sábado, 10 de março de 2012

ABORTO E INFANTICÍDIO

Proposta macabra
Gazeta do Povo
A dignidade e o direito à vida não dependem de uma suposta autoconsciência, mas derivam do próprio fato de se pertencer à espécie humana, o que ocorre logo no instante da fecundação.
Nivaldo Cordeiro comenta editorial 'Proposta Macabra', do jornal Gazeta do Povo, publicado no dia 4 de março (domingo):
Falar em aborto após o nascimento parece uma aberração de conceito. Com efeito, a definição médica de abortamento é: "Interrupção precoce da gravidez, espontânea ou induzida, seguida pela expulsão do produto gestacional pelo canal vaginal (Aborto). Pode ser precedido por perdas sangüíneas através da vagina”. Portanto, não cabe falar em aborto após o nascimento.
O ato de matar criança após o nascimento é apenas assassinato, infanticídio. Chamar o ato de aborto é apenas um eufemismo, objetivando suavizar o gesto. Se o aborto é abominável, mais o é o suposto aborto após o nascimento, uma licença para matar a partir de supostos critérios de bem estar e de preferência dos pais ou de autoridades políticas.
Mas é coerente, sim, para os defensores do aborto a defesa do infanticídio. Ambos os homicídios são motivados pelas mesmas causas e justificados pela mesma falsa ética. A lógica do aborto leva ao infanticídio, que leva ao homicídio de adultos politicamente (e racialmente) justificados. É, nada mais, nada menos, que o renascer da eugenia nazista.
Os cultuadores da morte perderam o limite para a sua ação pública.
Proposta Macabra
Em 23 de fevereiro, o Journal of Medical Ethics publicou, em sua versão on-line, um artigo de Alberto Giubilini e Francesca Minerva em que os pesquisadores defendem o infanticídio cometido logo após o nascimento. Seu texto, chamado After-birth abortion: why should the baby live? (“Aborto pós-nascimento: por que o bebê deveria viver?”), defende não apenas o direito de matar crianças que apresentam algum problema de saúde, como doenças genéticas não diagnosticadas durante a gravidez, mas também a morte de qualquer criança, ainda que saudável, se ela “ameaçar” o bem-estar da família, inclusive o financeiro.
As conclusões da dupla, por mais chocantes que sejam, partem de uma premissa correta: a de que não existe diferença ontológica e moral entre o feto e o recém-nascido. Mas, com base nessa constatação, Giubilini e Minerva trilham o caminho aberto por Peter Singer e equivocadamente negam a qualidade de “pessoa” a qualquer um que não tenha capacidade de atribuir valor à própria existência e perceber como uma perda a possibilidade de que essa existência lhe seja tirada. Os autores, portanto, atribuem aos recém-nascidos o mero status de “pessoas em potencial”, que não têm um direito à vida pelo fato de (ainda) não terem consciência da própria vida. A dupla de pesquisadores argumenta que os direitos das pessoas prevalecem sobre os das “não pessoas”, inclusive o direito de buscar o próprio bem-estar: se este for “atrapalhado” de qualquer forma pelo recém-nascido, estaria moralmente justificada a sua eliminação. Nem mesmo a adoção é considerada como alternativa por trazer um “sofrimento permanente” à mulher que entrega o filho: enquanto a mãe de um recém-nascido eliminado aceitaria a irreversibilidade da perda, a mãe de uma criança entregue à adoção sofreria indefinidamente com a esperança de um dia voltar a rever o filho.
A repulsa natural que tal ideia provoca na maioria das pessoas se sobrepõe à consideração de que o raciocínio de Giubilini e Minerva é de uma macabra coerência; incoerente é a posição de quem defende o direito ao aborto, mas rejeita as conclusões da dupla de pesquisadores. Afinal, se de fato não existe diferença entre um feto e um recém-nascido, por que aquele poderia ser morto e este não?
No entanto, a dignidade e o direito à vida não dependem de uma suposta autoconsciência, mas derivam do próprio fato de se pertencer à espécie humana, o que ocorre logo no instante da fecundação: quando os gametas se unem, cria-se um indivíduo, com DNA indiscutivelmente humano e diferente daquele de seus pais. A partir desse momento, o embrião já merece proteção, pois é um indivíduo humano, qualidade que manterá até sua morte.
A proposta da dupla de pesquisadores não apenas traz de volta a triste memória da eugenia; ao sugerir inclusive o assassinato de crianças saudáveis, dá um novo passo em um processo de relativização da vida em que o conceito de “indesejado” se alarga, usando critérios mais e mais subjetivos para sufocar vidas que têm uma dignidade e um direito à vida objetivos. Depois do artigo de Giubilini e Minerva, ninguém mais poderá descartar como “redução ao absurdo” o argumento de que o infanticídio é o ponto final do caminho que começa com a defesa da legalização do aborto: afinal, a proposta está aí, para a contemplação de todos – e o assombro de muitos.

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