quarta-feira, 28 de setembro de 2011

ÍNDIO QUER APITO II

Crise sobre construção de estrada na Amazônia boliviana derruba mais um ministro de Morales

O Globo
Agências internacionais

LA PAZ e GENEBRA - A nova crise política que atinge o governo boliviano, derivada do protesto indígena contra a construção de uma estrada na Amazônia, causou nesta terça-feira mais uma baixa no Gabinete de Evo Morales. A nova renúncia é do ministro do Interior, Sacha Llorenti, que se segue à de um de seus vices, Marcos Farfán, e à da ministra da Defesa, Cecilia Chacón.
Além dos três, também deixaram seus cargos nos últimos dias a diretora nacional de Migração, María René Quiroga, e a coordenadora do Sistema de Informação e Acompanhamento da produção de Preços dos Produtos Agropecuários, Roxana Liendo - aprofundando as fissuras nas bases de apoio do governo e criando um clima de incerteza sobre o futuro político de Morales.
Em uma tentativa de minimizar a crise, Morales anunciou na noite desta terça-feira os novos ministros da Defesa (Rubén Saavedra) e do Interior (Wilfredo Chávez) e aproveitou o discurso para criticar a imprensa.
A rodovia, que conta com um financiamento de US$ 322 milhões do BNDES e atravessa uma reserva indígena, foi motivo no domingo de marchas contra a sua construção, que acabaram em confrontos violentos com a polícia e na detenção momentânea dos manifestantes. A estrada é construída pela empresa brasileira OAS, e deve ligar o Brasil a portos de Chile e Peru, passando pela Bolívia.
O anúncio de Morales, na segunda-feira, de que suspenderá a polêmica construção não foi suficiente para conter a crise política e social em torno do projeto. E a atitude do governo de mostrar-se alheio à violenta repressão exercida contra os indígenas foi considerada inadmissível pelos opositores.
Llorenti responsabilizou Farfán, mas acabou deixando o cargo à noite, dizendo que não queria ser "um instrumento da direita". Já Farfán, ex-vice-ministro de Regime Interior, divulgou uma carta na qual negou ter ordenado o ataque. Paralelamente, deputados do governista Movimento ao Socialismo (MAS) confirmaram o pedido de interpelação de três ministros no Congresso.
O ministro da Presidência, Carlos Romero, anunciou a criação de uma comissão interinstitucional para investigar os incidentes de domingo, que, segundo informações da imprensa local, deixaram três mortos - entre eles uma criança -, dezenas de detidos e 40 desaparecidos.
Morales tenta minimizar os danos ao mesmo tempo em que perde aos poucos apoio da Igreja, de movimentos cívicos, ambientalistas, indígenas e até da influente COB, a central sindical boliviana. Além de suspender a obra, prometeu um referendo para decidir sobre a construção ou não da estrada, o que foi rapidamente tachado de insuficiente por líderes indígenas.
- As comunidades indígenas já disseram que essa estrada não pode passar por Tipnis. Então, para que fazer esse referendo? Não acreditamos nessa proposta do governo - disse Adolfo Moye, porta-voz do parque nacional Tipnis, na Amazônia boliviana.
Os protestos se multiplicam, e o que era um movimento contra a estrada tornou-se uma contestação ao próprio presidente.
- Já não podemos tolerar mais abusos, o que o governo fez com os indígenas é antidemocrático, o presidente tem de assumir sua responsabilidade e demitir os ministros responsáveis - disse o sindicalista Bruno Apaza, da COB, que convocou uma greve geral para quarta-feira.

Marchas em Beni e La Paz
Após a dispersão no fim de semana, os cerca de 2 mil indígenas que caminham desde 15 de agosto rumo a La Paz, contra a obra, estão se reagrupando em San Borja e Rurrenabaque, no departamento de Beni (noroeste). Eles esperam retomar o protesto em breve.
Também em Beni um comitê cívico iniciou uma greve contra a atuação da polícia contra o protesto - pela qual ninguém ainda assumiu responsabilidade e que foi criticada até pelo próprio Morales.
"Essa operação realizada nos arredores de Yucumo no domingo não contou com a instrução do presidente, nem com a ordem do ministro de Governo", disseram Romero e Llorenti, em comunicado lido antes da renúncia deste último.
Em La Paz, universitários e ativistas prometem mais protestos em apoio à marcha indígena em Beni.
O conflito acontece três semanas antes de uma eleição para cargos do Judiciário impulsionada por Morales como uma de suas principais reformas e rejeitada pela oposição conservadora, que faz campanha para o voto nulo.
O líder esquerdista enfrentou protestos violentos nos últimos anos, mas não tinha encontrado até agora com um protesto radical por grupos indígenas, que ele diz representar.

Relator da ONU pressiona
O crescimento dos protestos contra a construção da estrada na Amazônia boliviana, que incluem marchas e a convocação de uma greve geral e já geraram episódios violentos, levaram nesta terça-feira o relator especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, James Anaya, a cobrar ações do governo Evo Morales.
- Peço que seja aberto, o mais rapidamente possível, um processo de consultas de boa fé com os povos indígenas a fim de encontrar uma saída pacífica para essa situação - afirmou Anaya, em Genebra.
O relator da ONU exigiu que o governo Morales tome as medidas necessárias para garantir que os protestos contra a estrada aconteçam de forma pacífica, além de prevenir e investigar qualquer incidente violento relacionado.

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