Fraturação da Al Qaeda faz ressurgir o ativismo extremista sunita
Ian Breemer e David Gordon - Herald Tribune
Faz quase 11 meses desde a morte de Osama Bin Laden e quase 11 anos desde que 11 de setembro lançou a Al Qaeda à frente das questões de segurança nacional norte-americanas. Desde então --em tropeços após 2001 e em ritmo acelerado nos últimos cinco anos-- os EUA tiveram notável sucesso em degradar a capacidade operacional da Al Qaeda e rachar a organização, culminando na operação em Abbottabad em maio último.
Para dizer o óbvio, tudo isso é bom. Os EUA estão mais seguros, o mundo é um lugar melhor e a redução da ameaça jihadista permite que os EUA façam um papel estratégico na região da Ásia e Pacífico.
Mas o que nem todos percebem é que, apesar da ameaça à pátria ter sido reduzida, o fim da “Al Qaeda central” está coincidindo com a ressurgência do ativismo político extremista sunita. As duas tendências são conectadas e apresentam um desafio crescente aos interesses americanos.
A fraturação da Al Qaeda reverteu a conquista marcante de Bin Laden, ou seja, de desafiar o pensamento que toda política deve ser local e concentrar os esforços dos elementos mais extremos do islamismo sunita no ataque ao “inimigo distante” --os EUA.
Na ausência do xeque, esses grupos, sustentados pela dinâmica do despertar árabe e pela retirada dos EUA do Iraque e do Afeganistão, regressaram à política doméstica do Oriente Médio e sul da Ásia. Suas atividades acrescentam uma camada de complexidade, incerteza, fragilidade e perigo à trajetória da região e criam problemas enormes para a política externa dos EUA.
O próprio Obama tinha consciência desse desdobramento. De acordo com a correspondência apreendida na casa de Bin Laden em Abbottabad, o líder da Al Qaeda reclamava constantemente que seus operadores eram ansiosos demais em dirigir suas atividades para a dinâmica local em vez de buscarem a causa mais ampla anti-EUA.
O ataque aos xiitas iraquianos pela Al Qaeda na Mesopotâmia, às custas do combate aos EUA, irritava Bin Laden particularmente, cujo foco em atacar os EUA à exclusão de todos os outros gerou até discordâncias de seu vice, Aymane Al-Zawahri.
Essas tensões --e a tentação entre os agentes da Al Qaeda de atacar alvos locais mais fáceis-- aprofundaram-se com o aumento da vigilância dos EUA e o enfraquecimento do controle operacional de um Bin Laden cada vez mais isolado.
A morte de Bin Laden, a pressão continuada dos EUA e a ascensão do impopular Zawahri à liderança apressaram a transferência dos afiliados da Al Qaeda para questões locais, tornando os vários ramos da rede menos receptivos aos ditames de Zawahri, que é egípcio.
O novo foco em questões locais está levando a influência insurgente dos elementos sunitas mais radicais para áreas nas quais a Al Qaeda nos últimos anos se tornou profundamente impopular. O foco extremista sunita voltou-se para o xiita ao lado, em vez de os EUA, do outro lado do oceano. Ainda assim, é precisamente esse foco em questões locais que apresenta um novo desafio para os EUA, apesar de tornar um ataque de larga escala contra os próprios EUA cada vez mais improvável.
De fato, já estamos vendo os efeitos dessa mudança. A influência de extremistas sunitas é crescente no Afeganistão, tornando fracas as perspectivas de um acordo negociado estável e mais fracas ainda as perspectivas de extinção do islamismo no vizinho Paquistão, além de tornarem o objetivo norte-americano tremendamente mais complicado.
A retirada dos EUA do Iraque intensificou a oposição extremista sunita contra o primeiro-ministro xiita, Nuri Kamal Al-Maliki, e está mais claro do que nunca que o que atiça os radicais é sua seita, e não seus laços com Washington.
Em Mali, as atividades locais crescentes da Al Qaeda no Magrebe islâmico contribuíram para a deterioração da segurança que deu força à rebelião Tuaregue que vinha fermentando há tempos e alimentou o descontentamento que levou ao golpe da semana passada. Para os EUA, que tinham promovido Mali como uma história de sucesso regional e democracia próspera, esse é um desdobramento preocupante.
A influência crescente dos extremistas sunitas no norte da África surpreendeu e desorientou até os radicais islâmicos da região, com o sucesso eleitoral do partido salafista Al Nour, no Egito, desafiando a Irmandade Muçulmana, e o governo liderado por Ennahda, na Tunísia, lutando para impedir a influência salafista de deter o investimento estrangeiro tão necessário.
A volta dos jihadistas à Líbia está injetando um elemento ideológico radical a uma transição já cheia de tensões étnicas e tribais. Aqui, como no sul da Ásia e no Sahel, o foco regional do elementos mais radicais do islamismo sunita está mudando o jogo.
É na Síria que essa dinâmica é mais aguda e mais desafiadora para os EUA. O levante contra o regime de Assad é de muitas formas uma vantagem estratégica para os EUA, especialmente dada a cooperação próxima entre Damasco e Teerã. Mas a dinâmica sectária na Síria torna muito difícil para os EUA explorarem ou até administrarem essa vantagem.
A inabilidade da oposição síria de unir ou conquistar as minorias étnicas e sectárias resulta em grande parte da percepção que os elementos mais fortes da oposição ao xiita alauita Bashar al-Assad são os extremistas sunitas. Os grupos de minoria temem que estes tratem os não sunitas de forma ainda mais dura do que Assad tratou grande parte da população síria.
E a divisão da oposição que o extremismo sunita alimenta está cada vez mais permitindo que elementos extremistas definam as forças anti-Assad --alimentando maiores divisões e, em um círculo vicioso, criando cada vez mais aberturas para extremistas.
O pedido de jihad contra o regime de Assad feito por Zawahri --a primeira dessas exortações da Al Qaeda que não é contra os EUA ou um aliado norte-americano próximo-- é tanto um testemunho quanto um motor dessa dinâmica anti-xiita e determinadamente local.
Tudo isso torna muito difícil o apoio retórico ou militar dos EUA, da Turquia ou da Arábia Saudita à oposição síria e contribui para o impasse que estamos vendo agora.
O próprio sucesso dos EUA na guerra contra a Al Qaeda criou um paradoxo: enquanto os islamistas sunitas mais radicais mudaram seu foco para longe dos EUA, a complexidade do desafio que impõem para a política externa norte-americana só aumentou. A guerra ao terror pode estar acabando, mas a administração de suas consequências está apenas começando.
(Ian Bremmer é presidente do Eurasia Group e autor de “Every Nation for Itself: Winners and Losers in a G-Zero World”. David Gordonis é diretor de pesquisa do Eurasia Group e ex-diretor de planejamento político do Departamento de Estado)
Tradutor: Deborah Weinberg
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