quarta-feira, 28 de março de 2012

VISITA INÚTIL

Papa evita encontro com a dissidência cubana
Pablo Ordaz - El País
Se durante sua estada em Cuba o papa perguntar se há presos políticos, o cardeal Jaime Lucas Ortega y Alamino, arcebispo de San Cristóbal de La Habana, lhe dirá que não, e foi o que respondeu há três dias ao jornal do Vaticano, "L'Osservatore Romano". Se, por outro lado, Bento 16 fizer a pergunta a Berta Soler, líder das Damas de Branco, receberá uma lista com 46 nomes, as prisões onde estão e o porquê.
Mas até o momento Joseph Ratzinger não tem previsão de se reunir com ninguém da dissidência cubana, como tampouco se reuniu no México com as numerosas vítimas de Marcial Maciel, cofundador dos Legionários de Cristo. Até o momento, a segunda viagem do papa por terras latino-americanas --visitou o Brasil em 2007-- se desenvolve placidamente, entre os aplausos dos fiéis e sob o manto do poder.
Não obstante, assim que pôs os pés em Santiago de Cuba e depois de cumprimentar Raúl Castro, Bento 16 disse: "Trago no coração as justas e legítimas aspirações de todos os cubanos, onde quer que se encontrem, seus sofrimentos e alegrias, suas preocupações e seus desejos mais nobres, e de maneira especial as dos jovens e das pessoas idosas, dos adolescentes e das crianças, dos doentes e dos trabalhadores, dos presos e suas famílias, e dos pobres."
A entrevista do cardeal Ortega provocou bolhas entre a dissidência. Seu relato da vida atual em Cuba parece escrito por um dos Castro ou por muitos dos Fidel ou Vladimir filhos da burguesia do regime, que ocupam cargos de poder. Perguntado sobre o que diferencia esta Cuba da que João Paulo 2º visitou há 14 anos, o cardeal respondeu sem titubear: "Há novas estruturas no governo; houve uma mudança presidencial há quatro anos, com novos ministros e funcionários. Iniciou-se uma reforma econômica de importância quanto ao cultivo da terra, a construção de moradias, o crédito, a compra e venda de casas e automóveis, a criação de pequenas empresas privadas..."
A paisagem idílica da Cuba do monsenhor Ortega, onde nem há presos políticos nem dificuldades diárias para alimentar-se adequadamente, se choca frontalmente com a que enfrenta o dissidente Elizardo Sánchez, presidente da ilegal, embora semitolerada --uma expressão local que encerra toda uma filosofia-- Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional (CCDHRN).
Em declarações ao jornal venezuelano "El Universal", Sánchez afirmou: "O cardeal Ortega está dizendo coisas que são divorciadas da realidade para estar em bons termos com o regime. Existe uma lista de 46 prisioneiros políticos, e há dez dias lhe entregamos um CD com informação para que fosse enviada ao Vaticano. Se o cardeal viu esse documento, por que diz que não há presos políticos? O governo também diz que não há, mas sim, há".
Os dissidentes também denunciaram que nos dias anteriores à visita do papa a Cuba ocorreram batidas para afastar de Santiago e de Havana vagabundos, prostitutas e cidadãos pouco afins ao regime. A líder das Damas de Branco, Berta Soler, continua pedindo um minuto, "só um minuto", com o papa para lhe contar o que não escutará nem de Raúl Castro nem de monsenhor Ortega.
O objetivo da visita de três dias do papa à ilha caribenha é estreitar os laços entre a Igreja Católica e o governo comunista cubano, duas instituições cuja visão é antagônica, mas que nos últimos tempos dialogaram sobre a situação dos presos políticos. No entanto, no Vaticano --onde alguns setores duvidam da idoneidade da visita-- teme-se que o governo impeça a chegada de fiéis a Santiago e sobretudo a Havana.
Essa informação concorda com o que foi dito por Aimée Garcés, das Damas de Branco: "Estive esperando várias companheiras no centro de Santiago", disse à agência Reuters, "mas não chegaram. Ao que parece, foram detidas para frustrar o protesto que tínhamos organizado durante a visita do papa".
Bento 16 prevê celebrar uma missa à tarde em Cuba. No entanto, não se informou sobre a possibilidade de que o convalescente Fidel Castro, de 85 anos, receba Ratzinger, que completará 85 daqui a três semanas. Ao partir de Roma, o papa declarou: "A ideologia marxista na forma em que foi concebida já não corresponde à realidade. Novos modelos devem ser encontrados com paciência..."
Não é de paciência, exatamente, que o povo cubano precisa.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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