros falam sobre as consequências à saúde, a diminuição do prazer em consequência de seu repetido consumo e uma diminuição da relação qualidade/preço. Essas críticas levantam a hipótese, segundo a Dra. Maud Pousset, diretora da OFDT, de “uma perda de velocidade, talvez em prol de produtos sintéticos”. Em outras palavras, uma desaceleração do aumento poderá ser observado nos próximos anos, como já foi constatado no caso do ecstasy.
Perigos reduzidos pelos usuários e pelos médicos
Os riscos à saúde gerados pela cocaína estão longe de ser anódinos: complicações cardiovasculares, lesões cutâneas, síndromes respiratórias, patologias mentais... Mas a imagem positiva veiculada em torno desse entorpecente fez parte da negação do perigo, sobretudo entre os jovens que vêm mudando nos ambientes de festas e preferindo o free base, uma preparação artesanal com conotação menos negativa que o crack, mas que na verdade é idêntico.
A boa reputação do entorpecente também conseguiu desviar o olhar dos médicos da questão, que puderam reduzir os riscos associados ao consumo pela inalação, de longe a forma mais comum. Os usuários acreditam que os médicos não conhecem bem os efeitos do produto e que eles levam pouco em conta suas demandas, ao contrário dos que dizem respeito aos opiáceos (heroína).
A OFDT ressalta que os profissionais da área de saúde --mas também os jornalistas-- se concentraram em uma “visão bipolar” dos consumidores. De um lado, os de classe alta, bem inseridos socialmente, que cheiram em um contexto de lazer e conseguem administrar seu consumo. Do outro, consumidores muito precários, fumantes de crack em imóveis invadidos ao norte de Paris, principalmente. Consequência desse foco: grande parte dos usuários, inseridos socialmente, não são identificados, sendo que seu consumo é problemático.
Mais lucrativa que a maconha
Paralelamente à disseminação da cocaína entre a população, as redes de revenda se diversificaram, com a emergência de um micro-tráfico para uma clientela restrita. Além disso, certas redes de traficantes de maconha migraram para a cocaína, sobretudo na periferia, porque esse entorpecente é mais lucrativo.
Pela primeira vez foi estimado o faturamento da cocaína: 902 milhões de euros por um volume de 15 toneladas de pó, dosado a 30%. Um montante próximo ao da maconha, mas para 200 toneladas vendidas. Cada grama renderia cerca de 30 euros, contra três no caso da maconha.
O fenômeno de migração dos traficantes da maconha para a cocaína pode aumentar: o tráfico das duas drogas usa rotas similares (África, Magrebe) e a expansão do cultivo da erva na Europa agora compete com a resina marroquina. A França certamente não acabou com a cocaína.
Tradutor: Lana Lim

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